Na Estrada do Mercado Canibal
O transporte de carga no Brasil está praticamente na lona. Há estimativa de um enxugamento de 40% desse mercado nos últimos três anos. Isso acabou fechando metade das empresas especializadas na fabricação de carrocerias de caminhão, abrindo espaço para quem resolveu enfrentar o problema, propondo novas alternativas, dentro das limitações de um quadro econômico recessivo.
Foram as dificuldades enfrentadas por embarcadores e transportadores que orientaram a estratégia dos engenheiros Luciano Salama e André Toueg, sócios da Toller Viaturas e Equipamentos Ltda. No início, a partir de 1986, quando fundaram a empresa, tomaram iniciativas que se revelaram inadequadas, diante das necessidades dos clientes. Assim mesmo, chegaram a crescer 100% ao ano. Foi o tempo das carrocerias fechadas - os "baús" - de alumínio, de alta qualidade, que ficavam ou excessivamente caras ou não resolviam totalmente os problemas do setor. Era preciso encontrar soluções revolucionárias, devido à crise e às mudanças nas estruturas dos equipamentos a serem transportados. Com a implantação do Sider, um produto com cobertura lateral de lona, a Toller cresceu 500%, desde 1990. Hoje, a empresa conta com 55 funcionários e um faturamento de US$ 3 milhões ao ano. "Temos grandes concorrentes no nosso calcanhar, pois crescemos graças à canibalização do mercado", diz Luciano Salama, que, junto com André, trouxe para a Toller a experiência de empreendimentos anteriores.
Nesta entrevista exclusiva, os dois sócios explicam como estão estruturados, qual sua política de recursos humanos, qual a estratégia de marketing, quais as prioridades de investimento e como conseguem vencer através da terceirização quase total. Eles mostram como utilizam a ociosidade do parque industrial, concentrando-se, internamente, na montagem das unidades e na especialização tecnológica.
SEM DIFERENCIAÇÃO, JÁ TERÍAMOS FECHADO
"A Toller nasceu na crise. Passamos por todos os planos, do Cruzado ao Collor, e, se não fosse a nossa idéia de entrar em nichos de mercado que não são abastecidos e de equipamentos que o Brasil não conhece, acredito que já teríamos fechado. Por isso, já nascemos terceirizados, conseqüência de nossa falta de capital e da ociosidade existente no mercado. Não adianta empatar capital em coisas que não nos diferenciam.
Investimos em novas tecnologias, em engenharia, em marketing. As empresas do ramo, no Brasil, são tradicionais, como Fachini, Randon, Antonini, que estão instaladas há trinta ou quarenta anos, enquanto, no início, nem conhecíamos direito o setor. Por isso, investimos em ferramentas, não em máquinas: a ferramenta para extrusão é da Toller, mas não possuímos a extrusora; temos a ferramenta de injeção, mas não a injetora, e assim por diante.
Ao mesmo tempo, agilizamos a produção, através de sistemas computadorizados e do treinamento dos funcionários. Com a simplificação e a racionalização da engenharia, conseguimos diminuir um tempo entre o pedido e o início dos trabalhos, de 20 dias para 24 horas. Só trabalhamos através de encomendas, no sistema de just-in-time, pois não podemos ter estoques."
ERRAMOS, MAS NUNCA FRACASSAMOS
"O mercado encarrega-se de nos indicar o caminho. Às vezes, propomos uma coisa errada, imaginando que o cliente precisa realmente daquilo. Mas descobrimos oportunidades muito além das necessidades imediatas, em direção a um mercado mais amplo. Assim, nós começamos com um baú especial em alumínio, que era pesado demais.
Nossa necessidade de sobrevivência não admitia fracassos. Fomos em frente, e o passo seguinte foi outro erro. Vendemos a idéia, porque o produto em si era bom, mas era inviável dentro da realidade do mercado. Era um furgão fechado de alumínio que, em vez de ser de chapa, era de perfis estruturados: quando ele batia, bastava trocar a peça quebrada. É um produto maravilhoso, mas custava o dobro dos similares.
Partimos para uma terceira geração de produtos, outro baú de alumínio com acessórios especiais para cada tipo de carga, quando conquistamos grandes clientes, principalmente multinacionais. Eles trazem a cultura de fora. Aprendemos, aí, que a decisão é do embarcador, não do transportador. Este quer a carroceria menos específica possível. Mas nosso produto, graças à mudança de acessórios internos, pode transportar desde roupas até equipamentos de informática."
SAÍDA PELA LATERAL
"O fator decisivo para nossa estratégia foi o governo Collor. Ele arruinou tanto o País que precisávamos de um produto que desse o máximo possível de vantagens reais aos clientes. Era preciso um equipamento mais especializado, moderno, rápido e eficiente. Devido à contração do mercado, era necessário sofisticar mais para poder vender. Escolhemos a tecnologia de um produto que surgiu na Inglaterra em 1969, explodiu na Europa no final da década de 80 e hoje está gradativamente invadindo os Estados Unidos, para onde vamos começar a exportar.
Com o Sider, demos a virada da nossa empresa, a nível de imagem, de mercado e de patamar de produção. Graças à abertura lateral, de lona vinílica especial fabricada pela Alpargatas - que é flexível, mas com resistência de um baú tradicional -, o Sider significa racionalização da carga, diminuição do custo do frete, segurança, diminuição de mão-de-obra. A versatilidade também conta: a carga pode ser embarcada por cima e por trás. Além disso, velhas carrocerias obsoletas podem ser reequipadas com Sider, o que ajuda a diminuir a ociosidade da frota.
Os concorrentes estão de olho, mas temos as patentes dos componentes finais. É claro que o conceito não está patenteado, mas criamos soluções, como aumentar por alguns centímetros a capacidade do baú, o que significa uma brutal diferença de maior volume de carga. Eles achavam que a gente iria falir, mas estamos na frente, já na quinta versão do nosso produto, oferecendo novas soluções periodicamente. Além disso, investimos em acessórios fundamentais, como as cintas que sustentam, cada uma, 1,5 mil quilos de carga e não existiam no mercado brasileiro."
SUPORTE AO CLIENTE E PROTEÇÃO AO FUNCIONÁRIO -
"O importante, no início, é conquistar um ou dois grandes clientes. Para isso, fizemos uma mala direta diferenciada, dirigida à nata do mercado. Hoje, todos os formadores de opinião do setor nos conhecem. Isso atrai os demais. Precisamos, primeiro, chamar a atenção do cliente. Depois, mostrar um produto que ele não conhece e, mesmo que veja, não entende e, se entende, não consegue imaginá-lo operando dentro da sua empresa.
Para fazer sucesso externamente, conseguimos criar um clima de cooperação interna, através da valorização profissional e da sensibilidade no relacionamento com os funcionários. Cobramos resultados, mas também trabalhamos com informalidade. O funcionário precisa sentir-se protegido e seguro, acreditando que está apostando no cavalo certo. O empresário, mesmo sem querer, no fundo é um psicólogo."
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