Um Lance Tamanho Família
Se o mercado brasileiro fosse comparado a um pelotão de fuzilamento, o
último desejo de um empresário condenado à morte seria fatalmente
um só: "Exportar". A metáfora não ocorre a Ademar de Barros
Filho, presidente do Conselho de Administração da Lacta, a número
1 do setor de chocolates no Brasil, empresa que representa um faturamento anual
de quase US$ 300 milhões. Mas pelo menos é essa a sua constatação,
diante da situação extrema a que foi confinada a classe empresarial
do País.
De Chicago à China, ele tem procurado reverter, lá fora, o quadro
de dificuldades internas. "Estamos exportando para onde for possível",
diz, "e negociando com 25 países diferentes. Isso tem-nos permitido
recuperar com certa rapidez os efeitos da recessão que se abateu sobre
o País em geral e com muita força no nosso setor. "Ele viu,
nas suas viagens, o pequeno número de empresários que tem hoje condições
de fazer contatos pessoalmente para conseguir penetrar em mercados promissores,
como a China. E, ao mesmo tempo, amargou a decepção do pouco caso
do governo em relação a esse potencial, que aumentaria as chances
de sairmos da crise.
Essa disponibilidade, que o transformou num profissional afinado com as pesadas
exigências dos clientes no exterior, é atribuída por ele a
uma bem montada estratégia que fez da familiar Lacta uma empresa totalmente
profissionalizada. Ele destaca que, em qualquer empreendimento já consolidado,
o processo é lento e implica radical reeducação dos quadros,
com aumento significativo da participação de todos.
Foi graças a essa decisão - detalhada no depoimento exclusivo a
seguir - que a Lacta pode exibir algumas vitórias importantes, como
a conscientização da empresa da sua capacidade e a conseqüente
conquista do primeiro lugar.
O MODELO ADMINISTRATIVO BRASILEIRO É O DA SOBREVIVÊNCIA -
"Existem empresas do segmento de balas que estão exportando mais de
40% da sua produção. Elas precisam ter um pé no mercado internacional,
senão fecham. A situação do País exige do empresário
uma regra básica fundamental: sobreviver, como puder, e aí vale
tudo mesmo - ele sabe o que isso significa. A sofisticação
administrativa só vem depois que a empresa conquista a estabilidade. E
as mudanças, pelo menos no nosso caso, foram muito lentas.
Elas começaram há mais de dez anos, com a substituição
de elementos da família por profissionais de mercado, recobrindo diversas
áreas, como administração, recursos humanos, finanças,
marketing, planejamento, vendas. O resultado mais precioso desse processo foi
crescimento e capacidade de competir. Temos mantido o primeiro lugar, que conquistamos
em 1988, dentro de uma luta muito grande.
A mudança é lenta, porque envolve uma verdadeira revisão
de conceitos, quase uma reeducação. Isso significa uma atuação
constante de todo o corpo diretivo e do corpo gerencial, que também é
diretivo, com participação cada vez maior. Quando se decide hoje
uma determinada meta, ela não é uma diretriz isolada, fechada na
sala de um diretor, mas é o fruto de uma verdadeira ação
coletiva de um colegiado."
O MODELO DEIXOU DE SER AUTORITÁRIO -
"O que aconteceu, no fundo, foi uma descentralização, um processo
de delegação com supervisão. Existe um trabalho de consulta,
e a chefia só decide em instância final. O corpo diretivo torna-se
responsável pela execução. Há muitos anos, eu exercia
aqui dentro funções administrativas e comerciais. Hoje, sou presidente
do Conselho de Administração, represento o corpo acionário
da companhia.
Minha presença diária aqui é acompanhar, junto ao diretor-geral,
que não é da família, a execução do orçamento
da companhia, gerado no planejamento. Isso significa acompanhar a execução
de todos os planos e programas propostos e aprovados em discussão plena,
que começam sempre no segundo semestre. Nosso orçamento de 1993,
por exemplo, foi discutido a partir de outubro do ano passado e, em novembro,
ele estava pronto. Em dezembro, nas reuniões finais, ele foi impresso e,
em janeiro, distribuído e examinado. Assim, estamos executando uma peça
de planejamento estratégico.
Tradicionalmente, existe no Brasil um modelo autoritário de gestão,
mas isso mudou nos últimos anos. Nenhuma empresa, hoje, sai das dificuldades
sem o espírito de sacrifício de todo o conjunto. No nosso caso,
foi preciso mexer na área de recursos humanos - menos enxugar e mais
preparar, aperfeiçoar, treinar e praticar."
SÓ É POSSÍVEL CRESCER LANÇANDO NOVOS PRODUTOS
-
"Em período de crise, o planejamento é mais
delicado e complexo, porque implica busca de alternativas. Num país como
o nosso, em plena recessão, o que uma empresa deve fazer para crescer,
se ela já tem uma linha de produtos de rotina e uma posição
definida no mercado? Ela só cresce lançando produtos novos, que
preencham vazios nas suas linhas atuais ou na dos seus concorrentes.
Trata-se de um trabalho muito grande de sensibilidade em relação
ao mercado, pois é preciso criar produtos em condições compatíveis
com o poder aquisitivo de um povo que não tem mais nada no bolso. Um exemplo
de produto novo é o Lancy, que, no passado, em plena recessão, estourou
todas as previsões, nos dando 10% do mercado. Foi pura geração
interna, uma gestação coletiva, envolvendo aspectos mercadológicos,
comerciais, de produção, de controle de qualidade etc.
Não é todo dia que isso acontece, mas, quando você tem competência
e sorte, os resultados são espantosos. Neste ano, quebramos a rotina e
lançamos dois produtos em fevereiro, um mês terrível, com
apenas catorze dias úteis. Ainda a sazonalidade influi muito na estratégia
interna: temos 2,5 mil funcionários, mas precisamos contratar mais mil,
quando se aproxima o período de Páscoa, para dar conta da demanda."
A CHINA OPTOU PELA PROSPERIDADE
"Um dos grandes valores da economia mundial chama-se Deng Xiao Ping, o número
1 do Partido Comunista Chinês. Ele diz o seguinte: "a condição
de socialista-marxista não é uma condição de pobreza".
Ele aprendeu com os russos, que foram derrotados pela fome. Então, a opção
liberal chinesa é uma opção política, absolutamente
correta. O povo chinês tem direito à prosperidade.
Atualmente, a China está construindo dez hidrelétricas, mas só
tem uma empresa brasileira desse setor fazendo contatos lá. O cenário
está aberto para quem quiser associar-se, pois aquele país é
um gigante, não existe nada pequeno. E o que eu vi lá? Falta dinheiro
para as despesas básicas na embaixada de um país que já superou
o Brasil em termos de Produto Interno Bruto e que, em dez anos, vai encostar nos
Estados Unidos.
Os últimos governos atrasaram o país, e o empresário costuma
não fazer política partidária para não sujar as mãos.
Mas quem entra em política, em qualquer lugar do mundo, vai envolver-se
com aspectos escabrosos do comportamento humano. Se o empresário não
ocupar esse espaço da política partidária, outro aventureiro
ocupa. É preciso, pois, montar uma estratégia empresarial interna
que nos permita fazer política."
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