Longa Vida para os Calçados de Couro
País rico conserva o que produz, país pobre joga tudo fora. A compulsão pelo descartável, que entranhou no Brasil a partir dos anos 50, só agora começa a ceder espaço. A crise, a abertura do mercado e o despertar do consumidor estão criando o ambiente ideal para novos empresários atenderem um mercado que tem muito a aprender com as lições do Primeiro Mundo.
O engenheiro-agrônomo Gaston Weill, por exemplo, sonhava, há tempos, em fundar uma empresa, mas só viu uma oportunidade numa viagem que fez ao exterior, no final dos anos 80. Tinha levado uma graxa incolor para lustrar seus sapatos, mas ela acabou borrando tudo. A tragédia fez com que fosse à procura de uma loja, onde descobriu um novo produto: uma mousse que recuperava a cor e o brilho originais do calçado de couro, numa variedade impressionante.
Foi a fagulha que, graças à parceria com seu filho Paulo, gerou, em 1990, a Weill Indústria e Comércio Ltda., situada em Campinas - Tel./fax: (0192) 43-9838, e que recentemente lançou na Couro-Moda a Bonton, mousse para calçados com quarenta cores no catálogo, acondicionada em potes translúcidos de vidro. Segundo Paulo Weill, engenheiro mecânico que agora se dedica inteiramente ao empreendimento familiar, o produto define o perfil da empresa, que aposta na pesquisa e na inovação para consolidar-se no mercado.
No depoimento a seguir, Paulo e Gaston explicam como enfrentar a sólida mentalidade do descartável, impondo, com muita cautela, uma idéia inovadora no setor calçadista brasileiro.
A FORÇA DA PARCERIA
"Há uma diferença muito grande entre as sapatarias do Brasil e as do Primeiro Mundo. Lá, existem mais condições para o profissional especializado exercer sua função e equipamentos completamente diferentes em relação a nós. Há um cuidado maior com a apresentação da loja e, graças à mentalidade da população, toda a estratégia está voltada para a venda de produtos de conservação. Esse segmento é tradicional no Brasil e precisa de novas idéias para se atualizar e se desenvolver. É preciso ampliar o leque de opções para que nossas sapatarias possam atender melhor seus clientes.
Esse tipo de carência do nosso mercado estimula-nos mas também obriga-nos a ter muita cautela na hora de definir os rumos. A grande questão que nos colocávamos era se iríamos entrar com grandes investimentos em máquinas para atender a demanda de forma massiva ou começaríamos pequenos para depois crescer. Depois de muita discussão, optamos por começar pequenos e crescer aos poucos, com recursos próprios, não abrindo a empresa para sociedades ou recorrendo a bancos.
Sabíamos que, no caso de um fracasso, a retomada seria quase impossível. Por isso, desenvolvemos nossos equipamentos, trabalhamos, por enquanto, com apenas dois funcionários e estabelecemos parcerias que se revelaram produtivas, como é o caso da consultoria da Unicamp e do SEBRAE/SP. Na parte tecnológica, a Unicamp foi-nos de imensa utilidade e, na organização de uma estrutura empresarial, o apoio do SEBRAE/SP foi fundamental."
PESQUISA MOSTRA CAMINHOS
"Nosso produto é feito à base de ceras naturais, óleos e solventes minerais, fragrâncias e pigmentos. A maior parte das matérias-primas que utilizamos é também usada na indústria alimentícia e de cosméticos. Portanto, o nível de toxicidade é baixo. Além disso, não irrita a pele nem é uma substância gordurosa, podendo ser facilmente removida das mãos. A mousse penetra profundamente no couro, mesmo em locais de difícil acesso, não obstruindo seus poros, permitindo que ele respire livremente. Cada pote tem uma capacidade entre 20 e 25 aplicações, conferindo maior flexibilidade e maciez ao calçado.
Pretendemos comercializar o produto em três vertentes. A primeira é o varejo, a segunda é através dos distribuidores regionais e a terceira é a indústria calçadista, que poderia colocar o nosso produto como um "plus" nos seus lançamentos. Poderíamos, assim, dar maior flexibilidade para o fabricante lançar cores que hoje nem são cogitadas por ele, exatamente pela falta de produtos voltados para a conservação. Nossa intenção é apostar na inovação, contribuindo para o aprimoramento do mercado.
Por isso, investimos em pesquisa e já lançamos também a mousse para acessórios de couro, como cintos e bolsas. Ela está disponível só na versão incolor, para facilitar o uso, diante da grande variedade de cores desses acessórios. Utilizamos tecnologia, matérias-primas e insumos totalmente nacionais, com qualidade e características iguais ou similares aos produtos do exterior."
ABERTURA OBRIGA EMPRESA A PLANEJAR
"Pensando estrategicamente, procuramos cercar os pontos mais críticos e esperamos não ter muitas surpresas. A abertura do mercado está obrigando a empresa brasileira a planejar, e a mentalidade aqui vai mudar. Isso será extremamente benéfico para o consumidor, que passa a ter acesso a produtos melhores e mais baratos.
Mais do que a indústria do setor, é o público que precisa mudar de mentalidade. O preço de um calçado, hoje, está em torno de US$ 100. Ninguém investe esse dinheiro pensando em se descartar imediatamente do produto, principalmente agora, que o poder aquisitivo baixou. No Primeiro Mundo, devido aos períodos de guerra, as pessoas têm uma mentalidade de conservação. Isso começa a ser disseminado por aqui, mesmo entre os que têm mais dinheiro.
Hoje, o que faz a mulher que compra um calçado verde para combinar com a roupa e ele sofre um raspão, por exemplo? Ou encosta o sapato ou pinta. Só que a tinta é um material quebradiço e trinca com a flexibilidade do couro. A mousse, então, soluciona esse tipo de problema. Mas não foi fácil chegar a esse estágio em que nos encontramos. Felizmente, fizemos testes bem-sucedidos de mercado e temos certeza de que nossa mousse veio para ficar."
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