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Autor:
Mário César de Camargo
Qualificação:
Empresário gráfico e presidente da Associação Brasileira da Indústria Gráfica (Abigraf)
E-mail:
[email protected]
Data:
30/09/05
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O Preço da Arrogância

    Tivesse ouvido alertas do setor gráfico, governo evitaria erros do Correio Híbrido.

Desde o início do desenvolvimento da Solução Integrada de Produção Descentralizada de Documentos, o chamado Correio Híbrido Postal, no Governo Fernando Henrique Cardoso, a indústria gráfica tem feito seguidos alertas sobre a inadequação da iniciativa. Paulatinamente, o setor foi apontando os problemas. O primeiro deles era a criação de um monopólio na impressão e distribuição de malas diretas e documentos de segurança, prejudicando numerosas empresas, não só impressoras, como também das áreas de transporte e logística.

Já no Governo Lula, no qual o projeto foi retomado, após ficar adormecido na administração anterior, surgiram novas evidências negativas, todas apontadas pelo mercado em tempo de evitar a consumação dos equívocos. Ninguém ouviu! Nem mesmo as ações na Justiça sensibilizaram os dirigentes dos Correios e as autoridades ou lhes despertaram a curiosidade de entender o porquê da reação da sociedade. Absurdas diferenças de preços dos serviços em relação à realidade média do mercado constaram dos alertas, documentos e mensagens a quem de direito. Ninguém ouviu! Realizou-se a concorrência, vencida por consórcio de capital majoritariamente estrangeiro.

Contraponto: a Controladoria-Geral da União (CGU), vinculada à Presidência da República, acaba de concluir, no âmbito da auditoria especial que realiza na Empresa Brasileira de Correios e Telégrafos, a análise de mais um bloco de contratos celebrados em diversas áreas da empresa entre os anos de 2001 e 2005, envolvendo recursos de aproximadamente R$ 4,4 bilhões. As irregularidades constatadas, dentre elas algumas ligadas ao Correio Híbrido, indicam prejuízos potenciais aos cofres públicos da ordem de R$ 10,7 milhões.

O texto de documento público da área de comunicação da CGU explica o seguinte quanto ao Correio Híbrido: "Destinado a grandes clientes (entre os quais bancos e operadoras de cartões de crédito), visa a atender às necessidades de geração, postagem eletrônica, triagem eletrônica, encaminhamento eletrônico, impressão, acabamento e entrega de documentos, por meio da combinação da capilaridade do correio tradicional com a velocidade, produtividade e eficiência da tecnologia da informação e da telecomunicação. Para a operação desse grande projeto, foi feita uma licitação internacional, vencida pelo Consórcio BRPostal, integrado por nove empresas. O valor do projeto chega a R$ 4,3 bilhões, mas deste total os investimentos somam apenas R$ 103 milhões. O restante refere-se ao custeio do projeto, que compreende valores a serem pagos à contratada conforme a arrecadação pela ECT das receitas por serviços que contrate no mercado, durante a duração do contrato".

O texto também observa o seguinte: "Analisando o projeto, a CGU identificou a ocorrência de variação injustificada superior a 400%, a maior, no valor contratado, em relação ao estimado inicialmente. Além da justificativa apresentada pela ECT, dando conta de uma subestimação do preço originalmente estimado, a CGU observou que foi utilizado o critério de média ponderada para diferentes serviços, o que resultou em valores de parâmetros dissonantes do real custo a ser praticado pela ECT, provocando, dessa forma, distanciamento excessivo entre o preço real, que deverá ser efetivamente pago e o preço ponderado". Embora a CGU não veja nessa diferença algum risco de pagamentos excessivos, alegando estar assegurado em cláusulas contratuais que os pagamentos serão feitos pelos serviços efetivamente prestados item a item (e não mediante a ponderação do preço dos itens, conforme parâmetro utilizado para estimativa do valor contratual, de R$ 4,2 bilhões), a Controladoria advertiu que o valor do contrato é o referencial estabelecido em lei para concessão de reajuste anual e para eventual alteração contratual, até o limite de 25% de seu valor. "Por isso, a CGU entende necessária a imediata adequação do valor do contrato ao que foi apresentado na proposta comercial, item a item, diferentemente da forma em que está posto, pela média ponderada, para evitar o risco de utilização de uma base de cálculo superestimada, o que geraria efeitos prejudiciais à ECT".

Assim, a CGU recomenda o seguinte: "Reavaliação dos valores estabelecidos em contrato, tendo-se que os valores apurados na proposta comercial do Consórcio BRPostal o foram mediante ponderação entre os preços de serviços diferentes, ofertados item a item nas diversas tabelas de serviços, com conseqüente ajuste do valor global contratado, mediante termo aditivo, de sorte a trazê-lo para os patamares da estimativa de realização dos serviços item a item, das respectivas tabelas de serviços".

Outros problemas identificados no Correio Híbrido pela Controladoria Geral da União são relativos aos seguintes aspectos: inconsistência entre estudos de viabilidade econômico-financeira; pesquisa de preços insuficiente para a definição do valor de referência do projeto; exigência de atestado de capacidade técnica de forma a restringir o caráter competitivo da licitação; e, o que é grave, uma alteração injustificada dos percentuais e das bases de cálculo de multas, entre a primeira e a última versão do edital.

Subestimar a inteligência dos cidadãos e dos que produzem e trabalham e desprezar as sugestões e alertas de quem, acima das ideologias, pensa verdadeiramente no País têm sido características marcantes dos detentores do poder político. Com raras exceções, os governos não costumam auscultar a sociedade com a devida atenção e sincero interesse. É lamentável, pois esta arrogância estatal abre espaço para aqueles que apenas traficam influência e malas de dinheiro.


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