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« Memória Empresarial • ANO XXVIII - Ed. 75 (12/09/1993)

Agricultor Produz Intermediários

A falta de iniciativa e de conhecimento da atividade comercial confinam o pequeno e o médio produtores rurais ao espaço físico das suas propriedades, deixando a porteira aberta para quem quiser passar. É nesse vácuo que prolifera a intermediação, mais precisamente a gestão empresarial dos frutos da agricultura por parte de terceiros. Esse fato contraria a visão comodista da "exploração" do trabalho alheio, pois basta implementar uma nova mentalidade entre os pequenos e médios agricultores para a situação mudar. É o que já está acontecendo no interior de São Paulo.
Em Espírito Santo do Pinhal, na divisa com Minas Gerais, por exemplo, tem gente animada com a possibilidade de unir cultura acumulada do homem do interior com o acompanhamento permanente de agrônomos, a formação de cooperativas e a preocupação com administração e marketing. "Falta uma gestão empresarial moderna para a agricultura brasileira", diz Lourenço Del Guerra, proprietário, junto com mais três irmãs e sobrinhos, de uma fazenda de 150 hectares, o Retiro São Vicente.
Ele é uma das pessoas envolvidas no projeto "Volta ao Campo", desenvolvido pelo SEBRAE/SP, que atua na região com a Fundação Pinhalense de Ensino. Lourenço é testemunha dos benefícios alcançados através de algumas medidas práticas, como detectar causas de pragas em culturas básicas e iniciar pequenos proprietários de terra na prática da comercialização das safras. Tradicional produtor de café e leite, ele mesmo já está partindo para novas culturas, como abobrinha, milho e sorgo, com excelentes resultados.
Neste depoimento exclusivo, Lourenço, que também é industrial - dono da Pinhalense S. A., fabricante de máquinas e implementos para a plantação, colheita e secagem do café -, detalha essa experiência coletiva numa área que está descobrindo como ampliar sua capacidade de gerar mais riqueza e empregos.

AGRICULTOR NÃO SABE O CUSTO DA SAFRA -
"Quem planta nas pequenas propriedades não costuma fazer cálculos. Por isso, na hora de vender ele pergunta para o intermediário: 'quanto você me paga pela colheita?' É diferente do industrial, que sabe o custo de tudo. Quem vai lá no sítio comprar sabe quanto estão oferecendo aqui, na cidade, mas naturalmente não vai passar adiante essa informação. Entre os produtores rurais, quem conhece realmente o custo opta, às vezes, por destruir a safra, para não ter mais prejuízo. Quem passa por determinadas regiões produtoras sente o cheiro do produto apodrecendo, quando os preços não cobrem o investimento. Isso é um absurdo neste país, onde nem existe uma política para aumentar a capacidade de armazenar alimentos.
Acho também que deveria haver mais informação para o consumidor sobre o que ele compra. Quem sabe, por exemplo, a diferença entre o leite A e o B? São, praticamente, a mesma coisa - o que muda é o tempo decorrido antes da pasteurização. O leite A é pasteurizado imediatamente depois da ordenha, enquanto o B leva umas quatro horas em média até entrar em processo semelhante na usina. O C leva mais tempo ainda, com a agravante de que é retirada toda a gordura.
É preciso fazer o marketing do feijão, da alface, da batata e ensinar o consumidor a comprar e preparar melhor os alimentos. O agricultor deveria lutar pelo seu mercado, já que depende de tantos fatores de risco para ter sucesso, como, por exemplo, as condições meteorológicas. No nosso país não existe previsão de tempo nem para daqui a três meses. Se ele puder comercializar de maneira justa, vai oferecer um preço mais acessível e ter mais lucro. Isso, por enquanto, quem faz é o intermediário, que empresaria a produção, já que o agricultor se omite."

AGRÔNOMO PODE ENSINAR E APRENDER -
"O administrador de nossa fazenda tem horror aos agrônomos, pois sabe que eles costumam aparecer só de vez em quando, dar alguns palpites e ir embora. Mas isso está mudando com o projeto Volta ao Campo. O homem do interior é muito desconfiado. Ele tem medo de que riam dele pelas costas. Por isso, não pergunta sobre suas dúvidas em relação às técnicas de agricultura, mesmo nada sabendo. Desconhecimento do básico é muito comum no meio dos micro e pequenos agricultores.
Eu mesmo, por exemplo, plantava milho, que é uma cultura de verão, e o resto do ano a terra ficava parada, por não saber como usá-la. Agora, existe acompanhamento direto. Outra coisa importante é que o agricultor pode passar informações valiosas para o agrônomo, pois acompanha diretamente o desenvolvimento da plantação no seu dia-a-dia. Um exemplo foi a experiência em Pinhal, onde, num bairro de pequenas propriedades que produziam quase nada, se fez uma grande plantação de quiabo, com orientação técnica, e isso gerou um volume grande de recursos.
Existe um excesso de agrônomos desempregados no Brasil, muitos sendo utilizados para vender adubos ou máquinas agrícolas. Isso não pode acontecer. O agrônomo também deve ter uma mentalidade empresarial, formando pequenos grupos de proprietários aos quais devem atender de maneira permanente. O especialista tem obrigação também de lutar pelo seu próprio mercado."

É PRECISO INVESTIR NAS PESSOAS -
"O fundamental é passar informação. Não adianta adotar uma política paternalista. O agricultor precisa aprender novas técnicas de produção, associar-se para conseguir diminuir seus custos e comercializar os produtos. Com orientação, cria-se mais eficiência, aumentando o número de empregos e da mão-de-obra especializada, que atualmente anda escassa no interior.
Não se trata de dar o peixe, mas o anzol, ensinando como administrar uma propriedade, calcular custos, chegar a preços competitivos e melhorar a qualidade. Na fazenda que administro nos fins de semana, comecei a ser mais assíduo, pois estou envolvendo-me cada vez mais. Antes, eu tinha nove famílias morando lá, tudo com carteira assinada; agora, estou com seis. Mas já estou começando a ocupar novamente as casas que estavam sobrando, pois a produção aumentou.
Ao mesmo tempo, como fabricante de máquinas agrícolas, tenho percebido muitos preconceitos dos produtores em relação à tecnologia. Para demonstrar esse fato, cito o caso do nosso secador de café, que faz o serviço na hora da colheita. Tive de assinar um termo de compromisso para ressarcir qualquer prejuízo que fosse provocado ao produto pela máquina. O fato é que choveu muito, e o único café que não mofou foi o que passou pela nossa secadeira.
Acho que a solução para fixar as pessoas no campo é criar núcleos de aglutinação com serviços de saúde, educação e lazer. E ensinar o dono da terra a trabalhar melhor. É um problema mais de gerenciamento do que propriamente de reforma agrária."


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