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Autor:
Eduardo Rodrigues Machado Luz
Qualificação:
Presidente da ANEPAC
E-Mail
[email protected]
Data:
24/07/04
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Inconstitucionalidade no Projeto de Lei 2398/2003

Tramita na Comissão de Trabalho, Administração e Serviço Público (CTASP) da Câmara Federal o Projeto de Lei 2398/2003 da Dep. Federal Ângela Guadagnin (PT-SP) que, dentre outras mazelas, viola gravemente o princípio de isonomia, institui dupla cobrança de preço público ao taxar substância mineral extraída, choca-se com a orientação descentralizadora da Lei 9433/97 e institui norma inviabilizadora, em muitos casos, do registro de licenciamento de atividade. Após análise das justificativas apresentadas pela deputada, a Anepac (Associação Nacional de Entidades de Produtores de Agregados para Construção Civil) e o Sindipedras-SP (Sindicato da Indústria de Mineração de Pedra Britada do Estado de São Paulo) alegam que, sob o ponto de jurídico-legais o referido projeto, além de duvidosa constitucionalidade, peca por outras falhas e incongruências, merecendo sua rejeição.

As entidades do setor mineral estão preocupadas com a possibilidade de aprovação do projeto, pois implicará em graves prejuízos para a população, visto que acarretará elevação brutal do preço desses bens minerais de alto cunho social, pois se tratam de matérias primas fundamentais para a construção civil. Como a deputada destacou sua preocupação com a areia para construção civil, este documento abordará os reflexos do projeto sobre o bem mineral, sendo certo, que grande parte das ponderações estampadas também valem para os outros minerais abrangidos pelo mesmo.

O documento aborda aspectos de (i)legalidade do projeto, sua (in)viabilidade de aplicação administrativa, características do uso da água pela mineração de areia e os reflexos sócio-econômicos sobre a produção e consumo desse bem mineral.

Ao pretender impor restrições à extração de substâncias minerais de uso na construção civil, condicionando-a à outorga de direito de uso de recursos hídricos, inclusive nas contíguas faixas de preservação permanente, a indigitada propositura absorve conceito ambiental, tratado no Código Florestal (Lei 4771/65, com alterações dadas por legislações subseqüentes), confundindo competências que são privativas de outros órgãos (IBAMA, especialmente) com aquelas delegadas aos órgãos integrantes do Sistema Nacional de Gerenciamento de Recursos Hídricos definidos no art. 33 da Lei 9433/07, e que se esgotam na gestão das águas. Enfim, no mínimo vem trazer uma componente de confusão na já tão complexa matéria.

Dentre inúmeros argumentos, que não nos cabe mencionar, salientamos os mais gritantes. No caput do art. 1º do projeto, percebe-se a primeira falha, pois, ao mencionar as alterações propostas, omite a inclusão de inciso III ao art. 21 da Lei 9433/97, justamente o de mais aberrante ilegalidade, fixando entre os critérios para cobrança pelo uso dos recurso hídricos, “a quantidade de minério extraída e de solo, de subsolo ou de águas movimentadas para a extração”. Por óbvio, o critério para a cobrança da utilização dos recursos hídricos só pode ser o estabelecido pelos incisos I e II deste artigo, fundado nos eventos que possam produzir alteração das águas, observando-se ainda, que a extração de minério já é paga através do preço público instituído pela Constituição, art. 20, § 1º, e regulado pelas Leis 7990/89 e 8001/90, sob a forma de Compensação Financeira pela Exploração de Recursos Minerais - CFEM. Outra cobrança de preço público - pelo mesmo fato gerador, a quantidade de bens minerais extraída – além de configurar dupla tributação, resvala, de novo, pela afronta constitucional, pois a C.F. estabelece outra forma de remuneração pelo minério extraído, a referida CFEM.

No inciso V, o projeto pretende acrescer ao art. 12 da Lei 9433/97 para sujeitar à outorga do direito de uso de recursos hídricos “a extração e o aproveitamento de substâncias minerais de uso na construção civil com jazidas localizadas, total ou parcialmente, nos corpos d´água, inclusive seus leitos ou solos, ou nas contíguas faixas de preservação permanente”, além de confundir competências, como já referido, viola ainda o princípio de isonomia, que determina tratamento legal idêntico para situações iguais. Ora, porque somente as substâncias minerais de uso na construção civil estariam sujeitas à outorga, e não as demais substâncias e outras atividades econômicas localizadas nas mesmas áreas referidas no inciso proposto? Ademais, o inciso V original do art. 12 prescreve a outorga de direito a “outros usos que alterem o regime, a quantidade ou a qualidade da água existente em um corpo de água”, deixando ao prudente critério do respectivo comitê da bacia hidrográfica, mediante a análise das condições específicas da atividade e sua repercussão no corpo hídrico, a necessidade ou não da outorga, em saudável descentralização de competência, que, aliás, permeia toda a orientação da Lei 9433/97, entrando pela contramão desta filosofia a modificação proposta pelo projeto.

Propõe ainda o projeto, a alteração do § único do art. 5º da Lei 6567, de 24.09.78, que dispõe sobre regime especial para exploração e aproveitamento das substâncias de uso imediato na construção civil de argilas empregadas no fabrico de cerâmica vermelha e de calcário dolomítico empregado como corretivo de solos na agricultura, determinando ao órgão responsável pelo registro da licença para a extração dessas substâncias (no caso, o Departamento Nacional da Produção Mineral – DNPM) que só efetive o registro quando acompanhado do documento de outorga de direito de uso de recursos hídricos, quando for o caso. A autora não levou em conta a autonomia estadual e municipal para a gestão dos recursos hídricos de seu domínio. Portanto, a alteração proposta desconsidera que os Comitês de Bacias de âmbito estadual e municipal e, no limite de sua competência, poderão dispensar da exigência de outorga, as atividades onde a entendam desnecessária, especialmente para as micro-empresas, pouco impactantes nos recursos hídricos. Mesmo assim, a ser aprovada a alteração proposta, estaria o DNPM obrigado a exigi-la, posto que ela não excepciona as bacias hidrográficas estaduais e municipais, o que viria a gerar impasse nos registros de licenciamentos.

Em suma, o projeto de lei 2398/03 apresenta armadilhas administrativas e atropela todo o trabalho encetado até agora pelas entidades do setor da mineração, que representa parcela importante do processo produtivo de insumos básicos e matérias-primas essenciais à construção civil e à geração de empregos.

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