Herdeiro Pilota vôo Radical
Aos dezesseis anos, Amerigo Fedeli não podia dirigir carro, mas
já sabia pilotar avião. Com 24 anos, pensava numa carreira na Varig,
mas foi convocado para uma missão quase impossível: assumir imediatamente
a direção da metalúrgica Piel Ltda., fabricante de
mais de quatrocentos itens do setor de estamparia média e pesada para as
grandes montadoras da indústria automobilística. O pai, Pier Luigi,
sócio-proprietário, tinha sofrido um derrame, e o herdeiro, ainda
verde para administrar tudo e com a cabeça acima da linha do horizonte,
precisou adaptar-se à emergência do destino.
Hoje, com 32 anos, ele está implantando um projeto mais arriscado do que
qualquer plano de vôo: a reestruturação radical da Piel, uma
das empresas que abraçou o P.1, proposta da Autolatina para alguns fornecedores
que, em convênio com o SEBRAE/SP, contrataram a Andersen Consulting
e estão abandonando velhos métodos de produção. Não
está sendo fácil: desde que ocupou a cadeira de presidente de uma
empresa que gera cem empregos diretos e fatura em média mais de US$ 2 milhões
ao ano, ele se sente testado e comparado com a gestão anterior. E, a partir
do momento que trocou as máquinas de lugar, por sugestão dos consultores,
teve que enfrentar o descrédito e a desconfiança da cultura já
cristalizada da firma.
Mas Amerigo é um empresário animado com a sua missão. Rompeu
com a timidez inicial, tornou-se mais seguro no trato diário com equipes
bem treinadas e hoje até concorda em pontificar nas entrevistas. Com ajuda,
é claro, de leais companheiros de viagem trazidos pela experiência
do pai, como é o caso do gerente de vendas, Porfírio de Jesus Ramondes,
que participou deste depoimento como conselheiro - ele está há
quinze anos na Piel e faz a ponte entre os tempos heróicos e os novos hábitos.
NEM SEMPRE AS IDÉIAS ANTIGAS ESTÃO
ERRADAS
"Existem dois perfis para os sucessores: ou ele afunda a empresa, ou continua.
Quando assumi a direção, em 1986, senti que estava muito perdido,
mas não podia passar essa insegurança para os outros. Os funcionários
olham confiantes para nós, esperam que a gente esteja fazendo tudo certo.
Por isso, aconteceram muitas noites mal dormidas, de indecisão pura, pois
o fracasso significaria a perda de trinta anos de trabalho dos fundadores e a
minha desmoralização.
O importante, numa hora dessas, é reconhecer o valor das idéias
antigas. Elas não podem estar totalmente erradas, a prova é a existência
da fábrica. Em vez de considerá-las ultrapassadas, abandonando tudo,
devemos aproveitar o que existe e trazer para o momento atual. Um dos acertos
da antiga administração foi a maneira como ela controlava a empresa,
através de objetivos claros e determinados sobre o faturamento, mão-de-obra
necessária, custos e lucros, para poder fechar o pacote no final do ano.
Isso era feito de maneira muito simplificada e eficiente. Tanto, que adotamos
esse método, com uma diferença: o que era feito manualmente nós
informatizamos, e o tempo necessário para isso encolheu de quinze para
um dia apenas por mês. O que muda, portanto, na gestão, é
a velocidade, não a essência. E também os recursos: hoje,
você delega funções, não se preocupa com detalhes e
procura fazer uma seleção mais rigorosa da mão-de-obra, pois
não podemos empregar analfabetos, por exemplo, por exigência do mercado."
TRANSFORMAÇÃO TAMBÉM É MARKETING -
"Trabalhar com transparência total é uma exigência dos
nossos clientes. Quando participei da primeira reunião na Autolatina, que
nos alertou para a necessidade de uma consultoria, ouvi risadas. Teve gente que
falou: eles não entendem nada de firma pequena, estão é falando
bobagem. Mas, nessa hora, é preciso escutar e respeitar a opinião
deles, pois ninguém está brincando com isso. Quando eles falam para
entrar na firma e ver como você trabalha, é melhor ficar atento.
No começo, você balança de verdade.
Sabíamos que existia um jeito de mudar tudo, mas não sabíamos
como. Esse know-how está nas mãos das multinacionais e custa caro,
pois o preço final da consultoria independe do tamanho da empresa. Com
a ajuda do SEBRAE/SP, os custos ficaram acessíveis, e isso também
serviu para a Andersen tomar o pulso desse mercado de pequenas e médias
empresas. Aqui, existem detalhes, como, por exemplo: não podemos fazer
a mudança de uma hora para outra, parar uma semana para compor as células,
pois, assim, não poderei atender o cliente e vou perder faturamento. Os
pequenos não têm cacife para isso, e o método tem que ser
implantado aos poucos.
A Andersen, como nós, está investindo para depois poder dirigir
essa experiência para outras firmas. As grandes montadoras dependem das
pequenas empresas, e estas devem adaptar-se às novas exigências.
Somos obrigados a nos adequar, não temos condições de contestar.
As montadoras classificam a fábrica em todos os sentidos, administram nosso
preço, querem saber todos os custos, obrigam-nos a montar planilhas. Você
não pode, por exemplo, cobrar três, se gastou apenas um.
Quando você tem toda essa estrutura e quiser jogar um novo produto na praça,
tudo fica muito mais fácil, pois você tem um nome atrás disso.
Um contrato com uma grande montadora é uma espécie de diploma para
nossa empresa. Quem vai administrar tudo, é claro, somos nós, com
nossa qualidade e pontualidade. Mas tudo isso ajuda nosso desenvolvimento. O que
vai definir o crescimento é justamente nossa capacidade de fornecer bons
produtos com métodos modernos, qualidade e a preços razoáveis.
As mudanças no chão da fábrica mexem com a administração
da firma e nos capacitam para passos cada vez mais ousados."
A MÁQUINA E O GESTO MUDAM DE POSIÇÃO -
"Tem gente que chiou quando a Andersen propôs as mudanças na
posição das máquinas, formando as células, que acabaram
aumentando a produtividade em 25%. O comentário é o seguinte: sempre
fizemos de determinada maneira, por que, então, mudar? Mas isso força
uma nova postura e, automaticamente, muda a cultura da empresa.
Porfírio nota que seu pai já criticava o excesso de estoques, que
é dinheiro parado, e a necessidade de produzir em menor escala e entregar
rápido. Meu pai também não se importava com a exigência
de colocar inspetores em todos os setores, uma coisa hoje definitivamente ultrapassada,
pois você tem que ser responsável pela qualidade dos produtos que
fabrica, e não o cliente. A função do cliente é exigir,
não ficar dentro da fábrica controlando. Quando vendemos nossas
peças, assinamos um termo de compromisso de qualidade com o cliente, é
assim que funciona hoje.
Qualidade é um sistema que faz parte da produção. Estamos
introduzindo, também, o projeto Kan-Ban, no qual você gerencia a
produção com lotes reduzidos, podendo controlar visualmente todo
o processo. Você fabrica o que precisa na hora necessária, eliminando
a espera, desde o momento que recolhe a matéria-prima, produz e entrega
para o cliente. Esse é um método japonês de produzir melhor,
mais barato e em quantidade. Temos que aprender com eles, pois nossa tradição
é o desperdício. Ou fazemos isso, ou vamos fechar. O primeiro passo
é vencer a inércia, romper com sistemas antigos e renovar os hábitos."
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