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« Memória Empresarial • ANO XXVIII - Ed. 68 (25/07/1993)

Trabalho, o Verdadeiro nome do Lucro

Quem passa pela Rodovia Raposo Tavares nem nota o Jardim Maria Luiza, na periferia de São Paulo. É um dos numerosos bairros invisíveis da cidade, por isso mesmo capaz de encerrar surpresas como esta: entre várias pequenas empresas "normais", como lanchonetes, lojinhas de roupas e oficinas, está situada a Vibroservice Indústria e Comércio Ltda., fundada e dirigida pelo engenheiro Antônio Eduardo Kulaif, que, em 1984, se insurgiu contra os métodos de uma multinacional, onde era funcionário, e enfrentou um mercado de tecnologia de alta precisão apenas com a cara e a coragem.
A ousadia custou caro. Hoje, passados dez anos, Kulaif é um profissional marcado pelas dificuldades. Apesar de se pautar por princípios científicos, numa realidade em que é proibido cometer erros, ele não consegue falar sem um misto de paixão e revolta. Neste depoimento exclusivo, ele não se limita a contar como conseguiu abocanhar grande parte da assistência técnica na sua especialidade - máquinas de balanceamento e aparelhos para medir e monitorar vibrações -, até chegar a fabricar esses equipamentos.
Kulaif fala, também, contra os vícios do País, responsáveis pelo tamanho da crise. São eles, em sua opinião, monopólios, corporativismo, imediatismo, falta de preparo, falta de seriedade e inflação alimentada pela ambição do ganho fácil. "Precisamos definir o que é lucro", diz. "O meu lucro é o trabalho." Na avaliação que faz sobre as causas dos problemas brasileiros, ninguém escapa: executivos, empregados, todos são culpados e precisam mudar de mentalidade urgentemente.

É FÁCIL QUEBRAR UM MONOPÓLIO
"Eu trabalhava numa multinacional, desenvolvendo unidades de medição para máquinas de balancear, medidores de vibrações, no setor de testes internos e de assistência técnica. Na época, existiam no Brasil duas empresas que produziam esse tipo de equipamento e outras que importavam. Não se desmontam máquinas rotativas de grande porte para descobrir o defeito. Estamos falando de motores com até 5 mil quilowatts ou ventiladores de quatro a cinco metros de diâmetro. Isso não se faz em duas horas, é trabalho para uma semana. Através do nível de vibrações, é possível identificar um problema, planejar e executar a manutenção, praticamente sem parar o equipamento.
É possível sentir, então, o grau de importância desses aparelhos e serviços e o mal que um oligopólio provoca, tendo o mercado na mão. Com as mudanças na administração da empresa onde trabalhava, o nível de atendimento da assistência técnica caiu. Isso fez surgir um espaço que aproveitei, mas sofri um severo boicote, pois chegaram a proibir a venda de peças de reposição para quem nos contratava. O boicote levou a Vibroservice a atuar em várias frentes. Além da assistência técnica, começamos, também, entre outras atividades, a prestar consultoria e a fabricar peças de reposição, inclusive para equipamentos importados.
O objetivo era prestar um serviço que se diferenciava pela atenção e pelo envolvimento com os problemas do cliente, para poder sobreviver e atingir nosso objetivo inicial: projetar e construir máquinas de balancear e medidores de vibrações com preços adequados a nossa realidade.
Desde que você tenha informação e principalmente formação, é fácil quebrar o oligopólio, porque ele é frágil. O oligopólio e o monopólio apóiam-se no cerceamento da informação e dos negócios e coloca sempre uma corda no pescoço do seu cliente. Quando o nó afrouxa, ele procura uma alternativa, não por vingança, mas porque precisa sobreviver. Avaliamos que o cerceamento e o boicote serviram para mostrar o caminho a ser seguido. Foi necessário nacionalizar numerosos componentes sem a documentação. Consegui reproduzir o que necessitava, utilizando minha experiência e as normas técnicas disponíveis."

NÃO TENHO FREGUÊS, TENHO CLIENTE
"Do freguês você arranca dinheiro, o cliente você atende. É preciso criar um vínculo no atendimento e ganhar a médio e a longo prazos, sem nunca deixar a pessoa na mão. Muitos engenheiros tentaram entrar neste mercado e fracassaram exatamente pela falta de visão. Se uma máquina pifa no fim de semana, você não espera a segunda-feira para atender. É preciso partir o osso para degustar o filé.
Mas, para isso, é preciso formação. Faço parte da última turma antes da reforma do ensino, na época em que o professor apresentava uma bibliografia e dizia: 'virem-se'. Hoje, com cursos apostilados, em que muitos profissionais frustrados são professores, forma-se gente que costuma deixar a escola com uma visão limitada da área que escolheram. Estão preocupados apenas com o salário e a escrivaninha numa grande empresa ou estatal, já pensando na aposentadoria. Poucos são aqueles que procuram aprimorar seus conhecimentos para se tornar verdadeiros especialistas, crescendo sem depender de panelinhas.
Hoje, o que existe é muito chavão e muito marketing. Poucas empresas estão empenhadas seriamente em melhoras. Há muito modismo em relação à ISO-9000 e pouco empenho em treinar pessoal. Os empresários brasileiros, na maioria, não fazem esse treinamento para não pagar bons salários. O que provoca elevação de custos e inflação não é o salário alto, mas qualquer salário pago por um serviço malfeito. Sem qualidade no trabalho, qualquer remuneração é prejuízo. Poucas vezes, quem realmente entende pode opinar ou tem participação efetiva no trabalho de aprimoramento."

TERCEIRIZAÇÃO É PARA ENGANAR OS TROUXAS
"Conheço casos de empresas que demitiram todos os seus engenheiros e os recontrataram como empresários só para escapar dos encargos sociais. Isso distorce o mercado, pois impede que esses novos empresários desenvolvam a sua criatividade. E nada garante que a empresa que os contratou continue a se utilizar deles. Não vemos nenhum sindicato ou associação de classe lutar contra essa situação.
Nossa usinagem, por enquanto, é terceirizada e, quando necessitamos de produtos ou serviços de terceiros, deparamo-nos com preços absurdos, pois como é possível pagar US$ 12 mil para usinar 5 quilos de aço, montar a balanceadora e concorrer com produto importado a preço menor? Existe um vasto mercado para peças de reposição e máquinas novas, mas a maioria quer ganhar tudo o que pode na primeira encomenda. Com isso, temos que procurar parceiros que produzam a preço justo, sem cobrar pela ociosidade ou pela incompetência.
As pequenas indústrias brasileiras, como nós, não quebram, pois não vivemos do ganho financeiro. Nosso lucro é o trabalho. Felizmente, contamos com o apoio do SEBRAE/SP no treinamento administrativo interno para enfrentar as dificuldades do País."


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