Crimes Fiscais - A Importância da Apuração do Valor do Débito
Voltar
Até mesmo para o recebimento da denúncia é indispensável, além da prova quanto a ação do agente ser típica (no caso da Lei 8.137/90 - condutas que resultem em supressão ou redução de impostos ou acessórios), também a comprovação do exato valor sonegado ou deixado de recolher aos órgãos arrecadadores.

A prova da ocorrência de crime fiscal (autoria e materialidade) pode ser produzida por diversas formas, com por exemplo, no caso de nota calçada, com a comparação entre duas vias com valores diversos, fraude na contabilidade, livros, emissão de documentos falsos ou inexatos, etc.
Para comprovação do valor sonegado ou deixado de recolher, a apuração pode ser levado a efeito através da contabilidade da empresa, ou pessoa física, comparada com declarações, documentos, livros, arquivos de dados, ou quaisquer outras provas que demonstrem ter havido omissão ou sonegação de imposto ou contribuição.

Tanto a prova da autoria e materialidade do crime, quanto o efetivo valor do imposto omitido ou sonegado, é ônus exclusivo da acusação, e todos estes fatos ao nosso ver são indispensáveis, inclusive para o início da ação penal. Em razão disso a inicial acusatória deve estar acompanhada de prova mínima neste sentido, pois do contrário faltará justa causa para a ação penal, sendo o caso de ser rejeitada a denúncia.

Parece exagerada esta afirmação, mas se fizermos uma análise completa sobre esta matéria verificamos que não há exagero, especialmente se considerarmos posições da doutrina e jurisprudência na interpretação deste tema, onde há forte corrente defendendo que a interpretação deve ser pro fisco, ainda que não digam de forma direta.

Para tanto, dentre outros, devemos considerar alguns fundamentos e posições da nossa doutrina e jurisprudência.

Muitos dizem que o Estado utiliza indevidamente o direito penal para cobrar dívidas fiscais e previdenciárias, especialmente quando oferece benefícios, sempre que o infrator efetua o pagamento do imposto e seus acessórios, razão pela qual defendem que haveria afronta a diversos princípios e também ao Pacto de Costa Rica, o qual proíbe prisão por dívida civil, e neste caso, considerando que se cuida desta modalidade de débito, não poderia ser proposta persecução criminal, pois a nossa Constituição não permite prisão nestas condições.

Contrapondo-se a estes argumentos observamos forte corrente da nossa doutrinária e jurisprudência dando valia a esta modalidade de procedimento, inclusive admitindo que é lícito ao Poder Público coagir o devedor ao pagamento de impostos e acessórios, sendo razoável utilizar também as normas penais com esta finalidade, não se cuidando, por isso, de prisão por dívida civil, especialmente nos casos de delitos de omissão no recolhimento do imposto, sendo também razoável a concessão de benefícios como incentivo, quando o devedor efetua o recolhimento do valor devido ao fisco.

Ora, se admitirmos que o Poder Público pode valer-se do direito penal para cobrança de impostos, inclusive com poder de legislar neste sentido, cuja conclusão extrai-se das leis que conferem benefícios penais aos acusados - antes e após o início da persecução criminal, e até mesmo nos casos em que há condenação com trânsito em julgado -, também temos que aceitar a incidência de todas as regras do direito penal e processual penal, de forma integral, tanto em relação às questões expressamente posta nas normas, quanto aos princípios que norteiam estes dois ramos do direito.

Por isso, todos os benefícios conferidos aos acusados, de forma ampla, devem ser ofertados para os infratores de delitos fiscais, tanto no aspecto material quanto no processual, cuidando-se, não de faculdade, mas sim de direito público subjetivo do acusado.

