A dura Invenção do Destino
O Brasil acostumou-se a ligar a palavra empresário aos privilégios.
Mas isso só acontece numa porcentagem muito pequena dos casos, que fatalmente
são evidenciados como regras absolutas, numa das mais prediletas ilusões
do imaginário nacional. Basta olhar ao redor para ver que empresário
por aqui é sinônimo de precariedade, suor e determinação.
É uma situação próxima à do trabalhador e,
às vezes, abaixo do nível de vida de muitos funcionários
bem remunerados.
Esse preconceito atrapalha o desempenho empresarial no País. Fica fácil
aumentar impostos, quando atividades honestas - como arriscar a vida para sobreviver
e ter lucro - são colocadas sob suspeita. E fica difícil, quando
uma pessoa ou família decide deixar a acomodação de lado
para poder ter acesso a uma vida melhor e sentir o gosto da realização
profissional. O casal Amauri e Rosa Meire do Amaral está entre os
que fizeram essa opção, num momento de extrema dificuldade econômica
para o País.
Foi exatamente em março de 1990, em pleno Plano Collor, que eles fundaram
a M. Amaral Indústria e Comércio de Uniformes Ltda., em São
Paulo, fruto de uma decisão arriscada. Amauri deixou um sólido emprego
de gerente de banco para embarcar no que sua família chamou de "aventura".
E, junto com a esposa, aos poucos teve que se desfazer de apartamento, carro e
telefone, para poder viabilizar o empreendimento.
Precisaram também abrir mão de dois terços da sociedade,
para unir-se a dois sócios, pois, como diz Meire, "é melhor
ter 33% de alguma coisa do que 100% de nada". Hoje, fabricando 12 mil peças
por mês, entre jalecos, macacões, calças e camisas para funcionários
de empresas como Caloi, Johnson, Vega-Sopave, entre outros, eles se preparam para
inaugurar uma fábrica em Mogi das Cruzes. Continuam como no princípio:
não acomodados, lutando para viver e manter uma folha com vinte empregados.
É o que Meire conta a seguir.
ACHAR É FÁCIL, DIFÍCIL É AGIR -
"Sou filha de pais separados e vim da Bahia, em 1974, em situação
precária. Aprendi a costurar em casa, com minhas irmãs, mas não
gostava dessa atividade. Arranjei, então, emprego de secretária
numa empresa coligada ao banco em que Amauri trabalhava. Temos três filhos
desse casamento, no qual enfrentamos todos os problemas normais de uma família
brasileira.
Só que não me conformei com a situação e, graças
a cursos de desenvolvimento espiritual, decidi parar de criticar os outros e agir.
Matriculei meus filhos no Mackenzie, praticamente sem ter condições
de mantê-los lá, só porque esse era meu sonho há muito
tempo. E encontrei até dificuldades no uniforme, que era muito caro.
Fui, então, para o Brás comprar o material e pedi para minha irmã
cortar os uniformes. Reencontrei aí minhas raízes, pois estava lidando
com uma atividade familiar. A roupa ficou linda, e decidi ir para a porta do Mackenzie
vender esse serviço para os pais dos outros alunos. Levava os cheques à
noite para meu marido, e ele, no princípio, ria, mas entendeu que ali estava
surgindo alguma coisa. Até que chegou a hora de tomar a decisão.
Eu já tinha conseguido novos clientes em outra escola e, aos poucos, acabei
encontrando um nicho excelente, que é o de fabricação de
uniformes empresariais. Meu marido já estava decidido a ter negócio
próprio e tinha entrado com 5% de participação numa outra
firma, mas sentiu que lá ele tinha tanta autonomia quanto um funcionário.
Resolvemos, então, trabalhar unidos, para conseguir alguma coisa realmente
nossa."
CRISE NÃO É O FIM DO MUNDO
"Na hora em que decidimos montar a empresa, desabou o Plano Collor. Mas eu
pensava o seguinte: na hora em que todo mundo está quebrando, nós
estamos nascendo, pequenininhos. Vamos, então, preparar-nos, pois o mundo
não vai acabar, ele vai continuar. Quando isso acontecer, nós estaremos
com a base pronta e, aí, poderemos crescer.
Para nos manter, tivemos que aprender. Em primeiro lugar, a arriscar: um empréstimo
no banco é necessário, desde que seja bem feito. Desde o início,
pago juros. Se não me tivesse proposto a pagar juros, teria morrido. Prefiro
pagar para sobreviver, e é por isso que estamos aqui. Outro exemplo: vendemos
nosso patrimônio para ter capital de giro.
Conseguimos uma ajuda do nosso sócio, que também trabalha no banco.
Coincidentemente, ele tinha recebido o pagamento de uma dívida, não
em dinheiro, mas em máquinas de costura, que eram de uma firma que entrou
em concordata. O terceiro sócio é do Paraná, um empresário
e fazendeiro. A sociedade foi uma saída para conseguirmos sobreviver. Eles
nos ajudam muito, dão muitas informações, criam soluções,
mas não interferem no trabalho. E não fazem retiradas: tudo é
reinvestido aqui mesmo.
Ao mesmo tempo, o SEBRAE/SP ajudou-nos a profissionalizar a empresa. Meu marido
é formado em Administração, mas a faculdade é muito
teórica. Faltava-nos experiência, e os consultores do SEBRAE/SP resolveram
muitas dúvidas."
TEMOS QUE ENFRENTAR O MEDO -
"Lutamos para conseguir
a homologação da Santista Têxtil, que nos dá todo o
suporte para a confecção de uniformes. No início, eu não
tinha nada, e eles nem queriam receber-nos. Mas insistimos, mostrando que éramos
pequenos mas podíamos crescer. Para nós, foi uma solução
excelente, pois o próprio cliente quer trabalhar com tecido Santista, que
tem todas as garantias, além de preço e qualidade.
Outros fornecedores ainda não estabeleceram esse vínculo tão
forte com o mercado, e vai levar alguns anos para que a situação
se reverta. Da Santista recebemos todo o apoio, inclusive eles desenharam o leiaute
da nossa fábrica, em Mogi das Cruzes. Antes disso, orientaram-nos sobre
tudo, em relação às máquinas que deveríamos
comprar, os modelos mais fáceis de vender e, além disso, vivem checando
a qualidade das confecções.
Estamos querendo atingir, em dois anos, uma média de 30 mil peças
por mês. Queremos entrar também em outros nichos, como roupa profissional
fina e segmentos como hotelaria, hospitais, empresas de aviação
etc. É preciso trabalhar o medo, acreditar que vamos conseguir, sem querer
sobressair-se ou ser melhor do que ninguém.
No Brasil, existe muita acomodação das pessoas e também falta
de clareza do governo, que deveria incentivar mais as empresas. Perde-se muito
tempo neste país. Muitos funcionários preferem forçar a demissão
do que se demitir, para depois conseguir o seguro- desemprego. Em geral, o empregado
quer receber seus benefícios em dinheiro, para poder administrar bem suas
necessidades. Muitos estão dispostos a trabalhar; outros, nem tanto."
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