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Autor:
Jaime Pinsky
Qualificação:
Historiador e professor titular da Unicamp
E-Mail
[email protected]
Data:
31/08/04
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É possível praticar cidadania?

Três quintos das empresas brasileiras declararam realizar ações sociais

Tem gente que não gosta mais de falar de cidadania, tal o excesso de exposição a que a palavra foi submetida, com o conseqüente esvaziamento de seu conteúdo. Entende-se isso perfeitamente. Afinal, confunde-se cidadania com boas maneiras, reduz-se o termo à proteção do consumidor, manipulam-se pessoas em nome de programas mal organizados ou inviáveis, aproveita-se o conceito para economizar impostos e divulgar gratuitamente esta ou aquela marca.

Contudo, por meio da História, é possível definir cidadania como o conjunto de direitos civis, políticos e sociais a que todos têm direito. Talvez se pudesse acrescentar que prover esses direitos é responsabilidade dos estados nacionais que abrigam as pessoas, sejam elas cidadãs plenas, ou não. Mas isso talvez seja pedir demais a nações que abdicaram da obrigação de estruturar estados de bem-estar social e buscam apenas e na melhor hipótese não interferir de forma muito negativa no dia-a-dia dos habitantes.

Por outro lado, e talvez em decorrência da atitude dos estados nacionais após a queda do muro de Berlim (poupo o leitor de explicar a relação entre uma coisa e outra, por ser óbvio), empresas e organizações não-estatais estão tomando para si o ônus (e o bônus) de atuar de forma pública, não só em busca de soluções imediatas para a colocação do seu produto, mas de maneira responsável, visando tornar o capitalismo menos selvagem e o mundo mais habitável. Segundo o Ipea (Instituto de Pesquisas Econômicas Aplicadas), cerca de três quintos das empresas brasileiras com um ou mais empregados declararam realizar, em caráter voluntário, algum tipo de ação social.

Mas não são só as empresas. De todo lado pipocam iniciativas realmente cidadãs, destinadas a fazer com que as pessoas possam sentir-se participantes do tecido social da Nação, e não moradores de favor. Nesse sentido, movimentos de juízes, promotores e ecologistas unem-se a grupos que lutam contra o desemprego e más condições de moradia. Associações e grupos anti-racistas combatem lado a lado com entidades feministas e pastorais que atuam pela dignidade do migrante e do imigrante, assim como das entidades que atendem os desassistidos. Intelectuais, jornalistas e membros do governo buscam alternativas à falta de oportunidades para os jovens, de maneira que a leitura se universalize. A sociedade, enfim, levanta-se de um sono de cinco séculos. A proverbial passividade está sendo substituída por mobilização.

O livro Práticas de Cidadania, por exemplo, mostra parte do muito que está sendo feito nesse campo. Voluntários como Cláudia Costin, Gilberto Dimenstein, Marcio Pochman, Marina Silva, Milu Vilella e Oded Grajew descrevem experiências concretas e bem-sucedidas no campo do chamado Terceiro Setor. Há muitos outros exemplos espalhados por todo o Brasil. Afinal, há um país que constrói e, mais do que acreditar, pratica solidariedade.

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