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Autor:
Luciano De Biasi
Qualificação: Sócio-diretor da De Biasi Auditores Independentes
e-mail:
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Data:
13/10/2008
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O resultado da votação da Ação Declaratória de Constitucionalidade (ADC), pelo Supremo Tribunal Federal, que suspendeu até o julgamento final os processos que questionam na Justiça a incorporação do ICMS na base de cálculo do PIS e da COFINS, é um importante fato para reflexão sobre o sistema político brasileiro e o impacto que este pode trazer para a iniciativa privada. A decisão - uma vitória do governo - protelou o veredicto sobre o tema para um próximo julgamento, no qual a mais alta corte do país decidirá sobre a constitucionalidade da prática.

O mérito da discussão sobre a tributação de receitas que não pertencem ao contribuinte há muito deixou de ser questão apenas técnica. Por mais que existam divergências a respeito, o ICMS que incide sobre a venda não pode, de forma alguma, ser considerado como receita pelo vendedor. Na sistemática de impostos indiretos, o verdadeiro contribuinte é o comprador, seja ele parte do processo produtivo ou o consumidor final. Portanto, o vendedor é mero fiel depositário dos Estados e tem a obrigação de repassar o valor integral arrecadado com a venda para o erário público estadual - da mesma forma que acontece com IPI em âmbito federal.

Por que se deve tratar de forma distinta o ICMS e o IPI? Devido à diferença no mecanismo de cálculo, já que o IPI é calculado "por fora", ou seja, não integra a base de cálculo do tributo, enquanto o ICMS é contabilizado "por dentro", sendo incorporado à base de cálculo do imposto? A forma de cálculo pode ser determinante a ponto de mudar a real natureza do que é o valor de ICMS retido do comprador? O mecanismo de cálculo "por dentro" torna a tributação do ICMS ainda mais perversa. Exemplificando: uma alíquota de 18%, por exemplo, chega próxima a 22%. Ou seja, numa venda feita por uma empresa, tributada pelo lucro real, de mercadoria cujo preço sem o ICMS seria de R$ 100 mil, o valor final alcançaria aproximadamente R$ 122 mil com o ICMS - e esse seria o valor utilizado como base de cálculo de PIS e COFINS, se o STF considerar essa prática constitucional. Esses R$ 22 mil, que seriam cobrados de ICMS (que devem ser integralmente pagos ao Estado na forma de compensação com créditos de ICMS sobre as compras ou na forma pecuniária), geram um valor de PIS e COFINS a pagar de cerca de R$ 2mil. Assim, sobre um recurso que não lhe pertence, a empresa vendedora é onerada em cerca de 2% de suas receitas líquidas (receitas totais descontados os impostos incidentes sobre as vendas).

Trata-se de um mecanismo extremamente perverso para toda a cadeia produtiva. E o próprio STF, em sua maioria, comunga do mesmo raciocínio. O grande temor é que a decisão do Supremo sobre a ADC possa abrir brechas para mudanças no julgamento do mérito. Hoje, em um processo em tramitação no STF há dez anos, a União amarga uma desvantagem de seis votos contra a inclusão do ICMS na base da COFINS e do PIS e apenas um a favor. Mantidas as posições, o governo sairia derrotado. Não causará espanto, portanto, se o julgamento do mérito for empurrado para o ano que vem. Assim, mesmo que o governo venha a perder - o que parece cada vez menos provável -, essa decisão já proporcionou ao governo federal o adiamento de uma perda de R$ 12 bilhões. Sem contar o ganho trazido pela protelação da decisão por mais um ano. Com a aplicação da Lei Complementar 118/05, que deu nova interpretação ao prazo de extinção do crédito tributário, reduzindo-o para cinco anos após o pagamento do respectivo tributo, muitos contribuintes que não entraram com ação na Justiça deverão ser impedidos de pleitear o PIS e a COFINS pagos a mais em 2003.

Adicionalmente, a dilatação no prazo da decisão dificultará às Pessoas Jurídicas optantes pelo lucro real o levantamento dos valores a serem ressarcidos. Isso porque, a partir de fevereiro de 2004, passou a vigorar a Lei 10.833/03, que permitiu a contabilização de crédito da COFINS (a contribuição sobre faturamento mais representativa) nas compras de certas mercadorias, bens e serviços, cujas bases de cálculos, em grande parte, estão contaminadas pelo ICMS incidente nas compras. Destarte, o contribuinte optante pelo lucro real que quiser pleitear a COFINS e o PIS sobre o ICMS incidente sobre vendas terá que abrir mão de parte do crédito do PIS e da COFINS calculado sobre ICMS pago nas compras, cujo levantamento será muito trabalhoso.

Dessa forma, a recente decisão do STF pode abrir um precedente muito perigoso: inibir os contribuintes de lutar pelos seus direitos devido à falta de confiança no sistema judiciário nacional. O Brasil já é considerado um dos piores países em termos de tributação. Além de ter uma carga tributária extremamente alta e o sistema de pagamento de tributos mais burocrático do mundo, segundo o Banco Mundial (Paying Taxes 2008), o País possui também um sistema judiciário moroso e menos independente do que o desejável, o que cria incertezas e dificuldades para os contribuintes.

Em um assunto tão importante, o rolo compressor do governo federal parece ter entrado em ação na forma de benesses ao Poder Judiciário - e que ainda reforçam a tese das relações simbióticas que existem entre os três poderes da república. Coincidência ou não, o governo se viu obrigado, recentemente, a provisionar R$ 1 bilhão para pagamento do auxílio-moradia pleiteado pelos juízes federais desde 1990. Já o Senado autorizou a contratação de 1600 funcionários comissionados (sem concurso público) pelo Judiciário. E por acaso alguém cogitou sobre um possível aumento dos salários para os ministros do STF?

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