O Poder de Fogo dos Pequenos
Pequenos e médios empresários são encarados com simpatia, quando colocam a cara para bater no mercado. Mas a situação inverte-se na hora em que juntam forças e conseguem maior poder de barganha nas negociações. A concorrência desencadeada por empreendedores unidos costuma contrariar acordos antigos e ritos monopolistas, mas é a única maneira de escapar das concordatas e falências. Pelo menos, é o que pensa Márcio Spach, diretor da Nutz Brasil e diretor coordenador do Departamento das Indústrias de Confecções de Americana e Região (Dicar).
Sentindo a pressão da concorrência de várias formas, ele acha gratificante saber que as grandes empresas do setor tentaram - e não conseguiram - entrar no nicho de mercado que descobriu e desenvolveu, a produção de criativos sapatos de bebê, fruto de seu convívio com pequenos e médios empresários de Americana, o maior pólo têxtil da América Latina, a 126 quilômetros de São Paulo.
Graças ao associativismo, ele teve acesso a novas tecnologias e metodologias modernas de administração e marketing. Junto com outros empresários que abraçaram a causa, pressionados pela crise, ele começou a expor em feiras, despertando o interesse da mídia.
A Nutz Brasil tornou-se conhecida num mercado traumatizado pela recessão e ameaçado por fantasmas, como a abertura para o exterior.
Falando com exclusividade para esta seção, Márcio Spach revela-se um empresário entusiasmado, depois de ter amargado experiência frustrante em Itu, quando outra empresa de sua propriedade sofreu o abalo da excessiva tributação e foi fechada.
O INTERIOR NÃO CANSA O FUNCIONÁRIO
"Sou da capital, mas prefiro trabalhar no interior, por dois motivos: o preço do metro quadrado é menor e a mão-de-obra tem condições de ser muito mais produtiva. Os custos adicionais, como o transporte, e o stress das grandes cidades costumam esgotar os funcionários.
Como pago menos para ter minha empresa, e o rendimento geral é maior, posso oferecer melhores condições de vida, como creche, alimentação gratuita, convênios médicos e odontológicos. A baixa rotatividade e as facilidades de diálogo também contam".
TECO-TECO DECOLA PARA A FAMA
"Todo mundo conhece o aviãozinho Teco-Teco. Quando registramos esse nome, sentimos a potencialidade da marca. Achamos o produto certo para ela, quando descobrimos uma pessoa que fazia sapatinhos de bebê ainda de forma muito simples. Resolvemos, então, investir para sofisticar os sapatinhos, que são peças muito pequenas e extremamente trabalhosas. Como o valor agregado é muito alto, todos fogem.
Grandes empresas ficaram poucos meses no nosso mercado, mas acabaram desistindo. Hoje, oferecemos todos os tipos desse sapatinho, feito num tecido macio - sem similares nem no estrangeiro - e que são verdadeiras miniaturas dos calçados dos adultos. Isso encanta, principalmente, as consumidoras, que, graças às nossas embalagens transparentes, entram em contato direto com o produto. Resultado: produzo, em média, 20 mil pares por mês, porque essa é a capacidade dos nossos sessenta funcionários, mas, se produzisse 60 mil, vendia tudo."
O PERIGO MORA NO PARAGUAI
"Estamos sendo sondados pela Austrália, pelos Estados Unidos, por Portugal, pela Venezuela e pela Argentina. Os produtos brasileiros de confecção têm nível internacional e, por isso, afastamos o fantasma da importação. Hoje, quem comprou contêineres inteiros de produtos dos 'tigres asiáticos', por exemplo, está vendo o mau negócio que fez.
Os 'tigres', inclusive, desistiram da exportação direta, pois o frete é muito caro, e montaram um gigantesco entreposto no Chile, que exporta para toda a América Latina. Mas isso não nos assusta. O perigo é o Mercosul, principalmente o Paraguai. Várias empresas brasileiras do setor montaram fábricas lá, para se preparar, pois elas tanto vão vender no Brasil quanto exportar para os Estados Unidos, graças a um acordo entre os dois países de alíquota zero.
O GOVERNO FECHOU NOSSA FÁBRICA EM ITU -
"A fábrica que montei junto com um sócio em Itu, especializada em exportação de roupas íntimas, começou a quebrar, quando tivemos que exportar ICM, graças a uma portaria do governo. Em Nova York, quando você passa dos 3% de lucro é chamado de ladrão. Lá, nós tínhamos prestígio e peitávamos concorrências pesadas, mas o aumento de imposto acabou com nossa competitividade.
Não sei por que o governo tomou essa atitude, pois provamos que nosso lucro era mínimo. Nós fazíamos o tecido e, se o fio ficava caro aqui, comprávamos no mercado internacional. Entre 1987 e 1990, exportamos qualidade para ganhar dos asiáticos. Mas, aí, começou a ficar inviável e decidimos desativar a fábrica em Itu e contratar mão-de-obra de terceiros em Santa Catarina."
A UNIÃO ELIMINA O DESESPERO
"Os empresários de confecções de Americana, unidos pelo associativismo, estão negociando um sistema CAD completo, que vai desde a criação até o acabamento das peças e custa US$ 116 mil. Ele elimina até 60% do desperdício. Cem associadas pagam um investimento desses em três meses.
O cooperativismo devolveu o entusiasmo e a esperança em Americana, que conta, na grande maioria, com pequenas e médias empresas. Hoje, voltamos a crescer e sabemos como conseguir financiamentos no banco estadual a juros baixos. É preciso lembrar que nosso setor é o segundo maior gerador de mão-de-obra do País, só perdendo para a construção civil. A Benneton, por exemplo, é um dos muitos frutos de um surto cooperativo de pequenas confecções que houve no nordeste da Itália, a partir de vinte anos atrás."
CRISE GERA QUALIDADE
"Agora, podemos planejar, pois é possível comprar mais barato e ter acesso à tecnologia. Com a tendência à horizontalização, as pequenas empresas, unidas, ficam até mais fortes, pois têm muito mais agilidade. Grandes corporações aqui no Brasil verticalizaram tudo, desde a plantação de algodão até o ponto-de-venda. Mas isso revelou-se ultrapassado: quando muda radicalmente a situação, as gigantescas estruturas não se adaptam com facilidade.
O grande fenômeno da crise é que você é obrigado a ter muito mais qualidade do que no ano anterior. Não só qualidade do produto mas também qualidade como empresa. Hoje, não precisamos enviar amostras, pois vendemos direto, principalmente para grandes magazines. E não é só sapatinho não: entramos no mercado de bonés, aproveitando brechas no mercado. O importante é ter criatividade nas vendas: numa feira, que antecipava os lançamentos de verão, levamos produtos de inverno. Esvaziamos as prateleiras, e os pedidos explodiram.
Tivemos, é claro, uma queda de vendas no primeiro semestre de 1992, mas foi exatamente nessa época que criamos mais ainda, mudando para um prédio maior. Quando você está produzindo muito, ninguém é louco de mudar a fábrica. Aproveitamos a folga e fomos para uma área construída de 1.000 metros quadrados. Como as vendas reaqueceram no segundo semestre, deu certo."
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