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Autor:
João Migliano
Qualificação:
Mestrado em Administração
E-mail:
[email protected]
Data:
17/11/2010
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A logística reversa na indústria de computadores

Trabalho elaborado para o Centro Universitário da FEI, como parte dos requisitos de avaliação da disciplina de Gestão Ambiental Empresarial, ministrada pelo Prof. Dr. Jacques Demajorovic, do curso de Mestrado em Administração, concentração: Sustentabilidade.

Environmental issues will remain and become more a part of the fabric of doing business. We must look proactively for ways to achieve the proper balance between growth and the environment, between production and the resources that make the production possible. Without safeguarding of our resources there will
be no production.

L. Hall Healy Jr.
Patrick Engineering Inc.


A LOGÍSTICA REVERSA

1 INTRODUÇÃO
A linha clássica de pensamento econômico (VASCONCELOS e GOMES, 2003), inicada por Adam Smith (grifo nosso) (1723 - 1790) com a obra Riqueza das Nações (grifo nosso), a qual influenciou o pensamento de Ricardo, Mill, Say e Malthus, segmenta as atividades econômicas empresariais em três grandes setores, a saber:

a) primário: para as atividades extrativistas em geral, sejam elas de ordem: mineral, vegetal ou animal;
b) secundário: para as atividades da indústria de transformação ou de manufatura;
c) terciário: para as atividades de prestação de serviços de qualquer natureza.

De acordo com a Norma NBR ISO 9004/2000 (ABNT 2000, p. 5)1, “serviços são os resultados de pelo menos uma atividade desempenhada, necessariamente, pela interface entre o fornecedor e o cliente e é, geralmente, intangível”.

Os serviços podem envolver o transporte, distribuição e venda de mercadorias do produtor ao consumidor, venda esta que pode ocorrer no comércio atacadista ou varegista ou podem envolver a prestação de outros tipos de serviços, tais como: o de comunicações, distribuição de água e energia, entretenimento, assistência à saúde, coleta de lixo, reciclagem de materiais e outros. Produtos, algumas vezes, podem ser transformados durante o processo de prestação de um serviço, no entanto, o que caracteriza um serviço é a íntima interação e relação entre pessoas, mesmo que, concomitantemente, ocorra alguma transformação de bens físicos.

Por outro lado, a designação do setor terciário (grifo nosso) da economia pode, algumas vezes, ser confundida com o terceiro setor (grifo nosso), que, conforme designação proposta por Salamon & Anheier (1992, apud ROESCH, 2009), objetivaram dar uma melhor definição às organizações compostas por cinco atributos estruturais ou operacionais, que as distinguem dos demais empreendimentos, instituições e organizações sociais, a saber:

a) são formalmente constituídas;
b) apresentam uma estrutura básica não governamental;
c) dispõem de gestão própria;
d) objetivam fins não lucrativos;
e) envolvem trabalho voluntário.
__________________________

1 - NA: vide o significado das respectivas siglas em REFERÊNCIAS.

De uma forma mais ácida, “o primeiro setor é o governo, que é o responsável pelas questões sociais. O segundo setor é o privado, responsável pelas questões individuais, mas com a falência do Estado, o setor privado começou a ajudar (grifo do autor) nas questões sociais, através das inúmeras instituições que compõem o chamado terceiro setor” (KANITZ, 2002). Assim, o terceiro setor é constituído por organizações sem fins lucrativos e não governamentais que tem por objetivo gerar serviços de caráter público.

Drucker (1993) refere-se ainda a existência de um quarto setor (grifo nosso), que, segundo ele, apresenta franco crescimento, que é constituído pelas parcerias público privadas, em que os órgãos governamentais de serviços municipais ou estaduais estabelecem padrões de desempenho exigidos e propiciam recursos financeiros, contratando serviços, através de licitações públicas junto à iniciativa privada, tais como: coleta de lixo, transporte público, tratamento e abastecimento de água, assegurando, dessa maneira, serviços de melhor qualidade a custos substancialmente menores.

Acreditamos que, de uma forma ampla, podemos conceituar e enquadrar a atividade de Logística Reversa (grifo nosso) como um serviço (grifo nosso), pois envolve transporte; adiciona, em princípio, somente mão de obra para a desagregação de um bem, propiciando o seu fluxo inverso (grifo nosso) na cadeia produtiva, gerando: o reaproveitamento de componentes ou constituintes desses, a reciclagem de materiais e de embalagens, ou, eventualmente, sua disposição final de forma sustentável (grifo nosso) e sustentada (grifo nosso), pois a sociedade moderna não está mais disposta a arcar com o ônus dos impactos ambientais gerados por outrem.

Os termos: “reversa” ou “inverso”, pressupõem a existência de um ciclo direto precedente que, de acordo com a nova terminologia expressa na Norma ISO acima citada (ABNT (2000, p. 5), é assim descrito:

“fornecedor => organização => cliente (partes interessadas)” (grifo nosso)

Na referida, há também a indicação explícita: “quando eventualmente aparecer o
termo ‘produto’ no texto desta Norma, este termo pode também significar ‘serviço’”.

