Quando o Especialista Muda de Ramo
Conseguir uma bolsa
de estudos no exterior para tornar-se um superespecialista é uma tarefa
relativamente fácil. O difícil é esse tipo de profissional
encontrar lugar no mercado brasileiro. Mais difícil, ainda, é
entender por que isso acontece. O engenheiro químico Armando Affonso
Junior, que, por quatro anos, fez mestrado e doutorado em Síntese Orgânica
no Centro Nacional de Estudos em Telecomunicações, em Paris, fez
essa pergunta quando voltou para trabalhar.
Como transformar o conhecimento adquirido em sobrevivência e sustento
para ele, a esposa francesa e dois filhos? A saída foi optar por uma
idéia que surgiu da necessidade profissional da sua esposa: produzir
brinquedos educativos para a escola maternal que ela queria montar em Taubaté,
cidade em que a família foi morar.
Por que não aproveitar seu talento e sua formação para
as artes plásticas - que lhe garantiu uma remuneração extra
na sua vida parisiense - para transformar a idéia original numa indústria?
Hoje, a A. Affonso Jr. Ind. e Com. de Brinquedos Educativos Ltda. - tel.:
(0122) 33-2066 - produz 4 mil peças por mês e tem uma loja,
"La Boutique Pedagogique", que vende os setenta produtos da empresa. O que aconteceu
com todo aquele estudo? É esse paradoxo - e sua estratégia de
prudente crescimento - que Armando Affonso aborda a seguir.
A MIGRAÇÃO DE UMA EXPERIÊNCIA
"Dois anos depois de ter voltado, fui convidado para trabalhar num projeto
da minha especialidade. Mas, aí, já era tarde demais. Tive apoio
para me formar, mas não para conseguir colocação imediata.
Estava empregado na França, mas não tinha interesse em ficar.
O que me serviu do doutorado foi minha experiência múltipla num
projeto que incluía não só a especialidade em engenharia
química mas também outros processos. Participei da concepção
de um reator e pude projetá-lo com o auxílio do computador. O
contato com os físicos que trabalhavam no projeto, mais os engenheiros
mecânicos, deu-me uma flexibilidade ampla para o trabalho em equipe. Isso
eu aplico na minha empresa. Lá dentro, a gente forma todo mundo e estimula
a criatividade de cada um. Isso é fundamental na busca de soluções
adequadas para os produtos que fabricamos.
Optei pela empresa, pois, apesar das dificuldades, o Brasil é ainda a
terra das oportunidades. Com pouco dinheiro e muito trabalho, é possível
desenvolver um negócio por conta própria. Sem dinheiro nenhum,
fica difícil e é preciso enfrentar vários obstáculos.
Mas a própria escassez abre espaço para a criatividade. Minha
esposa queria encontrar aqui o que existe lá em termos de material pedagógico,
mas não encontrou nada similar. Foi isso que nos incentivou a investir
na idéia."
BRINQUEDO EDUCATIVO DÁ TRABALHO
"Esse é um nicho pouco explorado no Brasil. Não encontrávamos
produtos satisfatórios que visassem a coordenação motora
da criança, que despertasse seus sentidos. Aqui, existe a idéia
de que a criança deve brincar sozinha, mas, na Europa, isso é
diferente. O brinquedo educativo exige a participação do adulto.
Tem muito pai que olha nossos produtos e reclama, dizendo que são bons,
mas dão muito trabalho.
Os brinquedos educativos de madeira, que são nossa especialidade, são
muito valorizados na Europa, especialmente por uma faixa de público mais
intelectualizada. Lá, existem grandes fabricantes, que oferecem uma série
de opções. Nós, aqui, desenhamos e concebemos nossos produtos,
que são basicamente quebra-cabeças e jogos de montar. Queremos
despertar as crianças para as formas, as cores, as relações
de grandeza, incentivar sua intuição para a harmonia e a simetria
entre as peças.
A não ser num jogo de xadrez, que é de imbuia, utilizamos pinus
e compensado extra, tipo exportação. Ainda não conseguimos
um tipo especial de madeira desenvolvido na França, mas, tecnicamente,
já avançamos muito e temos qualidade para exportar. Estamos utilizando
tinta não-tóxica e pretendemos partir para novos tipos de material,
como espumas. Fazendo peças de espumas imitando tijolos, por exemplo,
uma criança pode construir e desmontar sua casa à vontade, sem
se machucar."
EXPANSÃO LIMITADA PELA PRUDÊNCIA
"Meu patamar era de setecentas peças por mês, mas aumentamos
para 4 mil, que é a projeção do nosso revendedor em Campinas,
que está tentando colocar os brinquedos em todo o Brasil. A consultoria
do SEBRAE/SP detectou a possibilidade de expandir mais a produção,
pois temos um enorme potencial e estamos trabalhando para isso. Mas devo tomar
cuidado, pois continuo envolvido em todo o processo de produção,
e disso não posso descuidar-me. Não pretendo ter uma grande empresa.
Quero crescer o suficiente para manter o toque personalizado na produção.
Existem vetores importantes para desdobrar, como jogos para adultos e, também,
livros educativos infantis. Não se trata de livros de história,
mas publicações muito comuns na Europa, que ensinam tudo para
crianças na primeira infância. Trouxe 1,2 mil livros desses de
lá, e eles ensinam desde a escola impressionista da pintura até
a vida dos grandes inventores. Utilizam material variado, com grande profusão
de recursos, para sensibilizar o público infantil. Isso precisa ser feito
por aqui. É um tipo de publicação que ensina muita coisa
para as crianças."
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