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Autor:
Paulo Nathanael Pereira de Souza
Qualificação: Educador e presidente do Conselho de Administração do Centro de Integração Empresa-Escola - CIEE.
E-mail:
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Data:
14/02/2007
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Formar profissionais, desafio do século 21

Na segunda metade do século passado, Lorde Butler, professor do Trinity College da universidade inglesa de Cambridge, identificou um dos desafios que viria a conturbar a sociedade no futuro: o problema da economia, das profissões, dos governos e da educação são o mesmo problema. E, mais, sua solução só poderá ser encontrada com planejamento e a mais estreita colaboração entre todos os envolvidos. Lorde Butler foi lembrado por Germano Coelho, fundador e superintendente do CIEE/Pernambuco, professor da Faculdade de Direito do Recife e ex-secretário de Educação e Cultura de Pernambuco, além de fundador e primeiro presidente do Conselho Estadual de Educação, no belo artigo Em defesa do estágio de estudantes, publicado na edição nº 11 da revista do Conselho Municipal de Política Cultural do Recife. Sempre com propriedade, Germano Coelho historia a evolução dos conceitos que norteiam a formação dos jovens estudantes e ganhou tal peso que levou os constituintes de 88 a incluir uma nova finalidade entre os objetivos da educação, que é a qualificação para o trabalho, e inserir entre os agentes do processo educativo a própria sociedade, o que possibilita que empresas e órgãos públicos atuem na capacitação do estudante em ambiente de trabalho, contribuindo para a formação do profissional completo, aquele que alia o aprendizado de qualidade com a experiência prática em ambiente de trabalho.

Bem mais ágeis no entendimento dos novos tempos do que certos setores do governo, cada vez mais as empresas assumem o papel educativo consagrado na Constituição e apostam no estágio como instrumento de captação e preparação de novos talentos. Esse é um dos principais motivos que movem as organizações a - sem qualquer ônus para os cofres públicos -- receber jovens estudantes e investir em seu treinamento prático, designando um supervisor para orientá-los e possibilitando-lhes o acesso a equipamentos, técnicas e tecnologias modernas, que não encontrariam na escola. Isso sem falar em benefícios difíceis de mensurar, mas que são perceptíveis nos depoimentos de profissionais que vinculam o seu ingresso no mercado de trabalho e o próprio sucesso de sua trajetória à oportunidade que tiveram de realizar um estágio bem conduzido - valendo acrescentar aqui que muitos deles deram um apreciável retorno às empresas contratantes, pois se transformaram em eficientes executivos. Em contrapartida, o estágio bem realizado proporciona ao jovem a desejável experiência anterior, exigida em quase todos os processos seletivos para emprego formal. Pesquisa do instituto TNS InterScience confirma o valor do estágio tanto para o estudante como para a empresa, ao detectar que, em cada cem estagiários, 64 conseguem a tão sonhada efetivação, na empresa em que atuaram ou em outra.

Mas não é apenas quando se fala de inserção no mercado de trabalho que o estágio desponta como solução para milhares de estudantes, ávidos por uma oportunidade de se preparar para um mercado altamente competitivo, ou para as empresas ou países interessados em acumular o capital humano, esse fator que faz toda a diferença num mundo globalizado e constitui uma riqueza baseada na aptidão para o trabalho, na educação adequada e na cidadania de suas populações. As estatísticas que traçam o perfil da juventude brasileira indicam distorções tão graves, que a solução exige a soma dos esforços da sociedade e do governo, com o estímulo a práticas que já comprovaram sua eficácia - caso do estágio, por exemplo - e à busca de novas iniciativas com forte poder de inclusão social. Para dar uma idéia do tamanho do problema, basta lembrar a pesquisa do IBGE que descobriu que, somente nas seis principais regiões metropolitanas (Porto Alegre, São Paulo, Rio de Janeiro, Belo Horizonte, Salvador e Recife), existem 1,7 milhão de jovens, entre 16 e 24 anos, que não trabalham nem estudam. Ou seja, vivem mergulhados numa perigosa mistura de ociosidade forçada e falta de perspectiva. Como dizem que o diabo encontra trabalho para mãos desocupadas, não é difícil imaginar para quais os tristes caminhos muitos desses jovens trilharão.

Assim, quando abrem suas portas a estagiários, as empresas não apenas asseguram seus futuros recursos humanos de qualidade, mas também praticam um elogiável exercício de responsabilidade social, ensinando os jovens a pescar - sem dúvida uma postura bem mais produtiva do que o simples assistencialismo. A edição de Agitação, a revista institucional do CIEE, que circulará no próximo mês de fevereiro, traz uma entrevista esclarecedora da juíza Maria de Lourdes Araújo Cabral de Melo, presidente do Tribunal Regional do Trabalho de 6ª Região (Pernambuco), para quem "a garantia de uma sala de aula e de um estágio remunerado com certeza seria uma grande saída para tirar da marginalidade milhares de jovens nessa faixa etária. Por outro lado, estar-se-ia também fazendo cumprir a determinação da Constituição brasileira e dos principais estatutos de direitos humanos do mundo, quando afirmam ser a educação um direito natural do homem, e que precisa ser atendido pelo Estado, pelo menos até o nível médio completo".

Que essa compreensão da nova realidade se espalhe entre os brasileiros com poder de decisão é a meta do CIEE e, tenho a certeza, de todos aqueles que lutam para proporcionar um futuro mais digno e justo às novas gerações pela valorização do trabalho e da cidadania.

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