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Autor:
Arnaldo Camarão
Qualificação:
Gerente de Engenharia da ArvinMeritor do Brasil Divisão Eixos
E-Mail
[email protected]
Data:
23/07/04
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Durabilidade é o Nome do Jogo

A durabilidade de um produto é a chave de seu sucesso. Engenheiros dos quatro cantos do mundo preocupam-se com esse tema, tanto que alguns chegam a dar a volta ao mundo para conferir pessoalmente as novas tecnologias que os auxiliam no desenvolvimento de produtos eficientes, duráveis e seguros. Foi exatamente isso que aconteceu no 2° SAE BRASIL International Conference on Fatigue, evento realizado pela Seção São Paulo da SAE BRASIL, em junho, em São Paulo. Além do Brasil, participaram especialistas do Japão, China, EUA, Canadá, França e Argentina, visando trocar informações sobre suas recentes descobertas no campo da fadiga. Compareceram mais de 100 profissionais da indústria e do meio acadêmico.

Não adianta pagar mais barato por uma escova de dente, se ela quebra logo na primeira vez que é usada. Quando isso acontece é comum sentir raiva, e fica clara a sensação de desperdício de dinheiro. A esperteza inicial se transforma em frustração. A indústria brasileira de todos os setores econômicos já se deu conta disso e tem buscado aperfeiçoar seus produtos de tal modo que apresentem maior vida útil e, principalmente, boa durabilidade nesse período. Isso significa investir na qualidade.

Na indústria da mobilidade, falar em durabilidade é o mesmo que tratar do tema Fadiga, melhor definido como um processo de fratura progressiva devido a carregamentos repetidos. Os materiais são caracterizados por uma série de propriedades cujo conhecimento é fundamental para se definir sua aplicação. Estas propriedades podem variar significativamente com a temperatura ou ambiente de trabalho, como por exemplo a turbina de um avião a jato ou estrutura metálica de plataforma de Petróleo operando em águas profundas no Mar do Norte. Portanto, a determinação de Propriedades Mecânicas é fundamental para o desenvolvimento de Materiais e Produtos resistentes à Fadiga. Uma espada de metal confeccionada a frio entorta facilmente e não serve para ser usada no campo de batalha, mas se esquentarmos o ferro em brasa e logo depois o resfriarmos, o produto final ganha resistência mecânica e assim passa a ser propício à luta. Essa tecnologia foi descoberta por nossos ancestrais na Idade Média e foi aperfeiçoada ao longo dos anos dando origem aos atuais processos de tratamento térmicos e beneficiamento de materiais, visando garantir resistência mecânica adequada à aplicação dos produtos como motores, transmissões, eixos diferenciais, veículos de transporte terrestre, navios, plataformas marítimas e aeronaves.

A necessidade é um dos fatores chaves para a evolução do estudo da fadiga. No exemplo anterior, o ser humano precisava de uma arma confiável, pois sua vida dependia dela. A Revolução Industrial, no século XVIII, trouxe novas realidades, obrigando o Homem a desenvolver novas tecnologias, agora em função da economia. No auge das locomotivas a vapor, por volta de 1840, quando as mercadorias atravessavam longas distâncias sobre trilhos, ter o eixo de um vagão de carga quebrado no meio do percurso era sinônimo de prejuízo. Assim, a engenharia buscou soluções para o problema, com os primeiros estudos sistemáticos para se investigar a causa das falhas por Fadiga, baseados em ensaios de laboratório onde o alemão August Wöhler (1819-1914)

Foi considerado seu precursor, procurando correlacionar o efeito do esforço mecânico (tensões) com a vida à fadiga.

A busca de soluções é permanente. No período da Segunda Guerra Mundial 1940-1945 e no pós-guerra, ocorreram muitas fraturas frágeis localizadas nos cordões de solda de navios tanques e mercantes. Estas fraturas se iniciavam em trincas milimétricas localizadas em defeitos ou transições geométricas bruscas (ângulo de 90 graus) nos cordões de solda. Dos cerca de 5 mil navios mercantes, fabricados neste período, mais de mil apresentaram trincas de comprimento considerável, resultando em alguns casos na fratura completa do navio em duas metades. A partir destas falhas procurou-se aperfeiçoar a qualidade da solda, desenvolver materiais de maior resistências à propagação de trincas. Ensaios em corpos de prova entalhados (Charpy V-notch) passaram a ser largamente utilizados como um dos testes para se avaliar a tenacidade à fratura dos materiais.