Dessa forma, acreditamos que podemos fundir as relações diretas e inversas que
podem ocorrer na cadeia produtiva de forma biunívoca, assim como indicar a possibilidade de existência de um agente adicional à mesma, que, eventualmente, assume algum papel no fluxo inverso, respondendo pela consecução de algum serviço, conforme ilustrado no diagrama abaixo:



Figura 1: Fluxo direto e reverso das cadeias de produção e de logística.
Fonte: MIGLIANO, J. E. B. Nov 2010.

2 A LOGÍSTICA REVERSA NA INDÚSTRIA DE COMPUTADORES

A indústria de computadores focalizada neste trabalho está inserida no setor secundário, classificada no ISIC com o código n.: 3.000 (UN WTO ISIC 3rd Rev.) ou na classe n.: 2621-3/00 do CNAE do IBGE, setor de atividade econômica que, de acordo com Grenchus et al. (2001, apud RAVI, SHANKAR e TIWARI, 2006), apresenta um crescimento exponencial com novas tecnologias e avanços a cada momento, em ciclos de intervalos de tempo cada vez menores. Assim, temos, de um lado, os usuários e consumidores beneficiados por uma variedade cada vez maior de produtos que incorporam a cada nova versão ou lançamento o estado-da-arte do setor e, do outro, conforme Van Hook (1999, ditto), temos como resultado um acúmulo de produtos não vendidos, fruto da rápida obsolescência intrínseca desse segmento de tecnologia e mercado, assim como de materiais de embalagem e lixo ou e-waste, que, conforme Ravi, Shankar e Tiwari (2006), torna-se preocupante para esse setor de atividade.

Mesmo considerando que a crosta terrestre contenha vastas quantidades de recursos e matérias primas, que o homem aprendeu a extrair e transformar em objetos que melhoram sua qualidade de vida, conforto, eficácia e eficiência de seu trabalho, ou lazer, recursos esses, por mais vastos que sejam, são finitos e não renováveis, devendo ser aplicados com parcimônia a fim de não prejudicar o ser humano no presente ou suas gerações futuras. (MEADOWS et al. 1972, CMMD, RELATÓRIO BRUNDTLAND 1987, p. 43, apud VARELA, 2010).

Além disso, na visão de Beck (1992, apud DEMAJOROVIC, 2003), a produção social da riqueza na modernidade é acompanhada por uma produção social do risco, processos indissociáveis e intrínsecos ao desenvolvimento científico, tecnológico e de inovações, sejam incrementais ou radicais, situações que se agravam com a percepção de que os riscos gerados no momento presente não se limitam à população atual afetando as gerações futuras de forma mais dramática, todavia ainda difícil de ser avaliada e quantificada com precisão.

Retornado a Ravi, Shankar e Tiwari (2006), o descarte de e-waste (grifo do autor - lixo eletrônico) também pode ser um fator de risco e exige cuidados especiais, pois contém substâncias tóxicas, perigosas e nocivas para o ser humano, além do meio ambiente, tais como: chumbo, outros metais pesados, retardadores de chama a base de poli-brometos e outros.

Empiricamente, não é difícil imaginar a ação de mãos incultas simplesmente triturando e incinerando e-waste, para, através desse procedimento, separar a pequena, mas valiosa porção de metais presentes nos resíduos finais, mas, ao mesmo tempo produzindo a combustão de outros recursos obtidos pela síntese de material de origem fóssil não renovável mas recicláveis, além da emissão de produtos perigosos e tóxicos para a atmosfera e o solo, resultantes de um processo de queima incompleta, mal controlado e desprovido de meios apropriados de contenção dessas substâncias, mesmo que paliativos.

Também de forma empírica, acreditamos que podemos, por hipótese, questionar até que ponto certos avanços tecnológicos são realmente necessários para o bem estar da humanidade, pois de acordo com a Lei de Say: “A oferta cria sua própria procura” (VASCONCELOS e GOMES, 2003), hipotese aquela que pode ser reforçada de duas maneiras: pelo conceito da modernização reflexiva, pois “os agentes responsáveis pelo processo de contaminação, são igualmente afetados por ela” (DEMAJOROVIC, 2003, p. 40) ou, por outra visão ainda mais antiga, mas igualmente efetiva de que: “a toda ação corresponde um reação igual e contrária”(3ª LEI DE NEWTON).

Assim, acreditamos também que, como Keynes é “necessária a intervenção do
estado”, bem como o “fim do laissez faire” da visão clássica da atividade econômica ou do manejo indevido como acima descrito, requerendo, entretanto, a ação da “mão do estado” no caso em questão, assim como nas atividades econômicas de uma forma geral, no papel de agente de investigação, pesquisa, normalização, regulamentação, fiscalização e de aplicação de sanções aos setores geradores de operações, uso indevido de materiais ou de danos sócioambientais, pois a visão romântica de que a sociedade é a responsável pelo ônus dos efeitos produzidos no meio ambiente pelo desenvolvimento da atividade econômica deverá, cada vez mais, encontrar ouvidos moucos.