Diante deste quadro o infrator penal fiscal não é obrigado a produzir prova contra si: pode mentir ou calar a verdade; enfrentar os fatos em sua defesa estritamente no limite da acusação (por exemplo, se foi acusado de cometer cinco crimes e tenha cometido dez, não tem qualquer responsabilidade penal em informar a existência dos outros cinco que o fisco desconhece. Ou ainda, se sonegou um milhão e a acusação é de quinhentos mil, aplica-se a mesma regra); pagar o imposto ou acessório com finalidade única de receber o benefício da lei penal (e apenas no valor que é acusado de haver sonegado ou omitido o recolhimento, mesmo que haja outros sobre os quais não pesa persecução criminal face até mesmo a acusação desconhecer a existência deles); etc.

A defesa nestas modalidades de delitos deve seguir exatamente, e unicamente os limites da acusação, tanto no que respeita as matérias de mérito, visando a absolvição, quanto ao recebimento dos benefícios legais que o pagamento garante ao acusado. Isto é, não é obrigado a pagar mais do que é acusado de sonegar.

De início parece exagerado este raciocínio, entretanto, considerando as regras e princípios que norteiam o direito penal, o acusado não tem obrigação legal penal (diferente de tributária e moral), de pagar divida fiscal que não esteja incluída na persecução criminal, para fins de sua defesa ou benefício.

Neste particular é oportuno observarmos que todo acusado de cometimento de crime tem direito à ampla defesa, e ela não está restrita ao mérito da acusação (culpado x inocente), mas também a outras questões como por exemplo: isenção de pena (v.g. nos crimes fiscais a dificuldade financeira); extinção da punibilidade (v.g. pagamento do tributo antes do recebimento da denúncia); diminuição da pena (reparação do dano antes de recebida à denúncia); atenuante da reparação do dano depois de recebida a denúncia; e ainda à reparação do dano mesmo após a condenação penal para fins de livramento condicional.

Por isso, ao nosso ver não estão amparadas na melhor interpretação as decisões contempladas apenas de preocupação quanto a autoria e materialidade do delito, quando inúmeras outras questões para o direito penal são igualmente importantes, tal qual é o mérito da acusação especialmente relacionada com o “culpado”.

Além disso, o pagamento do débito fiscal, dependendo do momento processual que ocorra, pode ensejar a extinção da punibilidade, prejudicando o julgamento do mérito da acusação.

Por outro lado, uma sentença penal condenatória não se exaure no momento em que o julgador decreta a procedência da acusação. A partir dali há um longo caminho a ser percorrido, o qual é denominado de parte dispositiva da sentença, onde também devem ser considerados diversos direitos conferidos aos condenados, cujos fatos quando desfavoráveis a aplicação do benefício também é ônus da acusação provar, e devem ser fundamentadamente enfrentados no julgado, inclusive, se for o caso, de ofício.

Assim, se num crime fiscal se pode aplicar a parte ruim do direito penal ao empresário (utilização deste ramo do direito para cobrar dívida), também deve incidir a parte boa (no que respeita às garantias e direitos a benefícios), porque o direito não pode trabalhar com dois pesos e duas medidas.

E para que o acusado de crime fiscal possa receber todos os direitos e benefícios conferidos pelas normas, dentre outras questões, é indispensável que ele saiba exatamente o valor que é acusado de haver sonegado ou omitido em pagamento, inclusive antes do recebimento da denúncia, porque alguns direitos e benefícios somente podem ser alcançados quando se tem o quantum efetivo devido ao fisco. Daí a necessidade muitas vezes ser realizada, inclusive perícia contábil para apurar o exato valor devido, o qual, repita-se, uma vez pago, gera direitos (benefício) ao acusado.

É importante observarmos que estes benefícios contemplados pela legislação penal (v.g., o pagamento conferir: extinção da punibilidade; diminuição de pena; atenuante; livramento condicional, etc), cuida-se de direito público subjetivo dos acusados, e como tal, sempre deve ser ofertada ao acusado a oportunidade de recebe-lo.

Na próxima semana, dando seqüência à abordagem desta matéria, enfrentaremos os princípios de direito penal, assim como os respectivos benefícios e as normas que os conferem.

,
Voltar


© 1996/2004 - Hífen Comunicação Ltda.
Todos os Direitos Reservados.