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Autor:
Marcus Vinicius Pereira de Oliveira
Qualificação:
Psicólogo Organizacional e especialista na área de Qualidade & Produtividade
E-Mail
[email protected]
Data:
13/03/04
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A Hotelaria Familiar na Berlinda

A gestão de qualquer empresa é o grande desafio da alta administração dos últimos anos e no qual a literatura de negócios tem abarrotado as prateleiras das livrarias. São milhares de novas teorias que parecem não ser suficientes para evitar, principalmente, que as pequenas empresas e as empresas familiares sucumbam-se diante dos grandes grupos. Esta parece ser a fotografia do que pode estar acontecendo dentro do mercado hoteleiro: grandes redes internacionais tomando espaços num negócio de bilhões de dólares ocupados, anteriormente, por empresas familiares.

Conforme dados, a partir de 1994 a indústria hoteleira tem alterado sua configuração com a entrada das redes internacionais, que através de um conceito mercadológico de bandeiras, vem conquistando clientes no turismo de negócios, caso específico dos grandes centros, e o turista de passeio em estratégias voltadas para resorts em verdadeiros paraísos naturais, principalmente dentro do nordeste brasileiro. Um negócio fabuloso que em pleno cenário de recessão atinge um crescimento médio de 3 a 4% ao ano e deve ter um investimento, no Brasil, de cerca de 2,6 bilhões de dólares até o final de 2005. Em contrapartida, a competitividade aumenta e o mercado fará o seu papel de selecionar quem fica ou deixa de participar desse negócio.

Certamente é um momento de transição da indústria hoteleira onde a gestão estratégica do negócio faz toda a diferença.

A indústria hoteleira de calças curtas

A expansão da indústria hoteleira com a entrada das grandes redes internacionais pegou os administradores brasileiros de calças curtas. Considerando-se a idade média da indústria hoteleira nacional, a chegada dos novos competidores coincidiu com dois momentos fundamentais:
  • O consumidor com uma nova perspectiva de padrão de qualidade;
  • Transição dos negócios para as mãos dos filhos e dos netos.

Dois pontos fundamentais e nos quais a indústria hoteleira familiar não se preparou devidamente. Estes fatores não são exclusividades da indústria hoteleira, mas das indústrias familiares, sendo que cada segmento percebeu ou perceberá isso a seu tempo.

É inegável que o consumidor brasileiro criou nos últimos anos novos parâmetros para comparar produtos e serviços, identificando o que é bom e ruim, conforme os benefícios oferecidos. Uma visão bem delineada por pela empresária Chieko Aoki: „preço é importante, mas o que satisfaz o cliente é receber mais por menos, sentir que pagou pouco pelo muito que teve‰ (Revista HSM, nº 29). Portanto, principalmente dentro do turismo de negócios, os clientes cada vez mais exigem estruturas físicas sofisticadas e a um custo mais justo. Procuram simplicidade, higiene e facilidades como redes de internet nos apartamentos para continuar tarefas demandadas de suas atividades. Muitas novidades do consumidor dessa era exige alterações profundas nas instalações que, nas redes internacionais já estão dimensionadas a partir dos projetos do empreendimento. As redes nacionais mais tradicionais, instaladas nos grandes centros, terão que investir bastante para manterem-se atualizadas com este novo cliente. Quem não o fizer ou não tiver formas de investir, pode estar com os dias contados. Não se pode esquecer que nos últimos 3 anos, 26 hotéis fecharam suas portas em São Paulo.

Outro fator interessante para análise refere-se aos momentos sucessórios. Grande parte da hotelaria está ingressando nesse redemoinho de competitividade em meio a processos de sucessão da gestão empresarial. A visão do fundador que permitiu o crescimento do negócio, mesmo com poucas doses de profissionalização, já não é capaz de sobreviver às novas condições de mercado. Por isso, os sucessores que não investirem em suas formações ou compreenderem a necessidade de profissionalização gerencial, também correm sérios riscos de verem a tradição cair por terra na era de um mundo informatizado e veloz.

Caminhando pela experiência e pela intuição

A empresa familiar, em sua gênese, sempre caminhou utilizando a experiência e a intuição dos seus fundadores. A questão é que na medida que se processam as sucessões a visibilidade do negócio também é altamente afetada, pois a perspectiva sistêmica é perdida, ao longo do tempo, e existe a necessidade de uma abordagem baseada em fatos e dados para maior acerto na tomada de decisões.

Num contexto de mudanças constantes as tomadas de decisão exigem precisão e posicionamento estratégico. As decisões têm que considerar seus efeitos no longo prazo e impactos na percepção dos clientes em relação aos serviços prestados. Se o momento pressiona a indústria hoteleira para a redução de custos e preços, torna-se fundamental a utilização de modelos inteligentes, além da simples análise contábil para visualizar saídas. Por isso, a profissionalização, devidamente estruturada, surge como fator imperativo e estratégico na sobrevivência da hotelaria nacional.

