Trabalho, o Verdadeiro nome do Lucro
Quem passa pela Rodovia Raposo Tavares nem nota o Jardim Maria Luiza, na periferia
de São Paulo. É um dos numerosos bairros invisíveis da
cidade, por isso mesmo capaz de encerrar surpresas como esta: entre várias
pequenas empresas "normais", como lanchonetes, lojinhas de roupas e oficinas,
está situada a Vibroservice Indústria e Comércio Ltda.,
fundada e dirigida pelo engenheiro Antônio Eduardo Kulaif, que,
em 1984, se insurgiu contra os métodos de uma multinacional, onde era
funcionário, e enfrentou um mercado de tecnologia de alta precisão
apenas com a cara e a coragem.
A ousadia custou caro. Hoje, passados dez anos, Kulaif é um profissional
marcado pelas dificuldades. Apesar de se pautar por princípios científicos,
numa realidade em que é proibido cometer erros, ele não consegue
falar sem um misto de paixão e revolta. Neste depoimento exclusivo, ele
não se limita a contar como conseguiu abocanhar grande parte da assistência
técnica na sua especialidade - máquinas de balanceamento
e aparelhos para medir e monitorar vibrações -, até
chegar a fabricar esses equipamentos.
Kulaif fala, também, contra os vícios do País, responsáveis
pelo tamanho da crise. São eles, em sua opinião, monopólios,
corporativismo, imediatismo, falta de preparo, falta de seriedade e inflação
alimentada pela ambição do ganho fácil. "Precisamos
definir o que é lucro", diz. "O meu lucro é o trabalho."
Na avaliação que faz sobre as causas dos problemas brasileiros,
ninguém escapa: executivos, empregados, todos são culpados e precisam
mudar de mentalidade urgentemente.
É FÁCIL QUEBRAR UM MONOPÓLIO
"Eu trabalhava numa multinacional, desenvolvendo unidades de
medição para máquinas de balancear, medidores de vibrações,
no setor de testes internos e de assistência técnica. Na época,
existiam no Brasil duas empresas que produziam esse tipo de equipamento e outras
que importavam. Não se desmontam máquinas rotativas de grande
porte para descobrir o defeito. Estamos falando de motores com até 5
mil quilowatts ou ventiladores de quatro a cinco metros de diâmetro. Isso
não se faz em duas horas, é trabalho para uma semana. Através
do nível de vibrações, é possível identificar
um problema, planejar e executar a manutenção, praticamente sem
parar o equipamento.
É possível sentir, então, o grau de importância desses
aparelhos e serviços e o mal que um oligopólio provoca, tendo
o mercado na mão. Com as mudanças na administração
da empresa onde trabalhava, o nível de atendimento da assistência
técnica caiu. Isso fez surgir um espaço que aproveitei, mas sofri
um severo boicote, pois chegaram a proibir a venda de peças de reposição
para quem nos contratava. O boicote levou a Vibroservice a atuar em várias
frentes. Além da assistência técnica, começamos,
também, entre outras atividades, a prestar consultoria e a fabricar peças
de reposição, inclusive para equipamentos importados.
O objetivo era prestar um serviço que se diferenciava pela atenção
e pelo envolvimento com os problemas do cliente, para poder sobreviver e atingir
nosso objetivo inicial: projetar e construir máquinas de balancear e
medidores de vibrações com preços adequados a nossa realidade.
Desde que você tenha informação e principalmente formação,
é fácil quebrar o oligopólio, porque ele é frágil.
O oligopólio e o monopólio apóiam-se no cerceamento da
informação e dos negócios e coloca sempre uma corda no
pescoço do seu cliente. Quando o nó afrouxa, ele procura uma alternativa,
não por vingança, mas porque precisa sobreviver. Avaliamos que
o cerceamento e o boicote serviram para mostrar o caminho a ser seguido. Foi
necessário nacionalizar numerosos componentes sem a documentação.
Consegui reproduzir o que necessitava, utilizando minha experiência e
as normas técnicas disponíveis."
NÃO TENHO FREGUÊS, TENHO CLIENTE
"Do freguês você arranca dinheiro, o cliente você atende.
É preciso criar um vínculo no atendimento e ganhar a médio
e a longo prazos, sem nunca deixar a pessoa na mão. Muitos engenheiros
tentaram entrar neste mercado e fracassaram exatamente pela falta de visão.
Se uma máquina pifa no fim de semana, você não espera a
segunda-feira para atender. É preciso partir o osso para degustar o filé.
Mas, para isso, é preciso formação. Faço parte da
última turma antes da reforma do ensino, na época em que o professor
apresentava uma bibliografia e dizia: 'virem-se'. Hoje, com cursos
apostilados, em que muitos profissionais frustrados são professores,
forma-se gente que costuma deixar a escola com uma visão limitada da
área que escolheram. Estão preocupados apenas com o salário
e a escrivaninha numa grande empresa ou estatal, já pensando na aposentadoria.
Poucos são aqueles que procuram aprimorar seus conhecimentos para se
tornar verdadeiros especialistas, crescendo sem depender de panelinhas.
Hoje, o que existe é muito chavão e muito marketing. Poucas empresas
estão empenhadas seriamente em melhoras. Há muito modismo em relação
à ISO-9000 e pouco empenho em treinar pessoal. Os empresários
brasileiros, na maioria, não fazem esse treinamento para não pagar
bons salários. O que provoca elevação de custos e inflação
não é o salário alto, mas qualquer salário pago
por um serviço malfeito. Sem qualidade no trabalho, qualquer remuneração
é prejuízo. Poucas vezes, quem realmente entende pode opinar ou
tem participação efetiva no trabalho de aprimoramento."
TERCEIRIZAÇÃO É PARA ENGANAR OS TROUXAS
"Conheço casos de empresas que demitiram todos os seus engenheiros
e os recontrataram como empresários só para escapar dos encargos
sociais. Isso distorce o mercado, pois impede que esses novos empresários
desenvolvam a sua criatividade. E nada garante que a empresa que os contratou
continue a se utilizar deles. Não vemos nenhum sindicato ou associação
de classe lutar contra essa situação.
Nossa usinagem, por enquanto, é terceirizada e, quando necessitamos de
produtos ou serviços de terceiros, deparamo-nos com preços absurdos,
pois como é possível pagar US$ 12 mil para usinar 5 quilos de
aço, montar a balanceadora e concorrer com produto importado a preço
menor? Existe um vasto mercado para peças de reposição
e máquinas novas, mas a maioria quer ganhar tudo o que pode na primeira
encomenda. Com isso, temos que procurar parceiros que produzam a preço
justo, sem cobrar pela ociosidade ou pela incompetência.
As pequenas indústrias brasileiras, como nós, não quebram,
pois não vivemos do ganho financeiro. Nosso lucro é o trabalho.
Felizmente, contamos com o apoio do SEBRAE/SP no treinamento administrativo
interno para enfrentar as dificuldades do País."
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