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Autor:
Paulo Nathanael Pereira de Souza
Qualificação: Educador e presidente do Conselho de Administração do CIEE.
E-mail:
[email protected]
Data:
22/05/2007
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Cota, estágio e renda

Alguém - acho até que foi Anatole France - disse estar o inferno superpovoado de gente bem intencionada. De qualquer forma, o autor da frase mostrou sabedoria e deixou claro que, nos tempos atuais, não basta ter vontade de fazer o bem, é preciso fazê-lo de molde a dar ao beneficiário meios de superar suas dificuldades por conta própria e pelo tempo de sua vida. Do contrário, o ato de ajuda vira assistencialismo, esgota-se em si mesmo, torna a pessoa dependente da caridade alheia e prolonga o estado de necessidade em que se encontrava ao receber ajuda.

É o que vem acontecendo com o Prouni, o programa governamental de acesso de jovens carentes econômica e culturalmente, por meio de cotas, nas universidades. De inspiração inquestionavelmente positiva, tem falhado de forma gritante em sua aplicação: em média 30% dessas vagas têm ficado ociosas, sendo que as universidades federais de Goiás e de Juiz de Fora, respectivamente, para 1.655 e 593 vagas, só conseguiram preencher 58 e 76. Muitos candidatos nem chegam a inscrever-se porque a burocracia, como sempre, mostra-se inimiga das soluções de interesse social, ou porque, uma vez matriculados, não conseguem manter-se ativos no curso e evadem-se. E essas evasões têm uma causa fácil de ser detectada: falta de renda mínima para a sustentação do estudante. Só a vaga não resolve o problema, porque não há como o jovem beneficiado cobrir despesas pessoais de sobrevivência e as exigidas pela aquisição de material didático, livros e outros insumos requeridos pelas disciplinas do currículo. Inclusão pessoal sem garantia de renda, além de ser inviável, é demagógica.

A solução para esse problema depende de medidas várias, que vão das bolsas de manutenção dos alunos, providas pelo erário público, até a adoção das cotas e das universidades que as praticam, por ONG's e empresas diversas. A melhor dessas soluções, no entanto, está nos estágios, que, por sua natureza, ao mesmo tempo que educam, também subsidiam os estagiários, por meio das bolsas-auxílio. Não se sabe bem por qual estranha razão, os governos têm insistido em ignorar os benefícios trazidos pelos estágios a milhões de jovens brasileiros. O CIEE, por exemplo, tem toda uma história de sucesso, como agente de integração de estudantes no mercado de trabalho (são quase sete milhões, dos quais 64% se tornaram funcionários com carteira de trabalho assinada, na própria empresa onde estagiaram ou em outra, que aprovou a experiência prática do estágio) e, apesar disso, jamais recebeu a mais leve ajuda dos Poderes Públicos, para multiplicar esse sucesso. O próprio Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), órgão do Ministério do Planejamento, reconhece em seus estudos técnicos os méritos do estágio como solução desejável para as políticas públicas de inserção social da juventude. Mas, apesar das sábias recomendações dos especialistas daquele órgão (professor Rios e Golgher), nada acontece, porque o sindicalismo, hegemônico no seio do governo, desama o estágio.

Os efeitos perversos desse estado de coisas podem-se observar no noticiário da mídia, cujas manchetes destacam o desperdício em que se vai convertendo a política de cotas para negros, índios, pardos, pobres e egressos do ensino público. Cotas sim, meus senhores, mas sem esquecer da renda para os alunos. E viva o estágio!

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