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Os novos gestos da "Mão Invisível" O teórico Adam Smith, que muitos apelidaram de "pai" do capitalismo, cunhou há dois séculos a expressão "Mão Invisível" para designar a forma lógica e espontânea com que um mercado livre se auto-regula, equilibrando variáveis como preço, oferta e demanda. Estivesse entre nós atualmente, o sagaz escocês certamente ficaria surpreso ao constatar que esta Mão vem, cada vez mais, sendo usada para criar, acelerar e impulsionar ações de caráter social. Tudo isto sem deixar de lado suas principais características: a racionalidade, a eficiência e a busca de resultados quantificáveis. Na última década, o Brasil e o mundo vêm assistindo a uma singular mudança de valores na sociedade, marcada por uma forte ampliação do conceito de cidadania. Fruto e ao mesmo tempo contraponto do processo de globalização econômica, tal transformação alterou o modo como as pessoas avaliam seu próprio papel diante do mundo, fazendo uma drástica passagem do conformismo dos anos 80 para uma sede de participação jamais vista na história recente e que tem no acesso à informação um de seus principais combustíveis. Mas talvez o fenômeno mais importante seja o novo papel assumido pelas empresas. Refletindo a insatisfação social das pessoas que as integram e dirigem, as empresas colocaram o apoio a projetos sociais como uma das rubricas de seu balanço. A Mão Invisível passou, então, a emitir gestos de carinho e atenção com a comunidade. No começo, a Mão oferecia donativos e frustrava-se por não enxergar resultados. Em seguida, resolveu arregaçar as hipotéticas mangas e assumiu diretamente a tarefa de interferir na realidade. Veio nova frustração, pois percebeu que desviava seu foco para uma área que não dominava "tecnologicamente". Por fim - e é exatamente esta a grande transformação percebeu que, como o elo intrinsecamente mais organizado da sociedade, deveria contribuir com o que tem de melhor: a capacidade de administrar, oferecer sistemas para medição de resultados e cobrar eficiência. Aí reside o segredo. Empresas socialmente responsáveis optaram por estabelecer parcerias com Organizações Não-Governamentais que dominam a "tecnologia" para a intervenção na sociedade. Ao mesmo tempo, fiel ao destino traçada nas linhas da Mão, cobram resultados concretos e o melhor aproveitamento dos recursos financeiros disponíveis. O real impacto dessas transformações parece ainda não estar claro para os mais céticos. Então, vale apresentar aqui alguns exemplos de como a Mão vem operando, em um processo irreversível. Hoje, importantes organismos financiadores como o BID e o Banco Mundial privilegiam aprovação de recursos para empresas com programas sociais sérios. No Brasil, o BNDES acena com a possibilidade de seguir esta mesma orientação e até mesmo o setor financeiro privado começa a oferecer linhas de crédito baseadas na responsabilidade social. O próximo passo deverá ser a cobrança por resultados, ou seja, que os projetos apoiados profissionalmente não sejam apenas bem intencionados, mas capazes de levar à inclusão social de pessoas hoje marginalizadas. Este pode ser o começo de uma verdadeira revolução. Toda essa mudança de perspectiva tem na base quatro pilares. O primeiro é macroeconômico e demonstra o já citado descontentamento com os efeitos da globalização, que prometia aumento exponencial da riqueza para todos e só fez crescer o fosso entre os países pobres e ricos. Tal descontentamento tem como principal ícone o Fórum Social Mundial. O segundo pilar é justamente o surgimento de uma sociedade mais disposta a reagir e participar. Sinais disso não faltam na história recente. O movimento ambientalista, a enorme adesão ao Ano Internacional do Voluntariado e a rejeição generalizada na Europa às idéias do candidato de extrema direita Le Pen na França são parentes próximos de eventos ocorridos no Brasil, como o impeachment de Collor, a aprovação da Lei de Responsabilidade Fiscal e da popularização do Código de Defesa do Consumidor. O terceiro aspecto é o nascimento e rápida consolidação do que é hoje chamado de Terceiro Setor, idéia que extrapolou o mero associativismo. Os números falam alto para demonstrar a força desse fenômeno. Em dez anos, o total de ONGs em operação no Brasil passou de 38 mil para 235 mil. Nos EUA, os registros beiram um milhão e meio de entidades. O último pilar marca o nascimento do conceito de Responsabilidade Social, que é a representação de todos os enfoques anteriores dentro do ambiente empresarial. Dados da III Pesquisa Nacional sobre Responsabilidade Social nas Empresas, realizada junto a 2.330 empresas de todos os portes pelo Instituto ADVB de Responsabilidade Social reforçam a tese de que este novo comportamento empresarial está consolidado também no Brasil. O trabalho mostrou que 88% das corporações pesquisadas desenvolvem algum projeto social voltado à comunidade e que em 98% dos casos este processo tem o envolvimento direto do alto escalão. As ações implementadas atendem, prioritariamente, a jovens e crianças. As boas notícias não param por aí. Comparados com os investimentos anunciados na última edição da pesquisa, o aporte médio anual de cada empresa passou de R$ 140 mil para R$ 205 mil. O mesmo levantamento também identificou a intenção de aumentar em 30% os investimentos nessa área em 2003, sendo que 63% das companhias planejam aumentar o número de projetos apoiados. As parcerias com ONGs especializadas neste trabalho foram apontadas como forma escolhida para atuar em 94% dos casos. E para os que ainda vêem o investimento social como apenas mais uma ferramenta dissimulada de marketing corporativo, a pesquisa traz ainda outra surpresa agradável: 88% das empresas afirmam não conhecer a influência dessas ações sobre a opinião do cliente ou potencial consumidor. A nova Mão Invisível faz com que a transformação social seja vista como tarefa de todos. Empresas, governos, ONGs, fundações e o cidadão formam os dedos encarregados de tecer, como hábeis artesãos, um novo e melhor tecido social. |
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