Empresários do Futuro

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Empreendedores desde Criancinhas

Alguns exemplos de como formar uma nova geração de talentos empresariais

MíriamA história está repleta de exemplos de grandes empresários, não só dos que nasceram em “berço de ouro” como também dos originários de famílias sem dinheiro. São pessoas com o dom inato de empreender ou que tiveram na infância e adolescência algum incentivo nesse sentido. Cada um desses empresários, a seu tempo, contribuiu para a consolidação econômica de seus países. No Brasil, país com excesso de mão-de-obra e extensas áreas ainda pouco exploradas, sempre prevaleceu a idéia de formar os jovens para disputar um mercado de trabalho cada vez mais restrito. Porém, nos últimos tempos, algumas iniciativas isoladas tentam mudar essa mentalidade, buscando incutir nos adolescentes a idéia de gerir negócio próprio, plantando, dessa forma, a semente do que poderá vir a ser uma nova geração de talentos empresariais.

Criada e coordenada pela empresária e economista Míriam Lee, a Associação Projeto Realidade constitui um desses exemplos de pioneirismo. É formada, basicamente, de espaço onde crianças de origem humilde travam contato direto com o mundo dos negócios, exercitando a criatividade como miniempreendedores, alimentando os sonhos de, um dia, se tornarem empresários. “Passei um ano estudando como implementar o projeto e mais um ano treinando as crianças e tentando convencer os empresários a nos apoiar”, revela Míriam Lee. O Projeto Realidade representa a concretização do sonho de uma mulher de quem o destino exigiu prova de determinação, perseverança e competência administrativa (ver box).

As manhãs de sábados e domingos (das 8 às 12h) ganharam mais vida no número 427 da rua Carlos Botelho, no Brás. Ali, num galpão onde há alguns anos funcionou a indústria da família da empresária, a Metalúrgica Sueden, quarenta crianças assumem seus postos no comando dos boxes do minimercado. Com cadernetas, anotam tudo o que vendem, exercendo o controle do estoque e já pensando nos produtos que posteriormente terão de comprar para a manutenção do negócio. Durante o horário das vendas, em momentos em que diminui o movimento, os pequenos “comerciantes” recebem aulas de economia, em que a “professora” Míriam Lee, com muita criatividade, utilizando bonecos coloridos, ensina como a economia funciona. “É uma escola viva”, diz Míriam Lee. “As crianças ficam superentusiasmadas com a possibilidade de virem a ganhar dinheiro.”

Para concretizar a idéia, ela foi atrás das empresas. A Construtora Mendes Jr., por exemplo, reformou o galpão, a Compacta montou os estandes e a Jonhson, a Nestlé, a Alpargatas, a Lacta e a Antarctica doaram os produtos para que os “comerciantes” pudessem “dar o pontapé inicial” no empreendimento. As doações garantem o funcionamento do minimercado por três meses. Depois desse prazo, os próprios meninos já têm condições de renovar os estoques com o dinheiro obtido nas vendas.

Foto - MozartA propaganda, indispensável para o êxito do negócio, está a cargo das próprias crianças nas ruas do bairro. Durante a semana, elas distribuem folhetos convidando os moradores a visitar o local e lá efetuar as compras de gêneros alimentícios. Nesse trabalho de divulgação, contam com a valiosa colaboração da paróquia do Brás, que apoiou o projeto em todas as etapas.

Filha de faxineira, Regiane dos Santos, estudante, agora vende balas no minimercado e não mais nas ruas do Brás como antes. “Quero ser rica, montar minha loja de chocolates, balas e bombons. Quero ter meu próprio negócio quando crescer, a fim de poder ajudar minha mãe. Sei que não é fácil, precisa muito estudo, mas vou ajudar as crianças pobres, dando emprego a elas. Quero ter dinheiro e, com negócio próprio, terei mais oportunidades de vencer.”

Mozart da Silva Rodrigues, também já trabalhou com vendas de sorvetes e salgadinhos em Ferraz de Vasconcelos, na Grande São Paulo. Seu sonho é montar uma loja de roupas e sapatos. “Gosto de vender e ainda vou ter muito dinheiro”, acredita. Sua mãe, Creusa Maria dos Santos, doméstica, aprova a iniciativa. “Muita gente acha que é cedo para encaminhar o filho a essas atividades, mas entendo que não. Devemos estimular desde cedo a vocação da criança para já formar a idéia do que, futuramente, quer ser na vida.” A mãe de Regiane, Waldelice Ferreira da Fonseca, pensa da mesma maneira: “Acho que ela terá melhores condições de vencer na vida quanto mais cedo aprender coisas desse tipo. É um incentivo à evolução da pessoa.”

