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« Memória Empresarial • ANO XXVIII - Ed. 63 (20/06/1993)

O Feijão-com-Arroz de São Tomé

A indústria brasileira passa por uma situação curiosa. Escaldada pelos planos econômicos, traumatizada pela morte em massa de centenas de empreendimentos e obrigada a emagrecer até o desespero, ela transformou-se num modelo de prudência, para evitar os riscos e permanecer no mercado. Mas, pressionada pela abertura econômica, sua sobrevivência depende também de uma reestruturação radical. Assim, a política do feijão-com-arroz acaba trombando com a necessidade de uma ousadia planejada e transforma todo mundo em São Tomé.
O empresário Eliano F. Gulin, diretor comercial da Tecnocurva - Indústria de Peças Automobilísticas Ltda., é um exemplo desse paradoxo: ele, os sócios e os funcionários, apostam nas mudanças - tanto que abraçaram o P.1, plano da Autolatina que coloca a Andersen Consulting dentro de algumas fábricas fornecedoras, através de um convênio entre os empresários interessados, os consultores e o SEBRAE/SP. Mas, ao mesmo tempo, sente que todos querem ver para crer. "Será que vai dar certo?" foi a pergunta mais freqüente dentro da firma no início da implantação das reformas.
Eliano tem certeza de que está no caminho certo. Chegou a ser um dos responsáveis pela catequese interna em favor do projeto. Mas, neste depoimento exclusivo, deixa transparecer que seus hábitos meticulosos, adquiridos depois de tantos anos de sofrimento, estão dando o alarme, apesar das vantagens óbvias: "Meus concorrentes não abraçaram ainda essa idéia, e acho isso positivo", diz, aliviado, por tomar a dianteira no segmento em que atua, a produção de tubos curvados para automóveis, caminhões, ônibus e máquinas agrícolas. Sua preocupação é encontrar o caminho da mudança total, sem mexer com códigos sagrados de sobrevivência.

NA PRÁTICA, A TEORIA PODE MUDAR -

"Cada célula implantada significa um curso para os operadores e os líderes. Mas também aceitamos sugestões, pois quem planejou tem uma visão e quem está trabalhando tem outra. Pode ser que, na prática, a teoria não dê certo. O operador, então, pode dizer que, através de um leiaute diferente, a operação fica mais rápida. Mas esse tipo de sugestão ainda é rara, pois no que mais se fala ainda é em aumento de salário, e todos são obrigados a trabalhar mais para se adaptar. Mas isso é impossível por enquanto: ainda não atingimos os resultados para viabilizar a proposta de aumento. Notei que o novo sistema acabou com o tempo ocioso, já que se trabalha mais no mesmo período de nove horas diárias. Quem se adaptar fica com a gente e recebe os benefícios, e quem não conseguir mudar perde o emprego. Mas não estamos fazendo a implantação sem uma estratégia de convencimento: quando surge qualquer problema na operação, suspendemos tudo e discutimos antes de seguir adiante.
Se eu, como empresário, não atender direito a montadora, vou perder os pedidos e, em conseqüência, não vou poder gerar empregos. É uma cadeia, e a transformação é de baixo para cima: todo mundo terá que rever suas posturas. Por enquanto, o choque de cultura tem sido muito grande, mas, depois de conseguir aumentar nossa produtividade, seremos capazes de lançar novos produtos no mercado, partindo para outros projetos.
Assim, se, por um lado, a mudança significa enxugamento em determinado setor da fábrica, também nos abre a possibilidade de diversificar e aproveitar melhor nossa mão-de-obra. Sentimos que a capacidade ociosa pode ser eliminada apertando o ritmo, o que não significa ficar de chicote na mão, pois existem outros meios mais eficientes. O empresário tem que participar junto com o funcionário: se ele não estiver trabalhando direito, você conversa e procura doutrinar."

É DIFÍCIL VENCER OS VÍCIOS INTERNOS -

"Se a gente não se adaptar aos novos tempos, corremos o risco de ser cortados da lista de fornecedores, pois, hoje, competimos, com preços de concorrentes internacionais, cotados em dólar. As montadoras nos comparam com a indústria de autopeças de outros países, por isso, precisamos ser competitivos, ter melhores prazos de entrega e oferecer qualidade total. É muito difícil dar esse salto: somos uma empresa que começou muito pequena e vem crescendo conforme as circunstâncias. Neste processo, adquirimos muitos vícios e, para consertá-los, enfrentamos dificuldades. Aprendemos a produzir num sistema em que cada passo era uma operação de beneficiamento da peça, que entrava na máquina e demorava para sair, aumentando o tempo de fabricação para quinze dias em média. O torno cortava, depois o lote ia para a máquina de curvar, a seguir entrava na máquina de solda e assim por diante.
Hoje, a Andersen propõe o sistema por célula, no qual a peça entra, faz o ciclo completo e sai pronta em 15 ou 20 segundos. Em um ou dois dias a gente pode aprontar o lote. Mas não chegamos ainda a esse patamar, pois é preciso que todas as doze células estejam funcionando ao mesmo tempo. É difícil mudar um conceito que tem vinte anos aqui dentro. Até mesmo a diretoria fica cética. O medo é perdermos tudo o que já conseguimos. Ao mesmo tempo, todos sabem que não tem mais volta: se você der para trás, o prejuízo vai ser enorme."

O CONCORRENTE PRECISA ESTAR BEM DE VIDA -

"Somos de origem italiana, e meu pai participava com outros três sócios de uma firma do mesmo setor. Nela, não havia lugar para nós, cinco irmãos que procuravam uma colocação, e, por isso, partimos para um negócio próprio. Éramos todos solteiros na época, no início dos anos 70, e montamos uma firma fornecedora de mão-de-obra para as montadoras. Ficamos conhecidos e começamos a pegar alguns pedidos.
Entramos, então, no setor de tubulação, que era o segmento em que meu pai atuava, e fundamos a Tecnocurva, em 1973. Hoje, todos são sócios e eu toco a empresa junto com meu irmão Hélio Golin, que cuida muito para que aqui dentro não haja desperdícios. Optamos pelo não endividamento com os bancos, pois queremos dormir à noite. Seguimos uma administração feijão-com-arroz e analisamos muito bem todas as possibilidades antes de investir.
Prefiro concorrentes sadios em vez de empresas cheias de problemas, pois estas aceitam qualquer preço. Sinto um pouco a falta de entrosamento com outras empresas do setor para definirmos algumas linhas para evitar perda de recursos. Mas, como cada indústria tem seus critérios, fica difícil chegar a um entendimento. O importante é ficar atento ao que o cliente quer e entregar tudo no prazo combinado. Se eu oferecer o preço mais barato, aumento minha participação no pedido.
Tem gente que pensa saber tudo e, por isso, não se renova. Como somos uma firma pequena, vejo que não sei nada e gostaria de aprender novos rumos e maneiras de atuar no mercado. Quando eles nos convocam para um projeto como o P.1, ninguém está brincando, estão falando sério. Para dar certo, é importante firmar um pacto com os funcionários: não podemos puxar as rédeas, mas o sindicato não pode ser também radical demais.
Na minha opinião, o País nunca mais voltará a alcançar o mesmo patamar dos anos 70. Fica difícil acreditar na nossa economia, depois de tanta insegurança."


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