Em maio de 1952, uma empresa inglesa lançou o Comet, o primeiro avião comercial a jato. Em janeiro de 1954 houve o primeiro acidente catastrófico com o Comet, que caiu no Mar Mediterrâneo. No total, dois aviões Comet falharam catastroficamente. Após exaustivos estudos, com base em ensaios de laboratório, chegou-se à conclusão que a falha teve início em pequenas trincas em furos de rebites próximo a aberturas na fuselagem. Toda a frota de aviões Comet foi retirada de serviço. A Inglaterra perdia, então, a liderança na aviação comercial para os americanos. Esta falha motivou também a preocupação com falhas de fadiga em estruturas de aeronaves e deu origem aos primeiros estudos de propagação de trincas através da Mecânica da Fratura, tolerância ao dano e sua aplicação em projeto.

Exemplos de falhas catastróficas não faltam, como o caso do ônibus espacial Challenger em 1986, em que um vazamento de gás em altíssima temperatura provocou a explosão do tanque de combustível, com sete tripulantes a bordo. Mais recentemente, o desabamento do novo terminal 2E do Aeroporto Charles de Gaulle, em Paris, cuja cúpula desabou, em maio de 2004, matando quatro pessoas. O terminal era um túnel curvo de 650m, coberto por placas de vidro e livre de colunas internas. As causas ainda estão sendo investigadas, porém algumas das possibilidades levantadas envolvem rachaduras no concreto, emprego de materiais frágeis ou até mesmo a ruptura de um simples cano d&Mac226;água.

Vale uma breve reflexão dessa história toda. O ser humano não ser contenta com o mundo que ele recebeu e sim com o mundo que ele pode criar. E o estudo da Fadiga está diretamente ligado a essa necessidade humana de produzir produtos e bens duráveis e confiáveis destinados a desempenhar com eficiência a expectativa do consumidor. Com o avanço de outras tecnologias, como a computacional, principalmente, a área da durabilidade ganhou novas ferramentas que têm permitido aos engenheiros projetar veículos inteiros diretamente em uma tela de computador e por meio de simulações de modelos matemáticos. Na indústria automotiva, por exemplo, se pode conhecer o comportamento de cada parte do veículo nas mais diversas condições de uso, em pistas virtuais, desde planas e retas até as acidentadas e esburacadas vias que trafegamos normalmente nas estradas e ruas das cidades brasileiras. Com isso, podemos projetar sistemas completos de suspensões, com molas e amortecedores, mais eficazes e proporcionar maior conforto aos usuários, além de antecipar futuros problemas ao saber até que ponto o material inicialmente proposto para o projeto suportará os esforços submetidos pelo uso diário.

Percebe-se, assim, que o estudo da fadiga é multidisciplinar, e envolve principalmente as áreas de metalurgia, mecânica, química, ciência de materiais, projeto mecânico, processos de fabricação, simulação computacional e testes de laboratório e campo. Estas áreas, quando estudadas, individualmente, proporcionam grandes avanços, mas, juntas encontram soluções completas para novas necessidades.

Materiais metálicos, como o aço, alumínio e ferro fundido já foram exaustivamente estudados e a humanidade dispõe de um banco de dados repleto de informações a respeito de suas características e propriedades. Assim, a comunidade de engenheiros, pesquisadores e cientistas volta-se ao estudo de novos materiais, como plásticos, elastômeros, fibras, compósitos e biomateriais que tendem a revolucionar o mercado. Mas esbarra ainda em questões de custos e ambientais.

Toda a multidisciplinaridade do tema pôde ser conferida durante o 2° SAE BRASIL International Conference on Fatigue, e o Short Course on Fatigue, realizado logo após a conferência, ministrado por renomados pesquisadores internacionais.

Os 30 trabalhos técnicos apresentados cobriram temas como o desenvolvimento de novos materiais, ensaios de fadiga, simulações de computador e durabilidade de implantes no ser humano (bioengenharia) revelaram que os pesquisadores brasileiros estão no caminho certo, apesar de os investimentos serem ainda modestos tanto nos setores públicos quanto privados.

O Fatigue2004 permitiu um aumento da integração entre pesquisadores nacionais e internacionais. Com o intercâmbio de informações sobre o que está sendo desenvolvido de mais moderno, é possível pensar mais longe no estudo da durabilidade e ultrapassar os limites de tudo que é conhecido hoje, sem deixar de lado a preocupação mercadológica que envolve o tema, que é a busca da melhor relação custo-benefício para o consumidor. No que adianta colocar no mercado uma escova de dente de cabo ultra-resistente e cerdas que não se desgastam nunca a preços proibitivos para a população?

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