Pouso Forçado no Chão da Fábrica
Apesar da imagem de pura ostentação, o carro importado, pelo menos,
já serviu para alguma coisa realmente útil: deu um susto nos empresários
nacionais do setor. Qualidade, atendimento e futuramente preço fazem tremer
fabricantes e fornecedores da indústria automobilística, acostumados
a trabalhar com rede de proteção. A procura crescente por importados,
espécie de vingança da demanda reprimida dos consumidores, obrigou
pessoas como o administrador de empresas Alcir Fragoso - diretor da
Fábrica de Máquinas e Equipamentos Fameq Ltda., localizada na
Vila Anastácio, em São Paulo - a fazer um pouso forçado no
chão da fábrica.
Convocado pelo seu cliente, a Autolatina, junto com outras empresas de autopeças,
ouviu um conselho: deveria mudar, sob pena de fechar. Ele precisou, então,
abandonar todos os antigos hábitos e mexer com a estrutura e o ritmo da
produção de 150 itens que fabrica atualmente, desde reclinadores
e trilhos para bancos até suportes para escapamentos e pára-choques
e estampados em geral. Em convênio com o SEBRAE/SP, adotou os princípios
da Andersen Consulting e foi o primeiro empresário do grupo a dar carta
branca para a radical transformação.
"Hoje, as peças não passeiam mais pela fábrica",
diz Alcir, um ex-office-boy, filho de feirante e neto de carroceiro, que, em 1981,
quando comprou a Fameq praticamente falida, tinha apenas 26 anos. "Fiz a
pior proposta, mas a única que seria cumprida", relembra o empresário,
que, como todo mundo, precisou enxugar quadros depois do desastre dos planos econômicos.
Neste depoimento exclusivo, ele garante que a mexida dos consultores serviu para
mudar a mentalidade dos diretores, motivar os funcionários, aumentar a
produtividade e dar os primeiros passos para a sua indústria enfrentar
a pesada concorrência estrangeira.
UMA NOVA CÉLULA DEPOIS DO CARNAVAL -
"Eu achava que estava certo na minha maneira de administrar a fábrica.
Mas, em setembro de 1992, a Autolatina convocou seus fornecedores e explicou que
a ameaça do carro importado nos obrigava a automatizar e a aumentar a produtividade,
melhorando a qualidade e reduzindo o preço. Pois, se não fizéssemos
isso, fecharíamos as portas, junto com a própria Autolatina.
Uma viagem que fiz ao Chile também pesou na minha decisão. O guia
mostrou cinco montadoras que fecharam as portas depois da abertura do mercado.
Um mês depois dessa reunião, abracei o projeto de reestruturação
P.1, junto com outras nove empresas. A Andersen Consulting veio aqui, fotografou
e filmou tudo, entrevistou-nos e depois mostrou um projeto que, a princípio,
parecia impossível realizar. Eles montaram um novo leiaute, que foi implantado
no carnaval passado e está revolucionando a fábrica, com resultados
incríveis.
Nos filmes, eles mostraram que nossas peças ficavam passeando por toda
a fábrica e provaram, na prática, que o sistema de células
era muito mais eficaz. Hoje, a peça entra na célula e já
sai pronta e embalada. Em cada célula foi medida a produtividade e determinada
sua meta e estabelecido seu objetivo. Se os funcionários conseguem atingir
o objetivo, ganham um prêmio equivalente a 20% do salário. E, quando
a célula pára, o próprio funcionário liga uma lâmpada
que fica piscando. Ele pede apoio para que sua unidade não fique parada
e ele consiga ganhar o prêmio."
EFEITO DOMINÓ EM TODOS OS SETORES
"Com a nova mentalidade, estamos agora reformando vestiário, refeitório,
acomodações. Em dez anos, eu jamais me tinha tocado do desconforto
a que o operário está sujeito durante o trabalho. Compramos, então,
cadeiras confortáveis, que causaram grande efeito interno. Alugamos fitas
de cursos específicos sobre o funcionamento da fábrica, e os consultores,
além de acompanhar nossa rotina anotando tudo e dando sugestões,
fazem, também, palestras de trinta minutos sobre os novos hábitos
que devemos implantar.
Sentimos os efeitos no mês seguinte ao início do projeto: em fevereiro,
vimos que todos estavam motivados e, a partir de março, não tivemos
mais nenhuma falta. Contratamos os serviços do Senai, que enviou instrutores
aqui para ensinar todo mundo a trocar as ferramentas, o que antes era feito por
apenas cinco pessoas e significava perda de tempo na hora em que precisávamos
atender pedidos de urgência.
Agora, todo mundo já sabe trocar a ferramenta, e, de um dia para outro,
a pedido do cliente, podemos fabricar 10 mil peças de um novo item que
nem estava programado. Outra coisa que nos deu muita agilidade foi a informatização
da empresa. Tudo isso influi nos nossos resultados: com cem funcionários,
estamos produzindo 15% mais a cada mês, utilizando a metade do espaço
anterior, que era de 1,5 mil metros quadrados."
NINGUÉM MAIS FICA ENROLANDO -
"A partir do
segundo semestre, acredito que poderemos já baixar o preço das peças,
dar aumento de salário, distribuir uniformes para os funcionários
e garantir uma cesta básica para cada um. No início da reestruturação,
eu fiz reuniões com grupos de dez e falei que eles precisavam comprometer-se
comigo para tudo dar certo. O importante é que você não tem
mais ninguém enrolando nas células. Se um não produz, os
outros não admitem, pois ficam com medo de não ganhar o prêmio.
Instituímos também uma gratificação de 25% do salário
a cada três meses para quem não faltasse. Em um ano, isso significa
um décimo quarto salário. Costumo dizer que o coração
da empresa está lá embaixo, no chão da fábrica, e,
se lá existe motivação, tudo corre bem.
Os consultores sugeriram que levássemos os funcionários para as
montadoras, para que eles vissem onde são colocadas as peças fabricadas.
Isso provocou um grande impacto. Hoje, antes de um técnico ou um vendedor
nosso começar a trabalhar, ele faz uma visita à Autolatina para
ter consciência da função do que produzimos aqui."
PLANEJAR É CRESCER
"Quando souberam o que eu estava fazendo aqui, muitos empresários
disseram que era uma loucura. Mas argumentei que, antes, nós não
sabíamos trabalhar. Mudar é o seguinte: você começa
a fazer diferente, tem que parar, faz de novo até se adaptar. Para fazer
isso, o empresário precisa abandonar sua área de conforto e ir para
o chão da fábrica. O empresário tem que deixar de ser egoísta
e treinar seus funcionários. Pois, mesmo correndo o risco de perdê-los,
vai chegar um momento em que eu vou contratar pessoas que foram treinadas em outra
fábrica e vice-versa. O mercado ganha com a qualidade da mão-de-obra.
Acredito que, a partir de 30 de junho deste ano, quando termina a implantação
do P.1, estaremos em condições de atender a avaliação
da ISO 9002 e de reivindicar mais da Autolatina, aumentando a cotação
de pedidos. Com isso, vamos comprar equipamentos modernos, pois tudo aqui está
ficando obsoleto. Fomos a uma feira de equipamentos, e os operários levaram
um susto com a automatização, pois sentiram que iriam perder o emprego.
Falei que a solução era mais treinamento especializado".
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