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Autor:
Flavio Farah
Qualificação: Engenheiro, mestre em administração de empresas, professor universitário
e-mail:
[email protected]
Data:
19/03/2008
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Competição interna: benéfica ou danosa?

Histórico

O tiro de partida para a competição interna provavelmente foi dado em 1916, quando o francês Henry Fayol publicou sua obra Administração Industrial e Geral. Nela, Fayol decretou que a Administração deveria obedecer 14 princípios gerais, um dos quais é o da Unidade de Comando: cada empregado deve receber ordens de um e apenas um superior. Foi a observância estrita desse princípio que produziu as estruturas organizacionais em forma de pirâmide e a conseqüente necessidade de se competir internamente para alcançar os níveis hierárquicos superiores das empresas. Nos dias de hoje, essa histórica modalidade de competição interna tornou-se bem mais acirrada por conta da tendência de enxugamento e redução de níveis hierárquicos das estruturas das organizações.

A competição interna tornou-se comum

Atualmente, as políticas que produzem competição interna tornaram-se comuns. Os exemplos incluem o uso do método da distribuição forçada nas avaliações de desempenho, pelo qual apenas um número limitado de funcionários podem receber a avaliação mais alta e a correspondente recompensa; prêmios atribuídos a indivíduos por meio de programas do tipo “empregado do mês”; concursos entre departamentos ou entre funcionários de um mesmo departamento, como por exemplo, entre vendedores ou entre equipes de venda.

O que todas essas práticas têm em comum é o fato de criarem processos competitivos, isto é, processos classificatórios em que apenas o primeiro classificado é premiado. Nos processos competitivos, a premiação de um significa a não premiação de todos os outros. Apenas o primeiro classificado é considerado “vencedor”; todos os outros recebem o rótulo de “perdedores”.

O caso dos bancos de investimento

A competição interna é emblemática do setor de bancos de investimento, cuja função básica é assessorar negócios como aberturas de capital, emissões de ações, aquisições e fusões de empresas. A cultura dessas instituições apresenta três características que são levadas ao extremo: o gosto pelo risco, a remuneração baseada no desempenho individual e a competição interna, isto é, a disputa entre os funcionários para captar um cliente ou um negócio.

Nos bancos de investimento, a remuneração dos funcionários tem atingido níveis elevadíssimos. Para se ter uma idéia, segundo reportagem publicada na imprensa especializada, a filial brasileira de uma instituição estrangeira distribuiu à sua equipe, no início deste ano, cerca de 250 milhões de reais, o que dá mais de 700 mil reais para cada um de seus 350 funcionários. Suspeita-se que seja o maior bônus da história empresarial brasileira.(1)

A menção aos bancos de investimento decorre do fato de que o setor cresceu enormemente nos últimos anos e estendeu sua influência a vários setores da economia. Essas instituições têm assumido temporária ou definitivamente o controle de empresas que se encontram em dificuldades financeiras, transmitindo às controladas sua cultura de competição interna e dando exemplo aos concorrentes destas.

Por que as empresas estimulam a competição interna

Muitos executivos acreditam fortemente nos benefícios da competição interna. Uma das causas dessa crença talvez seja a analogia equivocada que se faz entre as competições esportivas e as guerras militares, de um lado, e as disputas que envolvem atividades intelectuais, de outro. Os estudos, porém, mostram que o desempenho em atividades que requerem aprendizagem e criatividade depende de condições fundamentalmente diferentes daquelas necessárias ao sucesso em atividades repetitivas e predominantemente físicas.

Outro aspecto a se considerar é que em uma corrida, por exemplo, o desempenho depende fundamentalmente das condições físicas e psicológicas do próprio corredor. Mas nas organizações, interdependência é a palavra-chave. Dentro de uma empresa, a produtividade e o desempenho dependem muito mais da cooperação entre as pessoas do que de seus esforços isolados.

Outra razão para o estímulo à competição interna talvez seja o fato de que os líderes – que são as pessoas que determinam as políticas da companhia – alcançaram suas atuais posições vencendo uma série de competições escolares e profissionais, começando pelo vestibular, passando por um processo seletivo para ingressar na empresa e galgando os respectivos níveis hierárquicos enfrentando outras tantas disputas. Essa trajetória pode produzir a tendência de pensar na competição interna como algo normal, como um processo válido em todas as situações e em todas as áreas e níveis da organização.

Os mitos e os danos da competição interna

Um famoso educador e pesquisador, examinou os argumentos usados para defender os sistemas competitivos.(2) Ele concluiu que esses argumentos, na verdade, são mitos. Um desses mitos sustenta que a competição é natural ao homem. Não é. Estudos e pesquisas mostram que a idéia de competição não faz parte da natureza humana, mas é própria apenas das sociedades individualistas, sendo culturalmente transmitida por meio da educação.

