O Feijão-com-Arroz de São Tomé
A indústria brasileira passa por uma situação curiosa. Escaldada
pelos planos econômicos, traumatizada pela morte em massa de centenas de
empreendimentos e obrigada a emagrecer até o desespero, ela transformou-se
num modelo de prudência, para evitar os riscos e permanecer no mercado.
Mas, pressionada pela abertura econômica, sua sobrevivência depende
também de uma reestruturação radical. Assim, a política
do feijão-com-arroz acaba trombando com a necessidade de uma ousadia planejada
e transforma todo mundo em São Tomé.
O empresário Eliano F. Gulin, diretor comercial da Tecnocurva -
Indústria de Peças Automobilísticas Ltda., é
um exemplo desse paradoxo: ele, os sócios e os funcionários, apostam
nas mudanças - tanto que abraçaram o P.1, plano da Autolatina que
coloca a Andersen Consulting dentro de algumas fábricas fornecedoras, através
de um convênio entre os empresários interessados, os consultores
e o SEBRAE/SP. Mas, ao mesmo tempo, sente que todos querem ver para crer.
"Será que vai dar certo?" foi a pergunta mais freqüente dentro da
firma no início da implantação das reformas.
Eliano tem certeza de que está no caminho certo. Chegou a ser um dos responsáveis
pela catequese interna em favor do projeto. Mas, neste depoimento exclusivo, deixa
transparecer que seus hábitos meticulosos, adquiridos depois de tantos
anos de sofrimento, estão dando o alarme, apesar das vantagens óbvias:
"Meus concorrentes não abraçaram ainda essa idéia, e
acho isso positivo", diz, aliviado, por tomar a dianteira no segmento em
que atua, a produção de tubos curvados para automóveis, caminhões,
ônibus e máquinas agrícolas. Sua preocupação
é encontrar o caminho da mudança total, sem mexer com códigos
sagrados de sobrevivência.
NA PRÁTICA, A TEORIA PODE MUDAR -
"Cada célula implantada significa um curso para os operadores e os
líderes. Mas também aceitamos sugestões, pois quem planejou
tem uma visão e quem está trabalhando tem outra. Pode ser que, na
prática, a teoria não dê certo. O operador, então,
pode dizer que, através de um leiaute diferente, a operação
fica mais rápida. Mas esse tipo de sugestão ainda é rara,
pois no que mais se fala ainda é em aumento de salário, e todos
são obrigados a trabalhar mais para se adaptar. Mas isso é impossível
por enquanto: ainda não atingimos os resultados para viabilizar a proposta
de aumento. Notei que o novo sistema acabou com o tempo ocioso, já que
se trabalha mais no mesmo período de nove horas diárias. Quem se
adaptar fica com a gente e recebe os benefícios, e quem não conseguir
mudar perde o emprego. Mas não estamos fazendo a implantação
sem uma estratégia de convencimento: quando surge qualquer problema na
operação, suspendemos tudo e discutimos antes de seguir adiante.
Se eu, como empresário, não atender direito a montadora, vou perder
os pedidos e, em conseqüência, não vou poder gerar empregos.
É uma cadeia, e a transformação é de baixo para cima:
todo mundo terá que rever suas posturas. Por enquanto, o choque de cultura
tem sido muito grande, mas, depois de conseguir aumentar nossa produtividade,
seremos capazes de lançar novos produtos no mercado, partindo para outros
projetos.
Assim, se, por um lado, a mudança significa enxugamento em determinado
setor da fábrica, também nos abre a possibilidade de diversificar
e aproveitar melhor nossa mão-de-obra. Sentimos que a capacidade ociosa
pode ser eliminada apertando o ritmo, o que não significa ficar de chicote
na mão, pois existem outros meios mais eficientes. O empresário
tem que participar junto com o funcionário: se ele não estiver trabalhando
direito, você conversa e procura doutrinar."
É DIFÍCIL VENCER OS VÍCIOS
INTERNOS -
"Se
a gente não se adaptar aos novos tempos, corremos o risco de ser cortados
da lista de fornecedores, pois, hoje, competimos, com preços de concorrentes
internacionais, cotados em dólar. As montadoras nos comparam com a indústria
de autopeças de outros países, por isso, precisamos ser competitivos,
ter melhores prazos de entrega e oferecer qualidade total. É muito difícil
dar esse salto: somos uma empresa que começou muito pequena e vem crescendo
conforme as circunstâncias. Neste processo, adquirimos muitos vícios
e, para consertá-los, enfrentamos dificuldades. Aprendemos a produzir num
sistema em que cada passo era uma operação de beneficiamento da
peça, que entrava na máquina e demorava para sair, aumentando o
tempo de fabricação para quinze dias em média. O torno cortava,
depois o lote ia para a máquina de curvar, a seguir entrava na máquina
de solda e assim por diante.
Hoje, a Andersen propõe o sistema por célula, no qual a peça
entra, faz o ciclo completo e sai pronta em 15 ou 20 segundos. Em um ou dois dias
a gente pode aprontar o lote. Mas não chegamos ainda a esse patamar, pois
é preciso que todas as doze células estejam funcionando ao mesmo
tempo. É difícil mudar um conceito que tem vinte anos aqui dentro.
Até mesmo a diretoria fica cética. O medo é perdermos tudo
o que já conseguimos. Ao mesmo tempo, todos sabem que não tem mais
volta: se você der para trás, o prejuízo vai ser enorme."
O CONCORRENTE PRECISA ESTAR BEM DE VIDA -
"Somos de origem italiana, e meu pai participava com outros três sócios
de uma firma do mesmo setor. Nela, não havia lugar para nós, cinco
irmãos que procuravam uma colocação, e, por isso, partimos
para um negócio próprio. Éramos todos solteiros na época,
no início dos anos 70, e montamos uma firma fornecedora de mão-de-obra
para as montadoras. Ficamos conhecidos e começamos a pegar alguns pedidos.
Entramos, então, no setor de tubulação, que era o segmento
em que meu pai atuava, e fundamos a Tecnocurva, em 1973. Hoje, todos são
sócios e eu toco a empresa junto com meu irmão Hélio Golin,
que cuida muito para que aqui dentro não haja desperdícios. Optamos
pelo não endividamento com os bancos, pois queremos dormir à noite.
Seguimos uma administração feijão-com-arroz e analisamos
muito bem todas as possibilidades antes de investir.
Prefiro concorrentes sadios em vez de empresas cheias de problemas, pois estas
aceitam qualquer preço. Sinto um pouco a falta de entrosamento com outras
empresas do setor para definirmos algumas linhas para evitar perda de recursos.
Mas, como cada indústria tem seus critérios, fica difícil
chegar a um entendimento. O importante é ficar atento ao que o cliente
quer e entregar tudo no prazo combinado. Se eu oferecer o preço mais barato,
aumento minha participação no pedido.
Tem gente que pensa saber tudo e, por isso, não se renova. Como somos uma
firma pequena, vejo que não sei nada e gostaria de aprender novos rumos
e maneiras de atuar no mercado. Quando eles nos convocam para um projeto como
o P.1, ninguém está brincando, estão falando sério.
Para dar certo, é importante firmar um pacto com os funcionários:
não podemos puxar as rédeas, mas o sindicato não pode ser
também radical demais.
Na minha opinião, o País nunca mais voltará a alcançar
o mesmo patamar dos anos 70. Fica difícil acreditar na nossa economia,
depois de tanta insegurança."
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