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Autores:
Pedro Zanotta e Rabih Nasser
Qualificação:
Sócios da Albino Advogados Associados
E-Mail
[email protected] e [email protected]
Data:
13/04/04
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"A SDE e o Combate aos Cartéis"

O combate aos cartéis, estabelecido como prioridade pela Secretaria de Direito Econômico do Ministério da Justiça (SDE), tem tido razoável destaque na imprensa. O interesse é compreensível, uma vez que essa prática é extremamente prejudicial à livre concorrência, um dos princípios fundamentais da economia de mercado. No entanto, há outro princípio tão ou mais importante, também previsto na Constituição Federal, que é o da legalidade. Ele impõe que todo processo de investigação conduzido por autoridades públicas tenha base e esteja previsto na lei. Do contrário, estaria aberto o caminho para a arbitrariedade e o abuso de autoridade, o que é inaceitável em um Estado de Direito.

O trabalho que vem sendo desenvolvido pela SDE merece elogios, porém ela deve evitar o açodamento e a tentação de tirar conclusões precipitadas sobre os casos que conduz. O mais importante, inclusive para assegurar a obtenção de resultados positivos para a sociedade como um todo, é que sua atuação tenha como regra fundamental o estrito cumprimento das normas legais que regem a matéria.

Esse cuidado nem sempre tem sido tomado. Um caso bastante ilustrativo desses equívocos é o processo administrativo aberto contra o Sindicato da Indústria de Mineração de Pedra Britada do Estado de São Paulo - SINDIPEDRAS - e algumas de suas associadas. O processo começou com busca e apreensão na sede do Sindicato, com base em liminar concedida pela Justiça Federal de S.Paulo. A partir daí, o Sindipedras e suas associadas têm dado toda a contribuição necessária para mostrar que as acusações de formação de cartel são infundadas. A prova mais cabal disso foi a manifestação de clientes (grandes construtoras e concreteiras), associações de classe que os representam, órgãos públicos responsáveis pela construção de obras públicas (entre os quais o Dersa, responsável pelo Rodoanel), no sentido de que nunca perceberam indícios de que havia o tal “cartel das britas” e nunca foram prejudicadas por atitudes anticoncorrenciais das pedreiras, tais como: aumentos excessivos de preços, divisão de mercados, recusa de vendas e outras atitudes típicas de um cartel.

Mas o problema fundamental não está na inconsistência das acusações de que o suposto “cartel das britas” prejudicou os consumidores e possibilitou o superfaturamento de obras públicas. Isto está sendo devidamente desmentido nos autos. A questão fundamental, que torna o processo viciado desde sua origem, é que o procedimento seguido pela SDE até a busca e apreensão foi ilegal, uma vez que a Lei nº 8.884/94 (que trata das competências do SBDC) não prevê, dentre as competências da SDE (art. 14), a possibilidade de conduzir “Procedimentos Administrativos” sigilosos. Apenas prevê que ela pode promover Averiguações Preliminares ou Processos Administrativos. Mas a SDE preferiu recorrer a um tipo de procedimento que, segundo a Lei, apenas a SEAE (outro órgão do SBDC) poderia instaurar; e certamente o fez para se beneficiar do sigilo que pode cercar tal procedimento.

A previsibilidade quanto ao comportamento que pode ser adotado por autoridades investigadoras é uma questão elementar de segurança jurídica. Os resultados da busca e apreensão na sede do Sindipedras tornam-se irrelevantes se o procedimento utilizado para chegar a ela foi ilegal. Os fins não podem justificar os meios em um Estado de Direito. A idéia de que fins - pretensamente nobres - justificam a adoção de quaisquer meios (mesmo que contrários ao que diz a lei) é própria dos regimes autoritários, em que as garantias individuais têm pouca ou nenhuma relevância.

A possibilidade de a SDE promover esse tipo de procedimento está regulada apenas em uma portaria do Ministério da Justiça (n. 849, de 22 de setembro de 2000). Mas todos sabemos que o Poder Executivo não pode ir além do que é estabelecido nas leis aprovadas pelo Poder Legislativo. Isso feriria outro princípio fundamental do Estado de Direito, que é o da separação de poderes. Portanto, o Ministro da Justiça não tinha competência para criar um procedimento de investigação para a SDE que não está previsto na lei.

A tese defendida pela SDE é que as alterações introduzidas pela Lei 10.149 lhe deram competência para conduzir esse tipo de procedimento. Essa tese se baseia no Artigo 35-A da Lei, que permite à SDE requerer ao Poder Judiciário, através da Advocacia-Geral da União, mandado de busca e apreensão, “... no interesse da instrução de procedimento, das averiguações preliminares ou do processo administrativo, aplicando-se ...”. As averiguações preliminares e o processo administrativo estão expressamente previstos no art. 14 da lei e, portanto, dentro da alçada da SDE; o mesmo não ocorre com o referido “procedimento”. Se o legislador quisesse ter criado um terceiro tipo de procedimento investigatório, deveria, sem dúvida, tê-lo incluído nesse artigo, o que não fez. Em conseqüência, fica definitivamente afastada a possibilidade de que o procedimento a que se refere o art. 35-A seja mais um tipo de investigação que a SDE pode promover.

Assim, a primeira interpretação possível para o que diz o art. 35-A é que o legislador quis conferir novos poderes de investigação à SDE no âmbito dos “procedimentos” já existentes (averiguação preliminar e processo administrativo).

A outra interpretação possível, que tampouco ajuda a tese da SDE, é a de que o procedimento a que se refere o Artigo 35-A é o que está regulado sucintamente nos seus parágrafos 1º e 2º. Estes fazem referência ao “... procedimento administrativo destinado a instruir representação a ser encaminhada à SDE” e que, nos termos desses parágrafos, só pode ser instaurado e conduzido sob sigilo pela Secretaria de Acompanhamento Econômico (SEAE).

Assim, em que pese a qualidade do trabalho que vem sendo realizado pela SDE para aplicar a legislação de defesa da concorrência, o processo contra o Sindipedras não se presta à função “educativa” – para outros setores – que a SDE e o Ministério Público Estadual pretendem dele extrair. Isso se deve a dois fatores: (a) a demonstração nos autos de que não houve nenhum prejuízo aos consumidores, ao contrário do que querem fazer crer as autoridades que conduzem o caso, o que há são apenas negativas claras de todos os que se relacionaram com as pedreiras investigadas; e (b) o uso de um procedimento ilegal para chegar à busca e apreensão na sede do Sindipedras, em violação de princípios elementares do Estado de Direito, o que vicia e invalida todo o restante do processo. Tudo isso justifica a absoluta confiança do Sindipedras em que as decisões do CADE e da Justiça lhe serão favoráveis.

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