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Autor:
Flavio Farah
Qualificação:
Mestre em administração de empresas e professor universitário.
E-mail:
[email protected]
Data:
16/08/05
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Quotas Étnicas nas Universidades

1. INTRODUÇÃO

A justificativa apresentada pelos defensores da chamada "política de quotas" é que os exames vestibulares são flagrantemente injustos: a grande maioria dos universitários são membros da classe média alta, e isto ocorre porque esses estudantes puderam cursar o ensino médio em instituições particulares que oferecem ensino de boa qualidade. Em contraste, os estudantes das escolas públicas não conseguem aprovação nos vestibulares em decorrência de sua formação deficiente. Outro argumento é o de que a população afro-descendente, em virtude da discriminação histórica que tem sofrido, acha-se em nítida desvantagem no tocante à renda e às oportunidades educacionais.

As teses apresentadas para justificar a política de quotas são afirmações genéricas que precisam ser testadas empiricamente. É o que se faz a seguir.


2. QUOTAS PARA ALUNOS DE ESCOLAS PÚBLICAS

Vejamos o que tem acontecido na UNICAMP. A UNICAMP publica anualmente o perfil socioeconômico dos candidatos ao vestibular bem como dos ingressantes na universidade. No perfil relativo ao vestibular do ano 2000 selecionamos os seguintes dados:1

UNICAMP - VESTIBULAR 2000

Tipo de escola no ensino médio Candidatos Ingressantes(aprovados)
curso médio todo em escola particular 62,4 % 62,4 %
curso médio todo em escola pública 29,1 % 30,7 %

A tabela mostra que a proporção percentual entre candidatos oriundos de escolas particulares e públicas é virtualmente idêntica à de ingressantes. Isto indica que o índice de aprovação dos candidatos "públicos" é igual ao dos candidatos "particulares" (índice de aprovação = número de ingressantes / número de candidatos).

No caso do vestibular 2000 da UNICAMP, o fato de o índice de aprovação dos candidatos públicos ser similar ao dos candidatos particulares é indício de que ambos os grupos tinham igual possibilidade de conquistar uma vaga, tendo competido em igualdade de condições. Assim, se a UNICAMP tivesse reservado uma parte das vagas para alunos que tivessem cursado todo o ensino médio em escola pública, a medida seria injusta por representar remédio para um mal inexistente segundo os dados disponíveis. Se alguém perguntasse, naquela época, "Por que apenas 30 % dos ingressantes da UNICAMP provêm de escolas públicas?", a resposta deveria ser, simplesmente, "Porque apenas 30 % dos candidatos são oriundos da rede governamental".

Suponhamos agora que o vestibular 2000 tivesse apresentado os seguintes dados:

UNICAMP - VESTIBULAR 2000

Tipo de escola no ensino médio Candidatos Ingressantes
curso médio todo em escola particular 60 % 70 %
curso médio todo em escola pública 30 % 20 %

O percentual de ingressantes particulares é maior que o de candidatos, enquanto o contrário ocorre com o percentual de ingressantes públicos. Isto indica que o índice de aprovação de candidatos particulares foi maior que o índice dos candidatos públicos, o que aponta para condições desfavoráveis para os candidatos públicos na luta por uma vaga.

Suponhamos que a UNICAMP, à vista desses dados, tivesse reservado, no vestibular de 2001, 40 % das vagas para alunos que tivessem cursado todo o ensino médio em escola pública. A medida, à primeira vista, seria razoável por representar solução para um problema real. Seria também razoável porque adequada para reduzir o desbalanço entre alunos públicos e privados; mas deveria ser reprovada, no final, por duas razões: primeiro, porque é excessiva e, pois, injusta, a reserva de 40 % das vagas para alunos oriundos de escola pública quando se sabe que somente 30 % dos candidatos cursaram esse tipo de instituição escolar; segundo, porque existem alternativas menos danosas aos direitos de terceiros, como por exemplo, oferecer curso pré-vestibular gratuito aos estudantes de escolas públicas, iniciativa que foi tomada pela USP.


3. QUOTAS PARA ETNIAS

Continuemos a análise do caso da UNICAMP. No perfil relativo ao vestibular do ano 2003 encontram-se os seguintes dados:2

UNICAMP - VESTIBULAR 2003

Cor ou raça declarada Candidatos Ingressantes
branca 81,0 % 82,0 %
negra + parda 10,4 % 10,1 %

A tabela mostra que a proporção entre candidatos brancos, de um lado, e negros e pardos, de outro, também é quase idêntica à de ingressantes. Isto indica que o índice de aprovação dos candidatos negros e pardos é similar ao dos candidatos brancos.

