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Autor:
Paulo Schenberg
Qualificação:
Diretor do Site Alpha Fintec e Consultor sobre o Mercado de Ações
E-Mail
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Data:
18/05/04
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Dragão Invisível

Certamente o leitor já conhece o Dragão da Inflação. Todavia o leitor nunca viu seu primo-irmão e a razão é simples: ele é invisível. Sorrateiro ataca sempre pelas costas, sem deixar rastros, e exaure suas vítimas levando-as, inúmeras vezes, à morte. Falamos do Dragão da Dívida. Ele vive de juros. Quanto mais alimentado for, mais cresce e mais juros exigirá.

Ataca indivíduos, empresas, municípios, estados e países que não tomarem cuidado com suas contas. Mas enquanto as dívidas permanecerem dentro dos limites de risco, ele não faz mal. É como os Gremlins, aqueles monstrinhos do filme do Spielberg. Antes da água são inofensivos e bonitinhos, depois superam o capeta.

Mas a maldade maior deste Dragão ocorre quando ele ataca o setor público. É sabido que governos não produzem riquezas. Cobram tributos sobre o que é produzido, com a finalidade de distribuir renda para a sociedade na forma de investimentos em educação, saúde ou criando as condições de infra-estrutura necessárias ao desenvolvimento do País. O Dragão desvirtua o processo de distribuição das riquezas subvertendo a forma de aplicação dos tributos recolhidos. Estes são levados à goela do monstro ao invés de serem transformados em serviços úteis à sociedade. Pior ainda quando a ração do bicho fique escassa. Para evitar a catástrofe, só resta ao governo aumentar ou inventar um novo de tributo, como foi o caso da CPMF.

Infelizmente nosso País não soube tomar cuidado com seus gastos. Surgiu a dívida pública que foi crescendo até acabar por superar todos os limites aceitáveis. Ela começou a sair de controle nos anos 50, ao final do governo JK. Disparou com FHC. E lá vamos nós, trabalhando para alimentar o Dragão e, no final do mês, nada sobra em nossos bolsos.

Nossa dívida já caminha para casa de um trilhão de reais. Seu peso em relação ao PIB é da ordem de 58%! É como se um trabalhador deixasse mais de metade de seu salário para sanar dívidas. O que sobrar não vai dar para as despesas. Hoje o Brasil está pagando cerca de R$ 160 bilhões de juros, por ano, deixando somente 12 bilhões de reais para investimentos no ano, equivalentes a menos do que R$ 80,00 para cada brasileiro.

Já perdemos duas boas oportunidades de domar esse monstrengo. A primeira por volta dos anos 70 quando crescíamos mais do que todas as economias do planeta. Ao invés de reduzir a dívida só pensamos no crescimento. Acabarem-se os petrodólares e, sem distribuição de renda, ficamos com um mercado de consumo interno insuficiente para sustentar a economia e o Brasil quebrou.

A segunda foi quando o povo brasileiro votou para presidente, pela primeira vez desde 1961. Mal familiarizados com a novidade, votamos errado. Collor nem se deu ao trabalho de auditar a dívida, muito menos denunciá-la por ter sido assumida por governos não eleitos democraticamente. Era a única oportunidade de fazer isto. Se tivesse feito, no mínimo, poderíamos ter renegociado seu valor em bases mais convenientes. Daí para frente a dívida ficou consolidada, pois quem paga, consente.

Chega a vez de Lula e ele nomeia um médico para cuidar da economia. O doutor apertou o cinto do país. Em economês esse procedimento leva o nome de Superávit Primário, uma espécie de poupança forçada dos recursos orçamentários, para garantir ao Dragão que ele vai receber seu suplemento periódico de juros. Com isso, o bicho ficou mais calmo e nosso risco desabou de uns 2 mil pontos para algo ao redor de 500, mas parou por aí.

Aplacar o Dragão é o grande dilema do Brasil. Se tivéssemos o tempo correndo a nosso favor bastaria criar boas condições para atrair novos capitais, fazer a economia crescer e aumentar as exportações. Com isso poderíamos ir recomprando os títulos emitidos, reduzindo paulatinamente o estoque da dívida. Acontece que o sofrido Brasil não tem ânimo e nem tempo para isso.

Em recente entrevista, o empresário Paulo Vellinho, hoje vice presidente da Avipal, propôs o compartilhamento dos juros com os organismos internacionais, o BIRD-FMI, ao invés de emprestarem dinheiro a fundo perdido. Assim, metade dos R$ 160.000.000,00 seriam pagos por estas entidades internacionais, cabendo ao Brasil pagar o restante. Já o Secretário de Desenvolvimento do Rio Grande do Sul, Luiz Roberto Ponte, propõe que o Brasil obtenha, dos mesmos organismos internacionais, um aval de seu risco, algo como um "eu cubro o risco" do Banco Mundial, que disponibilizaria cerca de U$ 200 bilhões como garantia. Qualquer uma destas propostas reduziria de imediato o risco de nosso país e com ele desabariam os juros.

É necessário que os países ricos estudem uma fórmula compensatória para o esforço das nações que estejam trabalhando para equilibrar suas economias. Com isto, ao invés de sufocá-las para resgatar seus empréstimos, eles tranqüilizariam os credores, com uma espécie de seguro ou fiança bancária, abrindo caminho para redução dos juros e a retomada do crescimento.

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