Segredos para Planejar
Em seis anos de vida empresarial, a presidente da Phytoervas - www.phytoervas.com.br -, Cristiana Arcangeli, enfrentou sete planos econômicos. Em vez de ir à falência, trabalhando num setor considerado supérfluo, o dos cosméticos, ela evoluiu de uma garagem da Vila Olímpia, em São Paulo, com apenas três ajudantes, para uma ampla sede no sofisticado bairro de Alphaville, onde comanda hoje 250 funcionários e administra um faturamento anual de US$ 19 milhões. Para ela, que cresceu na crise, é possível planejar 1993, apesar das projeções assustadoras. "Não me deixo influenciar pelo noticiário", diz Cristiana, que falou com exclusividade para esta seção. "Não desisto de fazer as coisas porque o presidente vai cair ou a política econômica vai mudar. Sigo o mercado e faço o que o consumidor está me pedindo." Obedecendo regras básicas como essa, ela conseguiu não só sobreviver ao Plano Collor mas também tomar espaço da concorrência e consolidar sua empresa, fundada contra os conselhos da família, toda ela - pai, irmão e ex-marido - formada por empresários. Para implantar a Phytoervas, ela precisou de empréstimos bancários, que, na época do Plano Cruzado, estavam a juros 2 a 3% ao mês. Quando, em 1987, eles pularam para 30% ao mês, a empresa quase foi à falência. Esse trauma foi uma lição inesquecível. Os segredos da sua estratégia - responsável pelo sucesso de um empreendimento de cosméticos naturais que hoje é também uma distribuidora de marcas internacionais de primeira linha - estão sintetizados a seguir.
ESTOQUE É CAPITAL DE GIRO
"É preciso acreditar no seu produto e no seu mercado e fazer o que sabe e gosta. Não sei trabalhar no mercado financeiro, mas conheço o meu setor, por isso, o dinheiro excedente está aplicado no estoque, que é o meu capital de giro, o meu dólar. Na época do Plano Collor, quando as empresas tinham aplicado tudo no mercado financeiro - a inflação chegava a 87% ao mês -, eu apostava em estoque. Diziam que era uma loucura, que eu não iria conseguir, mas os preços dos estoques estavam aumentando 100% ao mês. Eu achava que compensava. Quando veio o congelamento e todo o dinheiro ficou preso, ninguém tinha matéria-prima e as prateleiras de supermercados começaram a ficar vazias. Mas eu estava com fôlego para seis meses. Não tinha dinheiro, como todo mundo. Parei de comprar, controlei os meus gastos ao máximo e comecei a vender. Ocupei então o espaço da minha concorrência inteira. Ganhei mercado, confiança dos meus clientes e não precisei demitir ninguém. Em dois meses, eu refiz meu capital de giro e recomecei a trabalhar normalmente. Não entrei em banco nem meia hora. Não posso endividar-me, porque xampu não paga juro de 1% ao dia. A matéria-prima que usamos é comum a vários produtos - temos oitenta itens. O estoque de produtos acabados é de mais ou menos quinze dias de vendas, mas o resto é material que você pode colocar num ou noutro item, dependendo do que o mercado está consumindo."
NÃO EXISTE XAMPU DE OVO
"Dá para colocar ovo em xampu? É claro que não, mas era assim que o mercado se comportava, sem a mínima preocupação com os clientes. Como consumidora, eu sentia necessidade de um produto natural de qualidade. Muitos xampus tradicionais enferrujam até a prateleira, de tanto sal que contêm. Vendendo a preços baixos, esse tipo de concorrência detinha, na época, 51% do mercado, hoje só tem 16%. As pessoas de nível econômico um pouco mais alto ficavam sem opção, pois a importação estava fechada. Ou ela viajava, ou comprava nessas lojinhas de japonês. Existia o Boticário, que faz revenda por franchising, e a Natura, que só vende de porta em porta. Acho que o cosmético deve ser adquirido onde você faz compra todo mês. Hoje, a mulher está muito pouco em casa, pois ela precisa sair para trabalhar. Inclusive é na época de crise que as vendas de cosméticos crescem. Primeiro, você perde o poder aquisitivo e não pode comprar bens duráveis, mas tem dinheiro para um perfume. É uma compensação e um determinador de status. E, se a mulher trabalha fora, ela tem que se produzir."
A CONCORRÊNCIA INTERNACIONAL REDUZ A INFLAÇÃO
"Deixamos de comprar os extratos no Brasil. O extrato é a base de flores, e percebemos que a concentração de ativo de um óleo importado é dez vezes maior do que o nacional. O preço lá fora é maior, mas, como a concentração é diferente, na verdade o custo dele ficou mais barato. Mas existe também o caso de matérias-primas que custam a metade no exterior: a sede da multinacional vende mais barato do que a sua filial no Brasil. O empresário tem uma responsabilidade na inflação, pois costuma projetá-la em seus custos e preços. Na hora em que você tiver um concorrente internacional, você vai começar a controlar isso também. Então, acho que a concorrência internacional é benéfica, pois segura o seu preço ou melhora a sua qualidade. Quantos fornecedores existem que são monopólios e costumam impor os preços? Isso já está mudando."
NINGUÉM DEVE SER PUNIDO POR PRODUZIR
"O governo precisa acabar com o IPI - só aqui as pessoas têm que pagar para gerar emprego. Quanto menos Brasília interferir, melhor. A não ser para tomar decisões como a abertura do mercado, que foi um passo positivo. Já temos dois anos nesse processo, que se tornou irreversível. Acho que o governo não poderá voltar atrás. Apanhamos no início, o que é normal, mas já estamos mais organizados. A abertura beneficiou muito a empresa, pois, a cada ano, estamos assumindo a distribuição exclusiva de marcas francesas de qualidade, como já aconteceu com a Clarins e a Givenchy. Em 1993, vamos distribuir mais uma marca. Estamos pensando também na exportação e na montagem, para os próximos cinco anos, de 130 pontos-de-venda próprios, através do sistema de franquias. Atualmente, estamos presentes em 6 mil pontos-de-venda. Não fazemos sombra às multinacionais, mas existe hoje uma tendência a favor da rentabilidade do espaço comercial. É melhor vender menos e com qualidade, lucrando mais, do que apostar na tonelagem e no lucro menor por unidade."
CADA MACACO NO SEU GALHO
"Passei por uma experiência meio esquisita. Quis dar participação da empresa, logo no início, para duas pessoas que trabalharam muito para a Phytoervas dar certo. Mas elas acabaram demitindo-se. Nem todo mundo está preparado para assumir responsabilidades. Aprendi, então, que cada macaco deve estar no seu galho. Perdi essas pessoas, ao promovê-las. Nem todo mundo é líder: para você ser chefe, precisa conhecer o trabalho e ter carisma, mas nem todo mundo nasce com isso, é um dom. Aqui, optei por incentivos, em vez de participação de lucros. Os diretores têm carro da empresa, viagens anuais, todos almoçam o mesmo cardápio, o plano de saúde é idêntico para todos e os salários têm reajustes integrais da inflação a cada dois meses. Os funcionários sabem que o lucro é integralmente reinvestido aqui."
|