Por outro lado, Barbieri e Dias (2002, apud BRAGA Jr., COSTA e MERLO, 2006), inferem que o processo de retorno de mercadorias e materiais rejeitados, através da Logística Reversa (grifo nosso), pode gerar o reaproveitamento econômico de algo que seria descartado, melhorando o desempenho da empresa, além de evidenciar uma atitude positiva perante o mercado e a sociedade por uma ação efetiva voltada em prol da responsabilidade social e da sustentabilidade.

Idéia essa também partilhada por Jayaraman e Luo (2007) ao indicarem que as empresas precisam passar a enxergar que o descarte de produtos, embalagens ou lixo, contêm recursos de valor, que, em passado recente, eram desprezados.

Concluindo, o desfio proposto para engenheiros, projetistas e designers, é o de produzir bens ou serviços que “atendam as necessidades do presente”, mas que amanhã deverão ser recebidos de volta, reaproveitados, reciclados ou descartados de forma responsável, visando o bem estar da sociedade atual, “sem comprometer a capacidade das gerações futuras de atender suas necessidades” (CMMD, RELATÓRIO BRUNDTLAND 1987, apud VARELA 2010), que para o caso dos computadores, podemos finalizar com o modelo proposto por Ravi, Shankar e Tiwari (2006):



Figura 2: Fluxo direto e reverso da cadeia de produção e de logística da indústria de computadores.
Fonte: Migliano, J. E. B. adaptado de RAVI, SHANKAR e TIWARI, 2007 Nov 2010.


3 REFERÊNCIAS
Associação Brasileira de Normas Técnicas (ABNT). Sistema de Gestão da Qualidade: Diretrizes para melhorias de desempenho. Rio de Janeiro, set. 2000. Norma Brasileira Regulamentadora (NBR), International Standard Orgagnization (ISO). Disponível em:

<http://tecspace.com.br/paginas/aula/gq/NBR_ISO_9004.pdf >. Acessado em: 13 nov. 2010.

BRAGA Jr. Sérgio S. COSTA, Priscilla R. MERLO, Edgard M. Logística Reversa como alternativa de
ganho para o varejo: um estudo de caso em um supermercado de médio porte. In: Anais do IX
Simpósio de Administração de Produção, Logística e Operações Internacionais. São Paulo:
SIMPOI 2006 - FGV - EAESP, 2007.

COMISSÃO MUNDIAL DE MEIO AMBIENTE (CMMD) - Relatório Brundtland, 1987, p. 43. In: VARELA, Carmen A. Introdução à sustentabilidade. São Paulo: Centro Universitário da FEI, 2010,
p. 4.

DEMAJOROVIC, Jacques. Sociedade de risco e responsabilidade socioambiental. São Paulo:
SENAC, 2003, p. 35.

DRUCKER, Peter F. Innovation & entrepreneurship. New York: Harper Collins, 1993.

HEALY JR. Hall L. Environmental Management. In: HAMPTON, John J. AMA - American Management Association - Handbook, 3rd edition. New York, NY, EUA: AMACOM, 1994 (Section 8, p. 80).

Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) Classificação Nacional de Atividades Empresarias (CNAE). Disponível em:

<http://www.cnae.ibge.gov.br/classe.asp?codclasse=26213&codgrupo=262&CodDivisao=26&CodSec
ao=C&TabelaBusca=CNAE_200@CNAE%202.0%20-%20Subclasses@0@cnaefiscal@0
> Acessado em: 10 nov. 2010.

JAYARAMAN, Vaidyanathan. LUO, Yadong. Creating competitive advantages through new value creation: a reverse logistics perspective. Florida: Academy of Management Perspectives, 2007.

KANITZ, Stephen. O que é o terceiro setor. Disponível em:
<http://www.filantropia.org/OqueeTerceiroSetor.htm>. Acessado em: 10 nov. 2010.

MEADOWS Donella H. MEADOWS Dennis L. RANDERS JØrgen. BEHRENS III William W. Limites do crescimento: um relatório para o Projeto do Clube de Roma sobre o Dilema da Humanidade. São Paulo: Perspectiva, 1973, p. 61.

RAVI, V. SHANKAR, Ravi. TIWARI, M. K. Selection of a reverse project for end-of-life computers: ANP and goal programming approach. In: International Journal of Production Research. England: Taylor & Francis, 2007.

ROESCH, Sylvia Maria Azevedo - Gestão de ONGs - Rumo a uma agenda de pesquisas que contemple a sua diversidade. Disponível em:

<http://integracao.fgvsp.br/ano6/09/administrando.htm>. Acesso em: 10 nov. 2010.

United Nations (UN) - World Trade Organization (WTO) - International Standard Industrial Classification (ISIC). Disponível em:

<http://unstats.un.org/unsd/cr/registry/regcs.asp?Cl=2&Lg=1&Co=3000> Acessado em: 10 nov. 2010.

VASCONCELOS, Marco A. S. de. GARCIA, Manuel E. Fundamentos de economia. São Paulo: Saraiva, 2003, p. 14 a 20.

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