Empresários do Futuro

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Foto - Carmy
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O Duro Aprendizado do Negócio Próprio

Novas posturas diante da vida e muita disposição para enfrentar dificuldades de toda a ordem fazem parte da iniciação na vida empresarial

Tornar-se empresário exige um batismo de fogo pelo qual poucos conseguem passar com sucesso. Muitas vezes esse processo leva a um amadurecimento forçado, independente da idade ou da experiência profissional do aspirante a ter o negócio próprio. Ainda mais num país como o Brasil, tão compulsivo por regulamentações e decretos quanto criativo na forma de burlá-los, a iniciação na vida empresarial normalmente implica uma reconsideração de valores e comportamentos.

Pessoas que se habituaram a ver o mundo a sua volta sob a perspectiva de empregados - sem maior envolvimento com os negócios da empresa como um todo - acabam percebendo que ser empresário é muito mais complexo do que parece à primeira vista. Há os que detectam logo cedo que, para montar um negócio, precisam antes preparar-se adequadamente, tanto técnica quanto psicologicamente, sob o risco de ver seu projeto fracassar ainda no berço.

Mas a regra geral é que as pessoas acabam aprendendo que há muita mistificação sobre a atividade empresarial. A imagem de que ser patrão significa enriquecer rapidamente e pode mandar em tudo e todos é um dos primeiros mitos a cair por terra. Pelo contrário, trata-se de um aprendizado que pede muita dedicação, persistência e fé na concretização do sonho.

E, às vezes, exige até recuos táticos e uma boa dose de paciência para saber o momento certo de começar. Esse foi o caso, por exemplo, do estudante de Administração de Empresas da FEA-USP Miguel Sugai, de 22 anos.

Depois de pesquisar junto ao SEBRAE/SP como iniciar uma empresa de produtos de informática, ele resolveu que ainda não era o momento adequado de virar empresário. Com experiência profissional incipiente ainda, percebeu que deveria trabalhar um pouco mais como empregado antes de se lançar num vôo próprio. “Se eu me aventurasse agora poderia quebrar a cara. No Balcão do SEBRAE/SP fui orientado no sentido de conseguir antes um emprego nessa área para aprender como gerenciar uma empresa e os aspectos técnicos que normalmente não se aprendem numa faculdade”, afirma Miguel.

Na medida em que foi pesquisando, ele também mudou sua visão da atividade empresarial. “Percebi que ter uma empresa não quer dizer que você vai poder fazer tudo o que imagina. Nesse processo, as máscaras vão caindo e aparece a realidade”, diz. “Ser empresário pressupõe a capacidade de gerenciar e lidar com as pessoas. Se você não entra nessa história com uma visão realista, acaba fracassando.”

Foto - IsmaelSe para Miguel Sugai o sonho pôde ser adiado, para Ismael Strutensky de Macedo, 56 anos, viabilizar a própria empresa foi a única saída para contornar as limitações impostas pelo mercado de trabalho a pessoas de mais idade. Tecnólogo formado em projetos de maquinários pelo Liceu de Artes e Ofícios de São Paulo e formado em Administração de Empresas, Ismael trabalhou por trinta anos em áreas técnicas e administrativas de multinacionais.

Apesar de toda essa vivência profissional, a primeira tentativa de Ismael de virar empresário, fracassou. No entanto, ele resolveu tentar de novo, com uma firma voltada ao desenvolvimento de produtos para o ramo serigráfico, como molduras de alumínio para esticador de tela e mesas giratórias tipo carrossel. A Iaci Comércio e Indústria vai produzir ainda suportes para aparelhos de vídeocassete e outros acessórios em alumínio.

“Os microempresários não têm nenhum incentivo. O banco só empresta para quem tem dinheiro, e o empresário se sente até constrangido na frente do gerente”, admite. “Mas a maior dificuldade é mesmo a burocracia. Mesmo tendo nível superior e com toda a minha vivência em empresas de grande porte, foi difícil cumprir todas as exigências burocráticas e legais.”

Ismael também sentiu na própria pele os efeitos perversos de um mercado altamente fechado. “Dependo do monopólio para comprar alumínio. Como a minha empresa é nova, tenho que comprar tudo à vista. E, como compro pequenas quantidades, fico na mão dos atravessadores, que cobram muito mais caro pela matéria-prima”, indigna-se.

