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Autor:
Ana Paula P. Candeloro
Qualificação:
Advogada, compliance officer e presidente do Instituto YIESIA de Governança Corporativa e Compliance.
Site:
www.yiesia.com.br
Data:
14/03/2012
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A verdade politicamente incorreta

A mídia tem concedido especial atenção, notadamente nos últimos meses, a artigos sobre a presença feminina nos Conselhos de Administração das empresas privadas.

Estamos às vésperas das eleições para novos postos nos Conselhos e em que pese o discurso da diversidade, da justiça social e do profissionalismo, pergunto-me se a comunidade empresária não tenderá a manter o confortável “status quo” onde a participação de mulheres nos Conselhos tem evoluído de forma bastante tímida, talvez por comodidade. O conceito da diversidade, em especial a de gênero, ainda não foi suficientemente identificado e internalizado de forma a ser capaz de deflagrar a geração espontânea de demanda e movimentar este mercado de trabalho bastante especializado.

Uma equipe multidisciplinar, multicultural, multireligiosa imprime olhares não viciados em um único argumento. Na minha trajetória profissional sempre fui favorável a formar uma equipe onde as diferentes facetas de cada colaborador fossem capazes de criar um discurso de sucesso. Vaidades a parte, o importante é gerar mais valia para o empregador e a diversidade pode muito bem servir a este propósito.

A chamada “sensibilidade feminina”, expressão que com freqüência ouço e que é preconizada como importante vetor de um olhar diferente, acaba na verdade se transformando em discurso sexista, pois a diferença, ou a sensibilidade propriamente dita, reside em inúmeras outras combinações (acadêmicas, culturais, religiosas, sociais, políticas, e até mesmo no próprio entrosamento dos neurônios...), e não apenas na diversidade do gênero.

A mulher passa a fazer parte do conceito de diversidade quando apresenta uma dessas facetas e não apenas pelo fato de ser mulher. A “sensibilidade feminina” não garante nenhum olhar vanguardista tampouco deve servir de justificativa quando se prega a diversidade de gênero. Não é o sexo que imprime o comportamento.

A imposição de quotas talvez possa ser encarada como um movimento transgressor e temporário, no sentido de que servirá apenas para romper com um ciclo vicioso e oxigenar a composição de grupos que se organizam há anos sempre da mesma forma.

Há os que dizem que a seleção prévia de um grupo já antecipa o preconceito e é um opressor da meritocracia e da igualdade ao invés de defender a diversidade. Este ponto de vista talvez esteja se esquecendo de considerar importantes questões antropológicas, sociológicas, e até mesmo mercadológicas.

O preconceito, se não transformado, continuará existindo, independentemente de qualquer ordem judicial ou legislativa que obrigue uma integração. O caso conhecido na história do direito civil americano como “Os Nove de Little Rock”, região sulista norte-americana de Arkansas, foi emblemático: a integração racial escolar já havia sido decida anos antes quando apenas em 1957 em Little Rock a classe média negra sulista, academicamente já muito qualificada, teve acesso à então maior e melhor escola de ensino médio. Agressões, ânimos inflamados e raiva marcaram o dia como trágico na história, porém foi capaz de começar a quebrar barreiras.

Hoje, mais de 50 anos depois, o preconceito racial ainda não foi extirpado, mas o comando regulatório serviu para facilitar o acesso desse grupo a condições mais equânimes.

A teoria econômica de Keynes dizia que o mercado não deve ser relegado às próprias forças e necessita de um comando regulatório para que se mantenha organizado, saudável e longevo.

Da mesma forma pode ser encarada a questão das quotas: não como um retrocesso, em uma época em que se comemora o voto feminino (por sinal conquistado por decreto presidencial assinado por Getúlio Vargas em 1932), ou como uma forma de erradicar o preconceito, mas como forma de organização societária quando a auto-conscientização das novas demandas da sociedade e do mercado tardam a aflorar. Às vezes é mais difícil reconhecermos do que precisamos até que alguém nos diga o que é.

Não há solução fácil.

O discurso ideológico contrário à imposição de quotas para mulheres nos Conselhos talvez esteja se esquecendo da vida como ela é. As mulheres sentem que devem trabalhar mais, que devem apresentar argumentos sempre mais afiados e inteligentes, que devem ser mais rápidas, que devem ser melhores a cada dia, mantendo a competitividade em um nível apenas aparentemente saudável. Estes são fatos da vida e não um discurso vazio. Da mesma forma que o preconceito e a resistência o são; especialmente em um ambiente ainda bastante conservador, na sua maioria, como os Conselhos tradicionais.

Desenvolvi minha carreira em um mundo predominantemente masculino e agressivo; galguei postos importantes e cheguei à Diretoria, participando de reuniões executivas nas quais a presença feminina era pífia; não tive regalias na ascensão.

Obviamente sou a favor da meritocracia e do reconhecimento, mas pergunto-me se não é este apenas um discurso politicamente conveniente e se, na verdade, deveríamos reconhecer que, da mesma forma que o Estado, os Conselhos necessitam agora de uma intervenção pontual para se modernizarem; e não apenas com relação à presença feminina...

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