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Autor:
Paulo Skaf
Qualificação:
Presidente da Fiesp (Federação das Indústrias do Estado de São Paulo)
E-mail:
[email protected]
Data:
30/12/04
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A Opção Fiscal aos Juros Altos

Felipe González, ex-primeiro-ministro da Espanha, fez interessante reflexão sobre a política monetária brasileira, em entrevista ao filósofo Renato Janine, professor da Universidade de São Paulo:Nenhuma empresa sobreviveria se precisasse ter superávit primário de 4% de seu PIB, como ocorre no Bra. O estadista talvez ficasse ainda mais surpreso ao saber que esse resultado compara-se ao exercício de enxugar gelo, insuficiente que é, apesar de todo o esforço fiscal do governo, para cobrir os gastos com juros. Estimativas do Banco Central e do Ipea acabam de demonstrar que o déficit operacional da União, incluindo o serviço da dívida, é crescente e já resvala em 5% do PIB.

O político socialista espanhol provavelmente iria quedarse ainda mais atônito, se informado que o pagamento dos juros cerca de R$ 150 bilhões em 2003 é agravado pela política monetária do próprio governo, que insiste na mesmice da Selic alta como estratégia de controle da inflação. É como se não houvesse alternativas. Mas, há. A União precisa reduzir seus gastos (de custeio e não de investimentos), de forma a obter, também, a redução do déficit nominal. Isto traria juros menores. Selic e TJLP (a taxa de longo prazo) mais suaves incentivariam o consumo e o investimento interno, possibilitando que o câmbio se desvalorizasse de maneira proteger a produção nacional e aumentar a exportação.

Assim, pode-se vislumbrar, com boa chance de acerto, o aumento do nível de emprego e de uso da capacidade industrial instalada. Além disso, com o crescimento da produção interna, aumentaria a arrecadação, enquanto o incremento econômico iria melhorar a relação dívida/PIB. Em 2003, o governo gastou 7,3% do PIB no pagamento de juros, cuja redução também contribuiria para o equilíbrio fiscal, gerando mais recursos para o social.

Entretanto, na contramão de todo esse bom-senso, o desempenho do Copom em 2004 e o superlativo spread de 40% ao ano reconduziram o empresário e o consumidor brasileiros à liderança mundial isolada no infortúnio dos juros altos. Mês passado, ao anunciar novo aumento da Selic, o COPOM alegou a alta utilização da capacidade instalada e a possível pressão do aumento dos combustíveis. Porém, sabe-se que os setores em processo de redução da ociosidade são os exportadores siderurgia, papel e celulose e autopeças e que o preço do petróleo, ainda não internalizado, já cai no mercado mundial.

De fato, há certa pressão de preços. Porém, o IGP-10 da Fundação Getúlio Vargas aponta que os protagonistas do processo são os óleos combustíveis, gasolina e produtos siderúrgicos, commodities cotadas internacionalmente nas quais a Selic tem efeito nulo. Como se pode ver, é possível virar o jogo em favor das forças produtivas, contra o monetarismo. Muitos críticos da política econômica argumentam ser muito baixa a meta de inflação, obrigando o Banco Central a elevar a Selic. Esta tese não é totalmente correta, pois o Brasil precisa, sim, de inflação baixa, mas sem juros elevados. Esta alternativa foi essencial para consolidar o regime de câmbio flutuante, implantado por Armínio Fraga no início de 1999; justificou-se em 2003, quando o atual governo a utilizou para atenuar a crise de confiança que enfrentou ao tomar posse. Agora, porém, esgotou-se!

Não se pode discutir o papel da política monetária. Afinal, a taxa de juros é utilizada no mundo todo para controlar a inflação. Mas, aqui, os índices são exagerados, conspirando contra a produção e o emprego. Dados do IBGE mostram que, de 1993 a 2003, ingressaram no mercado de trabalho 16,8 milhões de brasileiros, o equivalente à quase totalidade da população da Austrália. No entanto, abriram-se apenas 12,7 milhões de vagas, das quais só 5,5 milhões com carteira assinada.

O Brasil está ficando para trás. O PIB per capita, que em 1980 era maior do que o da Coréia do Sul e do Chile, em 2003 ficou abaixo desses países. Assim, não é mais possível retardar a substituição do juro alto pela alternativa do maior controle fiscal do governo (mas, sem aumento da carga tributária, que, de 29,74% do PIB em 1999, está saltando para mais de 37% este ano). O grave é que o governo não só tem aumentado os impostos, mas também os gastos. Na comparação com igual período do ano passado, de janeiro a setembro de 2004, as despesas correntes da União subiram, em média, 12,6% acima da inflação, segundo a Secretaria do Tesouro Nacional. Os maiores aumentos foram em subsídios (32%) e seguro desemprego (15%). Os dispêndios com pessoal subiram 7,9% acima da inflação.

A opção pelo maior controle fiscal para dominar a escalada dos preços já foi testada na prática e com sucesso! Dois exemplos: nos Estados Unidos, de 1993 a 1998, na conhecida Combinação de Políticas Clinton-Greenspan; e o ajuste fiscal da Finlândia, a partir de 1992. Antigo ditado libanês diz que quero viver rico e não morrer rico. Pois bem: a política monetária radical do Brasil, além de tornar tênue e incerta a herança das futuras gerações, ainda condena o presente à pobreza.

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