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Autor:
Paulo Mente
Qualificação: Economista e Diretor da ASSISTANTS LTDA, empresa especializada em avaliações atuariais
Site: www.assistants.com.br
Data:
23/08/06
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O Tremor da Previdência Chilena depois de 25 anos

A posição corajosa da nova Presidente do Chile, a socialista Michelle Bachelet, de determinar um novo patamar de pensões mínimas para os idosos e desamparados, trouxe consigo a revelação sobre a fragilidade de uma previdência supostamente privatizada.

Admitido como um modelo de modernidade de seguro social há pouco mais de três décadas, o sistema chileno, escorado nos então chamativos Fundos de Pensões (AFP), sempre esteve propenso a largar o caroço nas mãos do Estado que, por seu lado, sempre soube que um dia teria que responder à população de baixa renda. O conceito do seguro social totalmente privado é elitista, partindo de uma equação simplesmente matemática, na qual só recebe quem paga.

O sistema de fundos de pensões recebe aportes regulares de pouco mais de 3,5 milhões de contribuintes para uma população economicamente ativa de mais de 10 milhões. Tem cerca de US$ 12 bilhões, em reservas capitalizadas, o que representa cerca de 8% do PIB. Há cerca de 7,5 milhões de filiados, contando aí aqueles que possuem contas ativas. Ou seja, há uma parcela ainda representativa, de mais de 3 milhões de pessoas em idade de trabalho e fora do sistema privado.

Se esse quadro já não é tão animador, pior a situação dos idosos. Se somarmos todas as espécies de benefícios, encontraremos 330 mil pessoas amparadas pelas AFP, com uma renda média de $107.000 pesos (cerca de US$ 200). Nas prestações vitalícias, por idade ou invalidez, essa média sobe um pouco, indo a cerca de $170.000 pesos (US$ 320). Ou seja, a renda média paga pelo sistema privado não chega a dois salários mínimos brasileiros. Apenas a metade da população idosa é potencialmente atendida pela previdência privada. A outra depende da Pasis, a pensão assistencial pública.

Foi exatamente na direção desses excluídos que a Presidente voltou suas primeiras ações, prometendo consolidar um novo sistema até 2010, com o objetivo de abarcar a todos os chilenos. Cerca de 411 mil pensões foram reajustadas em 10%, ao patamar mínimo de 110 mil pesos, aí incluindo também aquelas pagas pelas AFP. Um ato justo, mas que impôs fatores exógenos à estrutura privada de pensões. O alcance da medida é amplo, beneficiando mais de 1.200 mil pessoas. O ato também quebrou barreiras para o acesso às pensões de outros 30 mil chilenos, que hoje estão sem qualquer benefício.

Ainda é cedo para avaliar todos os impactos, que poderão refletir nos cálculos atuariais das reservas por capitalização e exigir um incremento nos aportes. Quanto aos gastos públicos pela ampliação da Pasis, serão suportados, neste primeiro ano, pelo superávit do orçamento, já assegurado. Nos seguintes serão sustentados pela estrutura tributária, sem necessidade de novos incrementos.
Esse tremor do sistema de seguridade chileno deixa alguns ensinamentos. O primeiro é que não se pode extrair do Estado a obrigação primária de proteção social aos de baixa ou nenhuma renda, sustentada pela estrutura tributária. Ou seja, uma previdência social totalmente privatizada é impraticável. O segundo é que o sistema privado, mesmo com a característica de suplementar, não pode funcionar sem a vigilância normativa do Estado.

Visto à distância, o sistema de previdência complementar brasileiro é imponente. São quase 300 fundos de pensão fechados com reservas de US$ 150 bilhões e outra dezena de abertos com reservas próximas de US$ 5 bilhões, juntando 8 milhões de contribuintes (menos de 7% da população economicamente ativa). Numa estrutura econômica em que a distribuição de renda é perversa, esse sistema foi criado e regulamentado para desonerar o Estado, voltado aos brasileiros de melhor renda, inclusive no funcionalismo público, onde até agora não penetrou.

A previdência brasileira paga, atualmente, benefícios que chegam a sete ou oito vezes o salário mínimo, ou seja, quase US$ 8.000 por ano, um PIB per capita, enquanto no Chile a cobertura máxima pelo Estado é de apenas US$ 2.400 por ano, ainda que o PIB per capita do chileno seja maior que o do brasileiro. É de se esperar que aqui outras reformas venham reduzir mais o benefício do Estado, incentivando novas adesões ao regime privado, não de fundamento substitutivo, mas complementar, como o que hoje existe.

Mas exatamente aí é que entra a vigilância estatal. O sistema de previdência privado, idealizado inicialmente para atender eventos de aposentadorias e pensões, transformou-se em poderoso instrumento de negócios, centrado na indústria da administração financeira e alimentado pelo furor das captações. O que se vê prosperar são planos de investimentos programados sob o rótulo de previdência privada, prometendo rendas temporárias, depois das carências regulamentares. Um modelo de raízes antigas, justificadas, e que chegou quase às escondidas à previdência fechada, sendo hoje praticado sem óbices regulamentares. São planos que, quando esgotadas as rendas, devolverão os idosos ao colo do Estado

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