A vontade de Ismael de viabilizar sua empresa e gerar empregos ainda esbarra no pesado fardo dos encargos sociais. “Tenho muito trabalho e poderia estar repassando isso para outras pessoas, mas não posso pagar todos os encargos incidentes sobre o salário de um empregado.”

A alta carga de impostos e a excessiva burocracia também são apontadas por Carmy Pereira como um grande obstáculo para o nascimento de mais empresas no País. Com a experiência de gerente administrativa de vendas e o gosto pela arte do crochê e da tapeçaria - uma tradição de família -, essa recifense, que veio para São Paulo, decidiu que não quer mais ser empregada e pretende montar uma loja de artesanato. Para isso, já conta com a produção de sua mãe e de sua irmã, que continuam no Recife fazendo lençóis, conjuntos de cama, mesa e banho, tapeçaria fina e panos de cambraia de linho com bordados para bandejas de prata.

Carmy também já teve sua história de insucesso como empresária. Em 1990 começou a representar materiais escolares, hospitalares e de limpeza. “Com o Plano Collor tive de fechar, porque os clientes passaram a pagar com muito atraso e fiquei sem capital de giro. A saída foi vender todos os equipamentos e fechar a empresa”, lembra.

A partir dessa experiência, ela acredita agora que o melhor é evitar logo de início despesas muito altas. “Optei por montar uma loja em multishopping, porque o contrato de locação é mensal e pode ser renovado. Se em um determinado ponto não se está vendendo bem, pode-se escolher outro local para se estabelecer”, afirma.

Mas, para alugar uma loja num multishopping, Carmy tem de abrir uma empresa. E, para dar entrada na documentação, necessita de um ponto comercial. O problema é que ela mora em apartamento, que não pode ser usado como endereço comercial. “Esse tipo de exigência leva as pessoas a burlarem a lei, fazendo um contrato frio com o proprietário de uma casa só para ter um endereço comercial”, diz.

A funcionária pública Roberli Maria Guariglia vive o mesmo drama de Carmy. Também moradora de um apartamento, ela concorda em que o governo deveria facilitar a vida de quem quer estabelecer-se. Roberli complementa seu salário com a produção caseira de ovos e coelhos de chocolate, pirulitos para festas infantis, caixas de bombons e trufas.

Com uma clientela formada basicamente por amigos e colegas de trabalho, ela conta com a ajuda de sua mãe e filhas nessa empreitada, que lhe rende cerca de R$ 800,00 por mês. “A minha idéia é ter uma loja. Mas pretendo instalar uma empresa de distribuição de chocolates, porque assim não precisaria de imediato alugar um ponto comercial”, afirma Roberli.

Já para Leo Cláudio Assumpção, que fundou a Serral-Tec Serralheria Técnica Ltda., montar o negócio próprio está sendo uma oportunidade de começar tudo de novo. Formado em Contabilidade, ele resolveu deixar a empresa onde tinha um bom emprego como analista de controladoria para se associar a um compadre na montagem de uma oficina de serralheria. “Eu estava chateado por trabalhar em grandes empresas. Recentemente tinha até recebido uma promoção, mas percebi que não estava adaptando-me à nova área e que tinha chegado a um ponto da carreira em que qualquer avanço seria mais difícil”, explica. “Por isso, achei que seria interessante arriscar-me no negócio próprio.”

A Serral-Tec faz grades, portas e janelas e está desenvolvendo também uma nova opção de carretéis de madeira para fios. “Os carretéis de madeira convencionais quebram muito fácil durante o uso. Os nossos carretéis terão um reforço em chapa de ferro para evitar o desgaste”, explica Leo. “Como empregado, a minha única preocupação era executar um trabalho da melhor forma possível, sem me preocupar com os outros problemas da empresa. E hoje tenho que atentar para todos os outros aspectos do negócio, como a procura de clientes e a administração do capital, que é pequeno. Mas mesmo assim me sinto muito gratificado pela opção que fiz.”

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Publicado na Revista Sala do Empresário - Edição nº 08
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