Home











...



« Memória Empresarial • ANO XXVIII - Ed. 13 (18/11/1987)

Brasil Ainda não é Capitalista

Prudência na condução dos negócios e crítica aberta à elite brasileira fazem parte da receita de Lawrence Pih, diretor-superintendente do Moinho Pacífico (www.moinhopacifico.com.br). Na sua empresa, fundada pelo pai, um imigrante de Hong Kong, em 1955, ele segura os investimentos por temer a situação de caos institucional do País, adia um processo de descentralização do poder e de profissionalização e marca, para breve, uma profunda reestruturação na política de recursos humanos para os quatrocentos funcionários do grupo. Sua prudência está centrada na visão que tem do Brasil, que, segundo ele, não chega a ser capitalista, já que vivemos num Estado cartorial, em que a intervenção do governo teria já terraplanado a área para o socialismo. Considera o empresariado brasileiro, no geral, "retrógrado, hipócrita, individualista e interesseiro" e acha que ele precisa mudar, no máximo em dois anos, pois a sociedade brasileira está deteriorando-se e a situação ficará insustentável e entrará num processo perigoso e irreversível. Qualificando-se como um social-democrata, Pih acha que a elite brasileira precisa favorecer uma melhor distribuição de renda, sob pena de vir a perder tudo. Para ele, essa é a melhor forma de estabelecer um capitalismo moderno e uma sociedade mais harmônica. No depoimento a seguir, ele fala sobre essas posições diferenciadas, que já o colocaram ao lado dos trabalhadores do seu setor, contra os outros empresários moageiros.

DIVERSIFICAÇÃO CONSERVADORA
"Meu pai transferiu-se com seus capitais para o Brasil, no início dos anos 50. Antes de se decidir onde investir pesado, comprou uma pequena frota de caminhões e realizou, por conta própria, uma pesquisa pelo País a bordo da sua empresa, em andanças que duraram três anos. Ele procurava um setor estável, sem ciclos e que fosse de consumo imprescindível. Pela lógica, chegou ao ramo de alimentos. Definiu-se pelo moinho de trigo, que oferecia uma vantagem adicional para nós, que éramos refugiados: esse tipo de empresa exigia uma autorização do governo, e isso para a família era fator de tranqüilidade. Em 1959, fui para os Estados Unidos cursar filosofia e fazer alguns estudos no terreno da Economia e Administração. Voltei, em 1966, e encontrei uma empresa que, embora bem capitalizada, tinha comportado apenas um crescimento vegetativo. O problema do setor é que só se pode crescer comprando registros ou autorização de funcionamento dos concorrentes. É um segmento muito fácil de administrar, pois o governo controla o fornecimento de matéria-prima e a distribuição do produto final, sobrando para o empresário apenas 20% dos problemas, que são a administração dos custos de produção, salários e lucros. Não é por acaso que nunca vi nenhum dos 120 moinhos do País ameaçado de quebrar. Com a acumulação apreciável de capital, foi preciso diversificar, o que foi feito de maneira conservadora: uma distribuidora de títulos e valores para gerenciar os capitais da empresa, uma imobiliária para utilizar os vários terrenos adquiridos pela família e um escritório de projetos de segurança contra incêndios para aproveitar os conhecimentos de um primo engenheiro. Procuramos investir em segmentos em que o panorama fosse seguro, num setor, o de serviços, no qual se pode aumentar ou diminuir com extrema flexibilidade ou maleabilidade, de acordo com o comportamento geral do País."