Na visão de Míriam Lee, “a sociedade precisa aceitar o fato de que o dinheiro é elemento importante no processo de crescimento da pessoa, por isso deve prepará-la para ganhar dinheiro desde a infância”. Considera que o Brasil está saturado de cursos profissionalizantes e as escolas tradicionais de Administração servem apenas aos “filhinhos de papai”.

Mas os escolhidos para participar do Projeto Realidade precisaram preencher importante requisito: não ter envolvimento com delinqüência e possuir alguma experiência com vendas, como, por exemplo, comércio de balas nas ruas, sorvete na escola etc. “Dessa maneira, apenas organizamos a ação deles, pois instintivamente já empresariavam. A maioria não tem pai e precisa ajudar a mãe de alguma forma”, explica Míriam Lee.

Um pouco mais antiga, a Associação Empresários para o Futuro é outra organização voltada para a formação de empreendedores. Fundada em 1983 com a finalidade de complementar a formação dos estudantes com informações práticas sobre a economia de mercado e a estrutura empresarial, é financiada exclusivamente pela livre iniciativa e atua em todo o território nacional, sob credenciamento da Junior Achievement, entidade fundada em 1919 por empresários nos Estados Unidos. Os programas contam com a participação efetiva de pessoas com experiência prática no mundo dos negócios. Diferentemente da Associação Projeto Realidade, que resulta do trabalho quase solitário da empresária Míriam Lee, mais de 120 empresas contribuem com recursos humanos ou financeiros para que cerca de mil jovens possam participar anualmente, assessorados por mais de 150 voluntários, do programa Mini-Empresa/Junior Achievement.

A Associação Empresários para o Futuro estabelece parcerias com escolas e empresas para dar cursos e desenvolver atividades práticas de gestão de empresa. Qualquer escola de primeiro e segundo graus, da rede pública ou particular, pode participar do projeto.

Foto - MariluCada miniempresa é formada por vinte estudantes. A escolha ocorre durante as apresentações do programa nas salas de aula. Quando o número de interessados supera o de vagas, realiza-se sorteio entre os pretendentes. Podem participar alunos de 15 a 18 anos de idade, que estabelecem e administram uma miniempresa por quatro meses, reunindo-se durante meio expediente, uma vez por semana, de modo a não atrapalhar os estudos.

Assessorados por profissionais voluntários oriundos das empresas associadas, tais jovens escolhem um produto a ser fabricado, levantam o capital necessário para iniciar o empreendimento, organizam a administração, elegendo o presidente, que, por sua vez, nomeia a diretoria, compram materiais e matéria-prima, pagam salários e comissões, recolhem encargos e impostos e buscam o lucro. No final do período, a empresa é encerrada tendo os seus resultados financeiros repartidos entre os acionistas.

Fernando Pallavicini, participou da experiência. “Foi muito importante para mim em todos os aspectos. Mudei até mesmo a maneira de ler os jornais”, admite, com entusiasmo. “Antes, eu só lia o caderno de cultura e a seção de quadrinhos. Agora, leio também as páginas de economia e política, porque sei que para alcançar êxito empresarial é necessário ter visão mais abrangente da economia. Também aprendi a administrar melhor o tempo, a relacionar-me de modo mais profissional com as pessoas e tenho certeza de que as coisas que aprendi serão úteis no futuro, quando eu for montar um negócio.”

Também Wilton Caçador, considera-se privilegiado por ter participado de uma miniempresa no segundo semestre de 1993, quando tinha 15. Há um ano, administra sozinho o açougue e a loja de embutidos da família, em Campo Limpo, zona sul de São Paulo. “Já ajudava no açougue, então, depois do curso, minha família ganhou mais confiança em mim e deixou que ‘tocasse’ o negócio. A miniempresa constituiu experiência muito importante na minha vida. Saí de lá com vontade de ser empresário, de ampliar os negócios da família.” Segundo Wilson, trabalhar por conta própria é promissor. “Considero-me privilegiado: estou alguns quilômetros à frente de quem não fez o curso. Foi ótima a sensação de ser miniempresário, pois é gratificante conferir os resultados do próprio esforço.”