A profissionalização e o sapato apertado

Por conta das mudanças do mercado e a importância de seus impactos financeiros sobre o negócio, a primeira profissionalização efetuada nas empresas familiar se dá na área admisnitrativa-financeira. Este fator, por si, não é um ponto negativo, mas os seus desdobramentos têm demonstrado grandes problemas, sendo que o principal é delegar para o gerente financeiro as decisões principais, utilizando, exclusivamente, a ótica de custos contábeis para definir rumos. Os efeitos de um sapato apertado, percebido como redução dos lucros e dividendos, não é uma simples questão orçamentária e nem de corte de pessoas e fornecedores. É preciso visibilidade gerencial de processos e alinhamento estratégico.

Dentro da profissionalização alguns pontos são fundamentais: pessoas e ferramentas. Quando se diz no binômio pessoas versus ferramentas, existe, implicitamente, uma visão estratégica onde estão vislumbrados os rumos do negócio. Então a simples capacitação técnica sem ferramentas não produz os efeitos esperados. Pelo contrário, tende a produzir transtornos oriundos de frustrações, pois os projetos não passam de idéias que ficam no papel.

A profissionalização exige uma reestruturação da forma de pensar e agir. Os hotéis que se enveredarem por este caminho, provavelmente, precisarão investir em configuração de setores de Recursos Humanos que estão além de programas governamentais que fomentam apenas pequenas partes da questão, assim como a maior demanda de cursos de hotelaria e turismo não será suficiente para resolver os impactos atuais de sobrevivência da indústria da hotelaria nacional.

Associativismo e lobbies

Ganhar força através do conjunto continua sendo uma forma interessante para o aumento de competitividade. É papel fundamental das associações contribuir para que a indústria hoteleira consiga promover movimentos organizados para o crescimento conjunto dos empreendimentos nacionais e internacionais.

Cabe às associações, em seus esforços, procurarem ferramentas para melhorar o desempenho coletivo de seus associados. Para isso, é preciso muito mais empenho em pesquisas de mercado e na busca de soluções que também agreguem ações específicas sobre cada negócio. Programas homogeneizados de instituições de ensino e entidades ligadas ao governo como o sistema S (SEBRAE, SENAI, SENAC, SESI, SESC) são importantes, porém seus espectros de resultados demonstram-se limitados, sendo que o marketing das campanhas dos programas são infinitamente superiores às mudanças que podem promover em um número significativo de empresas. Assim, o associativismo não pode se tornar um jogo político de lobbies e cartas de intenções ao governo, uma vez que a sobrevivência do setor é muito mais urgente. Essa grande interdependência entre associações e órgãos governamentais, historicamente, tem se declarado um movimento oportunamente político, pouco eficaz na solução de problemas e restringente para a abertura de espaço a vários prestadores de serviços.

Não se trata de uma ruptura de comunicação e, sim, uma ruptura de paradigmas. O governo tem sua parcela de compromisso com o turismo e deve cumpri-la. As associações têm seus compromissos com os associados e deve municiá-los com ferramentas, independentemente do governo, sem encostar-se a favores. Pois é fazendo o dever de casa que se começa uma administração profissional.

Visibilidade

A questão sobre a gestão familiar que rege grande parte da indústria hoteleira nacional possui muitas nuances a serem estudadas sob o aspecto de profissionalização, mecanismos de financiamentos e investimentos, introdução de ferramentas de alavancagem...contudo, considerando-se o cenário macro-econômico e os dados de pesquisa, visualiza-se um grande espaço de oportunidades.

Observando-se as pequenas cidades, no interior dos estados brasileiros, os hotéis ainda têm espaço para a administração familiar sem muitos riscos ao negócio. Isto não significa que os mesmos devam ignorar as mudanças, apenas que possuem mais tempo para se adaptarem a um novo cenário de gestão de negócios. No interior dos estados ainda existem muitas oportunidades de negócios direcionados ao ecoturismo e práticas de gestão associados aos modelos de desenvolvimento sustentado que pode atrair muitos turistas estrangeiros.

No caso dos grandes centros, as ações parecem demandar urgência, necessitando profissionalização, implementação de ferramentas gerenciais, liderança e um olhar estratégico, principalmente para os hotéis de 3 e 4 estrelas, que vem perdendo terreno nessa nova postura do turismo de negócio que se desloca para a faixa dos hotéis econômicos ou super-econômicos. Por outro lado, feiras e congressos aumentam a todo ano e qualquer crescimento ou pequena melhoria do cenário econômico brasileiro pode indicar um aumento significativo de demanda do turismo de negócio: uma aposta clara das redes internacionais.

E mesmo para os pessimistas de plantão que configuram os piores cenários possíveis, é para ficar atento ao número de ingresso de estrangeiros no país que cresce a cada ano e que 80% do turista interno hospeda-se em casa de parentes ou amigos. Para muitos tudo isso se constitui em notícias pouco alentadoras e falta de perspectivas para os hotéis familiares. E realmente pode o ser no caso de se optar em ficar vendo a banda passar. Já para os estrategistas e profissionais engajados nos negócios, pode se ver, nos indicadores de mercado, claras oportunidades para o crescimento e saídas para a rede hoteleira nacional. Como nos ensinam os japoneses, em momentos de crise cresce quem chora menos e corre atrás do tempo perdido.


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