O Sonho atinge a Maturidade
A vocação empreendedora dos brasileiros está passando por uma prova de fogo. Não se trata da trabalheira habitual provocada pelas dificuldades do País - tema predileto da análise redundante. Não é também uma situação provocada pelo pessimismo ou pelo desânimo - tentação predileta de uma sociedade treinada para desistir -, mas sim de um estágio decisivo para quem optou por um negócio próprio. Chegou a hora de fazer um balanço realista, diante da ação seletiva do mercado, que estimula o sonho, mas cobra a conta.
Vale a pena insistir nas idéias, que sofreram tantas mutações nos últimos tempos e que, às vezes, parecem disformes, avessas à identidade inicial da empresa? Ou é mais prudente mudar de rumo e até mesmo recuar? "Aprendemos muito com nossos erros", diz Márcia Jager, uma das sócias da Table & Flavor, pequena empresa paulistana especializada em produtos alimentícios de delicatessen, como geléias e conservas finas. "Mas, apesar das dificuldades, estamos procurando acertar."
O principal já foi feito. Junto com Alda Maria Caldas e mais uma ex-colega de trabalho que já desistiu do negócio - todas ex-funcionárias de uma grande editora -, elas foram à luta, com muita vontade, e conseguiram penetrar num segmento de pesada concorrência, não só de outras empresas nacionais mas, principalmente, das estrangeiras, que possuem tradição e fôlego financeiro. Mas essa luta, hoje reconhecem, foi desenvolvida com pouco preparo.
Elas identificam-se com os seus produtos, mas sabem que não são muito apropriados nesta época de recessão. Neste depoimento exclusivo, Márcia e Alda optam pela transparência e pela sinceridade para expor um trabalho difícil, mas, mesmo assim, gratificante, pois conseguiram admiração e respeito no mercado pela qualidade dos produtos que oferecem.
NEGOCIAR É COMO APRENDER CHINÊS
"A gente apanhou muito, percebeu uma porção de coisas erradas, mas está tentando consertar. Não é qualquer um que pode ser empresário. Existem pessoas com mais jeito para isso. Sentimos falta, entre nós, de alguém com cultura administrativa mais sólida. É preciso saber negociar, pois preço, desconto, inflação e porcentagem, às vezes, parecem palavras pertencentes a uma língua incompreensível.
Estávamos acostumadas a jogar com preços bem definidos, sem considerar uma série de fatores. Levávamos em conta apenas o preço dos concorrentes e estabelecíamos um mínimo. Isso a gente tem aprendido na prática, mas é muito difícil. Depois do primeiro ano apanhando, ficamos mais humildes, com vontade de fazer parcerias, perguntando, tentando esclarecer dúvidas técnicas. Sentíamos falta de mais conhecimento na área de alimentos, pois nossa experiência inicial era exclusivamente doméstica.
Quando lançamos o primeiro produto, apareceu um concorrente e propôs que fizéssemos o fornecimento para ele. Achamos isso um absurdo. Não aceitamos, porque era um grande sentimento de perda. Como alguém poderia colocar outra marca no nosso produto? Se hoje nos fizessem a mesma pergunta, iríamos imediatamente conversar. Aprendemos a mudar de postura para sobreviver."
QUEM SABE . . . UMA BOA GELÉIA DE MORANGO?
"No início, a empresa era uma fantasia da gente. Olhávamos as prateleiras e sentíamos vontade de ter um produto próprio. O orgulho inicial impediu que criássemos apenas o serviço, terceirizando a produção. Também não queríamos abrir mão do perfil de sofisticação. Hoje, já pensamos em criar um produto barato, que alavanque as vendas, pois o que adianta estar num espaço chique e não girar o estoque?
Pouca gente conhece o que fabricamos. Então, o nosso mercado ainda está muito reduzido. Além disso, as pessoas precisam comprar o básico antes de arriscar o supérfluo. Pensamos, inclusive, em alguma coisa na linha de geléia vermelha, como a de morango, que segura as vendas. Claro que não queremos cair no erro de perder qualidade - tem empresa que usa chuchu em vez de morango, por exemplo. Mas, ao mesmo tempo, perdemos alguns preconceitos.
Ainda não deu para viver exclusivamente da empresa, pois, se tivéssemos que pagar todas as contas com o faturamento dela, já teríamos fechado. Investimos muito, e o sonho está saindo caro. No nosso caso, tomamos algumas iniciativas para diminuir os custos, pois, quando chega a hora em que não dá para pagar um funcionário, tudo fica muito difícil.
Para montar um negócio, é importante não alugar imóvel. O ideal é usar o espaço próprio, ou algum cantinho de pessoas amigas, como estamos fazendo agora. É preciso agir domesticamente, sentir o mercado e não criar ilusões. Outra opção é conseguir um lugar bem longe e barato. E é fundamental ter duas coisas: além de um produto popular, que dê sustentação, dedicação total à empresa, para ela dar certo. Senão, nem vale a pena começar."
TEM MUITA GENTE PENANDO
"Sabemos de muita gente que, apesar de tentar manter as aparências, está com alguém por trás sustentando tudo, ou mesmo tendo de trabalhar em outra coisa para pagar as dívidas do negócio. Com a ajuda do SEBRAE-SP, estamos pensando em unir-nos com outros fabricantes artesanais de conserva, que enfrentam dificuldades idênticas. Não se trata exatamente de uma cooperativa, mas de parceria, associativismo. Muitas pessoas que estão no ramo não possuem conhecimentos técnicos.
Os micro e pequenos empresários não têm muita chance de barganhar preços com os fornecedores. Se houver união, será possível comprar lotes maiores de matéria-prima, gastando menos. Mas o SEBRAE-SP precisa estar por trás, pois há muita dispersão, gente de todas as áreas que resolveu ser empresário, principalmente a partir do Plano Collor. É duro associar-se a alguém tão inexperiente quanto nós, a não ser que os especialistas cuidem de costurar essa união.
Não temos acesso aos fornecedores diretos, só aos intermediários, que, no nosso caso, são confiáveis. Um dos nossos produtos é uma geléia com pétalas de rosa. Se você é incentivado a comer flor, não pode ter agrotóxico no meio. Fizemos todos os testes e estamos bem calçados, pois um erro qualquer pode prejudicar muita gente.
Não temos recursos para bancar o marketing. Com mais dinheiro, fatalmente estaríamos vendendo mais, pois teríamos rompido algumas barreiras importantes nos pontos-de-venda e nos encontraríamos em condições de montar uma estrutura mais firme de revendedores. O que nos garante, além da confiabilidade dos produtos, é a agilidade, pois temos condições de, rapidamente, atender os pedidos, graças à estrutura que montamos agora. Quando conseguimos vender bem, sentimos que tudo valeu a pena, apesar de tantos problemas."
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