A partir do momento em que a escola estabelece parceria com a Associação Empresários para o Futuro, é feita prospecção para identificar uma empresa próxima ao colégio, disposta a abrir espaço para o funcionamento da miniempresa e contribuir com taxa anual de R$ 2.800,00 para associar-se ao programa. Atualmente, cem empresas contribuem dessa forma com o projeto, outras nove colaboram com anuidade de R$ 6 mil e há mais sete mantenedoras que participam anualmente com cotas maiores ainda.

O investimento compensa, atesta Luiz Francisco Romeo, vice-presidente de Recursos Humanos da Spal-Coca-Cola. “Já estamos há dois anos participando do projeto das miniempresas. Tem representado excelente experiência, pois trata-se de oportunidade aos nossos executivos de exercitarem a função de instrutores, abrindo os horizontes dos adolescentes para um futuro melhor.”

Wilma Oliveira da Silva Ragazzi, coordenadora da miniempresa instalada na Ford Indústria e Comércio (FIC), em Guarulhos, é outra entusiasta da iniciativa. “Temos certeza de que estamos dando contribuição importante para o adolescente enquanto pessoa e profissional. A miniempresa certamente o ajuda a definir melhor o destino com as próprias mãos. A empresa ganha também, porque acaba estreitando o relacionamento com a comunidade.”

Segundo Marilu Steinmann, gerente-geral de Marketing & Operações da Associação Empresários para o Futuro, a maioria das escolas brasileiras não passa para o aluno visão mais ampla da economia. “Nas salas de aula só se abordam as carreiras de forma superficial, e o estudante sai do Colegial prestes a fazer a escolha do que seguir na vida, sem informações suficientes sobre o rumo a tomar. Acredito que estamos propiciando aos jovens informações para escolher melhor o seu destino. Estamos abrindo suas cabeças para a possibilidade de tornarem-se empreendedores se assim o desejarem. Queremos mudar mentalidades.”

Nessa linha atua, em menor escala, o Instituto Liberal, que já distribuiu 2 milhões de cartilhas nas escolas de primeiro grau de todo o País, explicando os princípios do liberalismo. São cartilhas bastante didáticas, ilustradas pelo Maurício de Souza, com personagens da Turma da Mônica. “Essa Cartilha do Cidadão tornou-se um êxito, e já lançamos outra voltada para o segundo grau”, informa Jacy Mendonça, presidente do Instituto Liberal. Simultaneamente, a entidade também promove encontros com professores capacitando-os a tornarem-se propagadores das idéias liberais e, em conseqüência, de vocações de empreendedores.

Mais espaço para a livre iniciativa

“Ouvir ‘não vai dar certo’ é combustível para mim.” A frase, dita por Míriam Lee, dá a exata dimensão da garra e da perseverança dessa mulher, que, em 1960, grávida, e com menos de 20 anos, teve de assumir, com a morte do esposo, o comando da Metalúrgica Sueden, sem nada entender de administração.

“Era casada com separação de bens. Mas tinha a responsabilidade de gerir as coisas para meu filho. Resolvi enfrentar o problema, apesar das opiniões contrárias de familiares”, relembra. “Não vai dar certo”, “lugar de mulher é em casa”, “ela vai se estrepar” - eram as frases que Míriam Lee ouvia quando decidiu enfrentar o desafio.

Como não tinha experiência no negócio, acabou “inventando” uma estratégia. “Durante o dia fingia que sabia administrar, pois não podia demonstrar desconhecimento do trabalho e, à noite, tomava aulas particulares.”

Com determinação, Míriam Lee cumpriu sua missão: consolidar a Metalúrgica Sueden para poder entregá-la ao filho Dimitri, logo que atingisse a maioridade. Hoje, a Sueden funciona em Sorocaba, depois que Dimitri Lee resolveu transferir o controle acionário da empresa a terceiros, para poder atuar em outra área.

Após formar-se em economia, Míriam Lee trabalha atualmente na empresa que montou, a agência de turismo Alfa. Na sua visão, a sociedade precisa abrir mais espaço à livre iniciativa. “Não podemos olhar nossos jovens apenas como mão-de-obra, pois muitos deles poderão tornar-se empresários e dar empregos a outras pessoas futuramente.”

Seus planos não se resumem à Associação Projeto Realidade. “Meu sonho agora é fundar uma Escola de Empreendedores, em nível de segundo grau, que constitua opção àqueles que não querem freqüentar um curso técnico profissionalizante. É nisso que o mundo está apostando, pois a história do coletivismo já provou que não dá certo. Se o Brasil quer crescer, precisa contar com mais empresários.”

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Publicado na Revista Sala do Empresário - Edição nº 09
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