No caso do vestibular 2003 da UNICAMP, o fato de o índice de aprovação dos candidatos negros e pardos ser similar ao dos brancos é indício de que ambos os grupos tinham igual possibilidade de conquistar uma vaga, tendo competido em igualdade de condições. Assim, se a UNICAMP tivesse reservado um percentual das vagas para alunos autodeclarados negros e pardos, a medida seria injusta por representar remédio para um mal inexistente segundo os dados disponíveis. Também seria injusta qualquer reserva de vagas para esse grupo étnico em percentual que excedesse o percentual de candidatos negros e pardos ao vestibular. Se, em 2003, alguém perguntasse, "Por que apenas 10 % dos ingressantes da UNICAMP são negros e pardos?", a resposta deveria ser, simplesmente, "Porque apenas 10 % dos candidatos são negros e pardos".

Vejamos agora os dados dos vestibulares dos anos 20043 e 20054:

UNICAMP - VESTIBULAR 2004

Cor ou raça declarada Candidatos Ingressantes
branca 77,1 % 79,8 %
negra + parda 13,6 % 11,3 %

UNICAMP - VESTIBULAR 2005

Cor ou raça declarada Candidatos Ingressantes
branca 71,0 % 73,9 %
negra + parda 18,9 % 15,4 %

Os dados das tabelas acima mostram que, embora esteja aumentando o percentual de negros e pardos entre os candidatos, começa a existir alguma diferença entre os índices de aprovação dos dois grupos étnicos, com desvantagem para os afro-descendentes. Antes, porém, de pensar em medidas de ação afirmativa como quotas ou pontos adicionais na média final, a UNICAMP deveria investigar as possíveis causas dessa diferença, para conceber uma solução precisa, eficaz, não arbitrária, proporcional ao tamanho do problema e que não ferisse os direitos de terceiros.

Poder-se-ia perguntar, porém, por que apenas 19 % dos candidatos ao vestibular UNICAMP 2005 eram negros e pardos ou por que uma minoria dos candidatos eram provenientes de escolas públicas, quando se sabe que, no Brasil como um todo, dentre os alunos que cursam o ensino médio, 80 % ou mais estão matriculados na rede governamental. A resposta a essas questões exige uma investigação socioeconômica dos concluintes do ensino médio na área de influência da UNICAMP, procurando-se saber, em primeiro lugar, qual a composição étnica da população e, em seguida, qual a composição étnica, renda etc. dos que concluem esse nível de ensino.


4. CONCLUSÕES

Reservar um percentual genérico e arbitrário de vagas no ensino superior para estudantes de escolas públicas ou para etnias é injusto porque as teses expostas por seus defensores como justificativas para a medida não se comprovam na prática. Cada universidade deveria estudar a situação dos estudantes de sua área de influência e tomar as medidas cabíveis com base em um diagnóstico da situação real. Também é preciso ressaltar que qualquer iniciativa destinada a propiciar igualdade de condições no acesso à universidade deveria ser temporária, valendo apenas enquanto se constatar, com base em dados empíricos, uma desigualdade de oportunidades no acesso a esse nível de ensino.

Medidas como o curso pré-vestibular gratuito para estudantes de escolas públicas oferecido pela USP só deveriam ser tomadas com base em um levantamento prévio do perfil socioeconômico dos candidatos e ingressantes que demonstrasse a real necessidade da medida. E mais: o levantamento deveria ser feito por curso porque a dificuldade de ingresso varia de carreira para carreira.


NOTAS
1 UNICAMP. Perfil Socioeconômico dos Candidatos e Ingressantes - Vestibular Unicamp 2000. Disponível em
www.convest.unicamp.br/estatisticas/perfil/perfil2000.pdf . Acesso em 15.07.05.
2 UNICAMP. Perfil Socioeconômico dos Candidatos e Ingressantes - Vestibular Unicamp 2003. Disponível em
www.convest.unicamp.br/estatisticas/perfil/perfil2003.pdf . Acesso em 15.07.05.
3 UNICAMP. Perfil Socioeconômico dos Candidatos e Ingressantes - Vestibular Unicamp 2004. Disponível em
www.convest.unicamp.br/estatisticas/perfil/perfil2004.pdf . Acesso em 15.07.05.
4 UNICAMP. Perfil Socioeconômico dos Candidatos e Ingressantes - Vestibular Unicamp 2005. Disponível em
www.convest.unicamp.br/estatisticas/perfil/perfil2005.pdf . Acesso em 15.07.05.

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