Estratégia pode Evitar Fuga de Capital
A falta de estratégia está na raiz da atual crise brasileira, segundo Eugênio Staub, diretor-presidente da Gradiente. Sem uma visão de futuro, mesmo a curto prazo - para o ano 2000, por exemplo -, o País corre o risco de perder mais uma década. A única saída é seguir o exemplo das empresas de sucesso: definir um objetivo - que, no caso do Brasil, precisa ser um objetivo social, pois acumulamos uma enorme dívida nesse setor - e procurar alcançá-lo, organizando-se internamente. Para ele, é fundamental saber exatamente aonde se quer chegar, pois "o Brasil não pode se dar ao luxo de viver em uma crise continuada".
Staub alerta que, se a inserção internacional da economia for mal conduzida, parte da indústria nacional poderá acabar. E muitas empresas, inclusive a própria Gradiente, poderão fechar as portas no Brasil e estabelecer-se em países que ofereçam melhores perspectivas de sobrevivência e crescimento. "Abrir não significa expor a economia brasileira à competição internacional selvagem. Isso não funciona em país nenhum do mundo", diz Staub.
Para ele, só os Estados Unidos podem sustentar, anos seguidos, déficits da balança comercial acima de US$ 100 bilhões e assistir à destruição de segmentos industriais. Pois nem a Europa tem esse fôlego. A disputa entre países, nota Staub, é no sentido de abocanhar uma participação maior no mercado mundial.
A responsabilidade de estabelecer um consenso sobre um plano de ação, segundo Staub, cabe não apenas à iniciativa privada e ao governo, isoladamente, mas também à classe política. "A abertura da economia precisa ser conduzida de maneira inteligente, que nos leve a ter mais e melhores empregos e melhor distribuição de renda dentro de oito a dez anos."
Ao falar sobre estratégia com exclusividade para a Sala do Empresário, ele destacou alguns pontos fundamentais que definem o seu pensamento sobre o assunto, desenvolvidos a partir da sua própria experiência na Gradiente.
UMA EMPRESA DE SUCESSO COSTUMA ACERTAR DESDE O INÍCIO
"A Gradiente pôde crescer porque os fundadores acertaram desde o princípio. Atribuo uma grande parcela do sucesso da empresa às decisões tomadas a partir de outubro de 1964 por quatro jovens estudantes de engenharia. Naquela época, eu cursava o último ano de graduação dessa escola e estava implantando uma indústria de componentes eletrônicos. Acompanhei a experiência desses jovens desde o primeiro momento, tornando-me amigo deles.
Apesar de o planejamento estratégico não ser moda, eles foram corretos no seu plano. Primeiro, definiram que o produto deles deveria ser de última tecnologia, para se diferenciar do mercado. Acertaram também na questão do desenho industrial, que sempre foi moderno, atualizado e em alguns momentos até arrojado. E escolheram a marca adequada, com características técnicas e fácil de ser pronunciada, sem estrangeirismo.
O próximo passo foi criar canais de distribuição. Eles ganharam a simpatia dos lojistas num tempo em que o Brasil estava aberto à importação e começaram a cuidar da diversificação. Decidiram fazer o amplificador e, para fabricar caixas acústicas boas, contrataram um especialista em acústica. Depois, procuraram minha empresa, que distribuía os toca-discos Garraard no Brasil, e fizemos um convênio. Em 1968/69, eles eram perfeitamente estruturados do ponto de vista mercadológico, não tinham verba de propaganda, mas já eram conhecidos. Além de um bom produto, tinham também muitos problemas, pois o setor financeiro era totalmente desorganizado.
Surgiu, assim, a nova Gradiente, que, desde 1971, quando foi formada, tem uma história contínua de sucessos. Temos procurado preservar as idéias originais, que hoje é a cultura da Gradiente. Nós sabemos exatamente quais são as questões essenciais para a empresa, principalmente o desafio da concorrência estrangeira."
NOSSOS CONCORRENTES NÃO SÃO TIGRES, SÃO LEÕES
"No nosso ramo, as coisas evoluem rapidamente, como provam a mudança do toca-discos a vinil para o toca-discos a laser, ou as diferenças entre o videocassete e o videodisc. Por isso é que já temos uma estratégia até o ano 2000, prevendo um faturamento e uma percentagem do mercado. Temos uma estratégia de alianças com empresas, uma européia, outras no Oriente, além de alianças tecnológicas que preservam a independência da marca e da empresa. Estamos preocupados em formar os diretores do ano 2000, de preferência gente de dentro da Gradiente.
Nosso planejamento estratégico vem desde 1985, com consultoria externa. Em 1985, fizemos uma autocrítica e uma avaliação dos nossos preconceitos e fraquezas e formulamos, depois de doze meses, um plano muito bem-sucedido, como a compra da Telefunken em 1990. Decorrem daí outras decisões tomadas. Agora, nós temos um período, de junho a julho de cada ano, para atualizar o planejamento.
Os chamados 'tigres' do Oriente, ao contrário do que pensam os liberais, exibem um forte controle do Estado sobre um processo estratégico. Cingapura, por exemplo, é um país em que o problema de justiça social foi resolvido, todo mundo tem habitação, educação, nível universitário, se quiser. Lá, o primeiro ministro Li Kwan Niu, que encontrou em 1965 uma nação tomada pelo banditismo, a pirataria internacional, a economia informal, a desonestidade e a imoralidade por todo o lado, formulou uma estratégia transformando o país num modelo para os 'novos tigres', como Malásia, Tailândia e Indonésia.
Trata-se de uma estratégia simples, que promoveu a integração com a iniciativa privada - estrangeira a princípio, já que não havia nacional - com uma liderança expressiva do Estado."
O EMPRESÁRIO PRECISA SABER LIDAR COM CENÁRIOS ALTERNATIVOS
"A indústria eletrônica não tem condições, hoje, de fazer um planejamento estratégico com razoáveis chances de sucesso, porque não sabemos qual a extensão da devastação produzida na indústria brasileira pela inserção internacional. No nosso caso, temos planos alternativos. Se não houver mais indústria eletrônica nacional, a Gradiente vai mudar suas fábricas e comprar de terceiros. Vamos então mudar os empregos que nós damos hoje em São Paulo e Manaus para a Malásia, que já nos recebe de braços abertos. Trata-se, do ponto de vista nacional, de uma barbaridade, apesar de ser mais cômodo no aspecto empresarial.
Não defendo a idéia derrotista de que o empresário deve ficar de braços cruzados. Mas, depois de mais de vinte anos de ditadura, a postura do empresário do Brasil ainda é muito tímida, na base de sempre perguntar ao governo como vai ser o caminho. A sociedade é que deve comandar o governo, como acontece nos países democráticos.
O verdadeiro empresário é aquele que consegue separar sua atividade de outra responsabilidade, de ajudar o Brasil a encontrar seus caminhos e a resolver seus problemas. Sem propor nenhuma panacéia, acredito que, em parte, um projeto nacional pode resolver o problema de confiança. Saber para onde o País está indo e quais as principais ações estratégicas atuam sobre o componente psicológico, reestabelecendo a confiança na economia e na moeda."
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