A Privatização do Social
Quando assumiram o controle das grandes empresas brasileiras, as organizações nacionais ou estrangeiras também passaram a desempenhar um novo papel no que se refere ao comprometimento e à solução dos problemas sociais. Durante toda a nossa história, a postura individualista dos empreendedores e o paternalismo sustentado pelo Estado impediram que muitas das ações voltadas para a melhora das condições de vida da sociedade se desenvolvessem de forma efetiva. O chamado Terceiro Setor, representado por entidades sem fins lucrativos, vem fazendo o que pode no decorrer das últimas décadas para vencer os obstáculos da falta de recursos financeiros e continuar prestando serviços vitais à comunidade, dependendo sempre da boa vontade dos "caridosos". Entre os vários objetivos do Instituto de Cidadania Empresarial (ICE) - www.ice.org.br -, está a reversão desse quadro a partir de uma mudança conceitual da forma de ver e encarar a responsabilidade social por parte dos empresários em conjunto com as instituições voltadas para esse fim. Em depoimento exclusivo, Renata de Camargo Nascimento, presidente executiva, explica como a entidade busca levar a capacitação gerencial vivenciada pelo mercado às organizações do Terceiro Setor já existentes ou em fase de formação.
VISÃO EMPRESARIAL
"Estamos apoiando hoje, pelo projeto gestão, 25 organizações, entre elas muitas que já estão atuando há muito tempo no Terceiro Setor, como a Liga das Senhoras Católicas e a Associação Obra do Berço. Temos por objetivo torná-las mais eficazes e transparentes, introduzindo nesse setor o conceito de profissionalismo que vem da atuação empresarial. Para avaliar quais seriam os principais focos de carência dessas instituições, foi realizada uma grande pesquisa com duzentas delas, que detectou dificuldades na captação de recursos, no planejamento, na comunicação externa e interna, na definição de papéis da equipe interna, no desenvolvimento da equipe de liderança, no desenvolvimento de conselhos diretores, na relação com a comunidade, nos processos, no fluxograma, na sistematização, na gerência do trabalho voluntário e nas ações em redes. O treinamento para as organizações escolhidas nesse primeiro momento terá a duração de dezoito meses, mas o projeto tem vida longa. Após esse período, será feita nova seleção para que outras entidades também possam ser preparadas."
TRIPÉ
"Não existe modismo no Terceiro Setor, pois as organizações sem fins lucrativos vêm complementar a necessidade de encontrar soluções para os problemas sociais brasileiros. O momento é de união entre estado, empresas e essas entidades, e não de sobreposição. O mais difícil disso tudo é a mudança cultural, uma vez que o empresário brasileiro exercia seu papel de cidadão ao votar e pagar impostos. Hoje não é mais assim, com a abertura econômica, a própria privatização de grandes empresas lucrativas no Brasil automaticamente privatizou o problema social, que já não está mais só nas mãos do governo. Ninguém sozinho vai conseguir mudar este país, e não importam os motivos que levam as pessoas a criar ou a ajudar entidades dessa natureza, contanto que isso resulte em benefícios para aqueles que precisam de ajuda. Todo cidadão tem que atuar em sua comunidade, não pode mais ser cego em relação àquilo que acontece ao seu redor."
CLONAGEM
"Os empresários que estão buscando resultados, que acreditam neste país, têm que ser a locomotiva do Brasil e lutar por essa mudança cultural. O paternalismo e o individualismo devem fazer parte do nosso passado, pois não dá mais para se preocupar apenas com a própria sobrevivência. Em comparação aos Estados Unidos, estamos com um Terceiro Setor correspondente a 1930, então vamos ter que correr muito e queimar etapas. Para se ter uma idéia, de cada quatro americanos, três destinam horas livres ao trabalho voluntário, enquanto o Brasil não cultiva essa atividade de doação. O brasileiro é sensível e emotivo por natureza, mas essa noção de cidadania ainda é nova para ele e precisa ser mais bem trabalhada. Quanto mais institutos como o nosso surgirem com esse objetivo, quanto mais empresários se unirem para assumir o compromisso de renovar organizações já existentes ou, se preferirem, criar novas, melhor para todos nós, pois essa idéia tem de ser multiplicada."
|