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Autor:
Mário César de Camargo
Qualificação:
Empresário gráfico e presidente da Associação Brasileira da Indústria Gráfica (Abigraf)
E-mail:
[email protected]
Data:
15/09/05
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Estranha Omissão

O fato de a DNA propaganda, do publicitário Marcos Valério, ter contratado a Gráfica Fundo de Greve, de uma associação beneficente ligada ao Sindicato dos Metalúrgicos do ABC, para imprimir folhetos do Banco do Brasil não é apenas mais uma evidência do esquema investigado pelas CPIs dos Correios e do Mensalão. O estranho acordo comercial também traz à tona antigo e aparentemente insolúvel problema: a concorrência desigual exercida por gráficas de sindicatos, partidos políticos, organismos estatais, instituições religiosas e beneficentes.

Contando com benesses fiscais e/ou recursos subsidiados para investimentos e invariavelmente despreocupadas com o detalhe do lucro - esta extravagância capitalista ... -, aquelas organizações aviltam preços, interferem no mercado e prejudicam as empresas gráficas, que recolhem elevadíssimos impostos e pagam altos juros para financiar seus bens de capital. Esta distorção é praticada por gráficas de poucos recursos técnicos, pertencentes a organizações de pequeno porte, mas também por algumas com planta industrial sofisticada, ligadas a governos.

O mais intrigante nessa situação é que, mesmo diante de provas do mau uso de gráficas estatais, sindicais e de outras organizações do gênero e de seu envolvimento com a corrupção, como já ocorreu muitas vezes, ninguém parece interessado em solucionar o grave problema. Imaginem se existissem fábricas vinculadas ao governo, partidos e sindicatos, com isenções fiscais e crédito subsidiado, produzindo eletroeletrônicos, computadores e outros bens de consumo e os colocando no mercado a preços abaixo do custo operacional das empresas industriais legalmente instaladas? Pois a situação enfrentada pelo setor gráfico é exatamente esta.

A Associação Brasileira da Indústria Gráfica (Abigraf) mobiliza-se contra esse problema desde sua fundação, há 40 anos, no primeiro Congresso Brasileiro da Indústria Gráfica, realizado em 1965, em Águas de Lindóia, no interior paulista. A concorrência desleal de gráficas sindicais, estatais e partidárias já integrava o temário do evento. A entidade, contudo, com raras e honrosas exceções, não tem encontrado respaldo para suas propostas de normalizar o funcionamento dessas organizações. Ao contrário, surgem, às vezes, projetos mais amplos e ousados de interferência estatal no mercado, como o Correio Híbrido, verdadeiro monopólio na impressão e distribuição de malas diretas e documentos de segurança, conforme amplamente difundido nos dois últimos anos.

A indústria gráfica brasileira, constituída por cerca de 15 mil empresas e responsável pelo emprego direto de 200 mil trabalhadores, não pode continuar sendo indefinidamente prejudicada por uma insólita situação, absolutamente paradoxal ao capitalismo, à democracia e aos níveis de competitividade da economia contemporânea. A persistência de tal problema, durante décadas, parece ficção, mas é uma dura realidade, enfrentada no dia-a-dia do mercado pelas empresas do setor.

A Nação pergunta: por que uma agência de publicidade de Belo Horizonte, onde existem excelentes gráficas, iria procurar uma pequena associação beneficente da região do ABC paulista, ligada ao Sindicato dos Metalúrgicos, para imprimir folhetos de seu cliente Banco do Brasil? A indústria gráfica acrescenta: por que não há interesse em acabar com a concorrência desigual exercida por gráficas estatais, sindicais e de partidos? Conforme se preconiza toda vez que a corrupção no setor público torna-se o principal tema nacional, o Brasil precisa ser passado a limpo. Tal meta não deve dissipar-se, como costuma ocorrer, com a conclusão das CPIs e da punição de alguns culpados. Edificar uma nação verdadeiramente ética é tarefa diária e ininterrupta da sociedade e do governo. É preciso coibir grandes esquemas como o do "Mensalão", mas também é necessário fazer a profilaxia no varejo, impedindo a proliferação de situações obscuras e contrárias à lógica, como a estranha omissão perante a concorrência desleal institucionalizada que tanto prejudica o mercado gráfico.

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