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Autores:
Ruy Martins Altenfelder Silva
Qualificação:
Presidente do Instituto Roberto Simonsen.
E-Mail
[email protected]
Data:
23/03/04
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Ocaso da Classe Média

O sombrio cenário de uma civilização muito estratificada, dividida por um abismo entre pobreza e riqueza, como aparece nas obras antiutópicas do século passado, está próximo do real, em particular nas nações subdesenvolvidas e emergentes. No Brasil, a concentração de renda já alterou profundamente o quadro socio-econômico, demonstra o estudo Estatísticas do Século 20, do IBGE. Apesar de a riqueza do País ter-se multiplicado por 100 no período, em 1960 os 10% mais ricos detinham renda 34 vezes maior do que os 10% mais pobres. Trinta anos depois, a diferença saltara para 60 vezes.

Para reverter o quadro, impedindo a paulatina extinção da classe média, proporcional aumento da pobreza e sua falência como mercado e pólo de investimentos, o Brasil precisa promover, desde já, consistente e duradouro ciclo de crescimento. Quedas do PIB, como a retração de 0,2% em 2003, são alertas sobre os riscos de um futuro iminente. Os desafios cuja transposição está condicionada a uma política econômica de juros menores, linhas de crédito de longo prazo para investimentos, estímulo à produção e resgate da dívida social &Mac247; são ainda mais árduos, considerado o cenário mundial.

Para quem não acreditava, a Organização Internacional do Trabalho (OIT) acaba de demonstrar de forma taxativa que a globalização é insustentável e tem de ser revista, pois de 1990 a 2003, a economia cresceu menos e o desemprego disparou, atingindo 185 milhões de pessoas (estudo anterior do organismo indica mais de um bilhão de desempregados e subempregados). Longe do maniqueísmo, o novo relatório demonstra algumas virtudes do processo, como a valorização da democracia, direitos humanos, cidadania e respeito ao meio ambiente. O maior problema é a existência de perdedores e ganhadores, dentre estes os países ricos, cujos trunfos são capital, tecnologia e educação.

A constatação daria ao Brasil e aos emergentes, a desculpa do neocolonialismo, das desvantagens históricas desde o descobrimento, do protecionismo e dos subsídios agrícolas, mas o argumento não resiste ao fato de Índia e China incluírem-se entre os beneficiados pela globalização. Ora, seus precedentes históricos são muito mais complexos do que os da maioria dos países, e também enfrentam as barreiras impostas pelo primeiro mundo. Entretanto, realizam notável esforço de superação.

Claro que o protecionismo é um problema a ser sempre contestado e colocado nas mesas de discussão dos fóruns internacionais. Trata-se de missão árdua e importante da diplomacia econômica. Este embate, contudo, é insuficiente. É fundamental a lição de casa do crescimento, inclusão social e criação de efetivo mercado consumidor, muito mais amplo do expresso hoje na pirâmide demográfica brasileira. Afinal, seria mais fácil conquistar contrapartidas comerciais se, ao invés de 23 milhões de excluídos e cerca de 50 milhões de pessoas próximas da linha da pobreza, o País outorgasse a esses 73 milhões de cidadãos os direitos inerentes aos benefícios da economia.

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