Outro mito afirma que a competição aumenta a produtividade e o desempenho. Esse mito é baseado na crença equivocada de que o sucesso depende de competição. Ele cita estudos e pesquisas para sustentar sua afirmativa. Pesquisadores analisaram 122 estudos de desempenho em sala de aula realizados entre 1924 e 1980. Desses, 65 estudos verificaram que a cooperação produz desempenho melhor do que a competição, 8 concluíram o contrário e 36 não encontraram diferença significativa entre as duas formas de atividade. E no final da década de 1970 outros pesquisadores estudaram 103 cientistas homens e verificaram que os de maior sucesso apreciavam tarefas desafiadoras mas exibiam baixos níveis de competitividade. O mesmo resultado foi encontrado entre executivos, psicólogos, universitários, pilotos e funcionários de empresas aéreas.

Um terceiro mito afirma que a competição forma o caráter, fortalecendo a auto-confiança. Dois psicólogos do esporte, porém, depois de estudar cerca de 15 mil atletas, não encontraram suporte para essa crença. O que ocorre é precisamente o contrário. A competição é danosa porque faz a auto-estima depender do resultado de uma disputa. Para manter a auto-estima, o indivíduo passa a depender de vitórias seguidas, como se fosse um dependente químico que depende de doses freqüentes da droga que usa. Ao contrário, o indivíduo psicologicamente saudável possui um senso de auto-confiança que não depende de nada.

A competição inibe a aprendizagem e a criatividade. As pessoas envolvidas em uma disputa concentram fortemente sua atenção nos concorrentes e em suas reações e, assim, não têm tempo para aprender nem para imaginar novas maneiras de fazer as coisas. A competição interna torna-se especialmente contraproducente quando uma tarefa exige a ajuda de outros ou o compartilhamento de idéias com terceiros.

Quando um líder acredita que um liderado seu é incapaz, essa expectativa negativa reduz o desempenho deste último. Isso explica porque, a longo prazo, a competição interna solapa o desempenho. As pesquisas sugerem que, quando uma pessoa ou grupo é rotulado de “perdedor”, seu desempenho subseqüente decairá porque seus líderes e colegas inadvertidamente agirão para satisfazer as expectativas de baixo desempenho. E a perda de auto-estima e motivação sentida pelos que são tratados como perdedores leva a decréscimos adicionais em seu desempenho.

Os sistemas competitivos são incompatíveis com o trabalho em equipe. A competição interna destrói a cooperação e estimula atos imorais como a sonegação de informações, a recusa de ajuda a colegas de trabalho e até a sabotagem do trabalho alheio. Suponha-se uma competição interna entre vendedores. Os melhores profissionais de vendas não desejarão compartilhar seus segredos com os colegas para não correr o risco de perder a disputa. Em tais condições, a quem os vendedores menos brilhantes poderão pedir ajuda para melhorar seu desempenho? Ao estabelecer uma competição interna, a mensagem que a empresa passa aos funcionários é: “Virem-se sozinhos”.

A esse respeito, a pior situação possível ? competição interna combinada com ameaça de demissão ? foi retratada no filme “O sucesso a qualquer preço”, de 1992, estrelado por Al Pacino, Jack Lemmon, Alec Baldwin, Ed Harris, Alan Arkin e Kevin Spacey. No filme, uma firma imobiliária de Chicago estabelece um concurso de vendas entre seus corretores. O prêmio para o primeiro colocado é um automóvel Cadillac Eldorado; para o segundo, um jogo de facas de churrasco; para os outros ... rua. Os efeitos colaterais da disputa não são de surpreender.

Outro efeito indesejável da competição interna é a inveja, um dos sentimentos mais presentes no ambiente de trabalho. O indivíduo assaltado pela inveja resultante da perda de uma competição pode suportar em silêncio o ressentimento e a desmotivação e apenas torcer pelo fracasso subseqüente do vencedor; ou pode haver passar à ação, tentando prejudicá-lo de alguma maneira. É o lema “se eu não ganho, então ele também não ganhará”, que faz todos perderem, principalmente a organização.

Competição interna é diferente de premiação por cumprimento de metas

Rejeitar a competição interna não significa condenar os sistemas de remuneração baseados no desempenho individual, da equipe ou da empresa. Os prêmios por cumprimento de metas não dependem de competição individual. É perfeitamente possível criar sistemas cooperativos de premiação, nos quais são contemplados todos os que cumprem as metas estabelecidas. Ao contrário dos processos competitivos, os sistemas cooperativos estimulam a colaboração e a solidariedade.

Do ponto de vista ético, a competição interna torna-se questionável quando se considera que (a) os membros da organização são obrigados a se manter engajados em uma competição da qual nem todos desejam participar; (b) a competição interna forçada pode prejudicar a saúde psicológica dos indivíduos; (c) seus benefícios para a organização são duvidosos; (d) a disputa acirrada pela vitória pode fazer com que os indivíduos percam os limites morais. Nesse sentido, o mundo corporativo está cheio de exemplos bem conhecidos.

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