CULPA NO CARTÓRIO
"Numa negociação de dissídio coletivo, em 1985, em plena transição no Ministério da Fazenda entre Dornelles e Funaro, fiz um estudo sobre os efeitos da alteração da fórmula de cálculo salarial, quando desapareceram com alguns bons dígitos da inflação. Constatei que haveria uma grande disparidade entre o reajuste oficial e o que seria real. Esse estudo chegou aos sindicatos dos trabalhadores e serviu como instrumento na negociação. Já denunciei os malefícios do subsídio do trigo, não só por dilapidar os recursos do Tesouro Público e beneficiar as faixas de maior poder aquisitivo mas também por favorecer o enriquecimento fácil dos empresários moageiros. A socialização e a centralização do poder só trazem ineficiência e corrupção. O capitalismo é um processo econômico de acumulação de recursos muito mais dinâmico do que o socialismo. Só que não podemos afirmar que somos capitalistas. Implantar o socialismo no Brasil é muito fácil. Só falta algum líder carismático para conduzir as massas nesse sentido, porque, em termos de infra-estrutura, o socialismo já está aí. E boa parte do empresariado brasileiro tem culpa dessa situação, pois, apesar de externar uma profissão de fé pela livre iniciativa, vive à sombra do poder estatal, dos cartórios, das concessões e dos 'cips' e 'sunabs' da vida. Certamente, o modelo atual é muito mais cômodo para os interesses das elites do País."

VISÃO DE UM MARCIANO

"O bolo não é pequeno. São mais de US$ 2 mil per capita, mas o salário mínimo nem chega a US$ 450. Quando falo em redistribuição de renda, não falo em socializar o capital. Trata-se de melhorar os salários, administrar com parcimônia, eficiência e sob uma óptica social os recursos públicos e taxar o lucro excessivo. No entanto, o que parece tão fácil exige uma mudança na forma de pensar das elites. Nós teremos muito a perder se não mudarmos. Não podemos mais encarar o trabalhador como um inimigo ou achar que poderemos continuar sendo capitalistas, incluindo no mercado consumidor apenas uma pequeníssima parcela de brasileiros. Ainda não consegui entender bem por que meus pares têm tantas dificuldades para entender meu discurso. Será que eles não estão vendo que a sociedade brasileira está deteriorando-se? Ou será que sou eu, como se fosse um marciano recém-chegado ao Brasil, que não percebe direito a nossa realidade?"


« Entrevista Anterior      Próxima Entrevista »
...
Realização:
IMEMO

MANTENEDORES:

CNS

CRA-SP

Orcose Contabilidade e Assessoria

Sianet

Candinho Assessoria Contabil

Hífen Comunicação


Pró-Memória Empresarial© e o Programa de Capacitação, Estratégia e Motivação Empreendedora Sala do Empresário® é uma realização do Instituto da Memória Empresarial (IMEMO) e publicado pela Hífen Comunicação em mais de 08 jornais. Conheça a história do projeto.

Diretor: Dorival Jesus Augusto

Conselho Assessor: Alberto Borges Matias (USP), Alencar Burti, Aparecida Terezinha Falcão, Carlos Sérgio Serra, Dante Matarazzo, Elvio Aliprandi, Irani Cavagnoli, Irineu Thomé, José Serafim Abrantes, Marcos Cobra, Nelson Pinheiro da Cruz, Roberto Faldini e Yvonne Capuano.

Contato: Tel. +55 11 9 9998-2155 – [email protected]

REDAÇÃO
Jornalista Responsável: Redação do Jornal O Estado de S. Paulo • Repórter: ;
Revisão: Angelo Sarubbi Neto • Ilustrador: Novo

PROIBIDA A REPRODUÇÃO TOTAL OU PARCIAL DESTAS ENTREVISTAS sem permissão escrita e, quando permitida, desde que citada a fonte. Vedada a memorização e/ou recuperação total ou parcial, bem como a inclusão de qualquer parte da obra em qualquer sistema de processamento de dados. A violação dos Direitos Autorais é punível como crime. Lei nº 6.895 de 17.12.1980 (Cód. Penal) Art. 184 e parágrafos 185 e 186; Lei nº 5.998 de 14.12.1973


Hífen Comunicação
© 1996/2016 - Hífen Comunicação Ltda. - Todos os Direitos Reservados
A marca Sala do Empresário - Programa de Capacitação, Negócios e Estratégia Empresarial
e o direito autoral Pró-Memória Empresarial, são de titularidade de
Hífen Comunicação Editorial e Eventos Ltda.