A Concorrência Ensina a Mudar
No tempo da fartura
- antes do Plano Collor -, vender era uma espécie de compulsão:
bastava colocar o produto na prateleira para ter que renovar o estoque. Nem
era preciso pensar no cliente, já que ele era assíduo, pagava
sem reclamar e submetia-se aos caprichos de quem costumava encarar o mercado
como uma espécie de propriedade particular. Os tempos bicudos de hoje
ensinaram que nenhum descuido fica impune e todo desleixo pode ser fatal.
O que está acontecendo no ramo de materiais de construção
é típico. Por não exigir conhecimento técnico, costuma
atrair um número razoável de empreendedores, muitas vezes empurrados
pelo desemprego e pela falta de oportunidades. Isso está reduzindo as
margens de lucro da maioria dos empresários do setor, obrigando-os a
tomar iniciativas inéditas, como fazer pesquisa sobre o perfil do cliente
e suas preferências.
Foi o que aconteceu no Depósito Brasil, de Mauá, São Paulo. Estabelecimento tradicional numa região
urbana com grande potencial de novas edificações - por possuir
ainda espaços abertos e bairros nascentes -, aos poucos viu-se cercado
pelos concorrentes. Onde antes haviam apenas três, hoje existem 23 empresas
similares. Isso fez o psicólogo Sandro Rodrigues da Cunha, responsável
pela administração da empresa, criar alternativas, como fortalecer
o atendimento personalizado e a flexibilidade no pagamento, apostando na diversificação
da oferta. É o que ele conta no depoimento a seguir.
LEVAMOS UM BAQUE MUITO GRANDE
"Não estávamos preparados para a competição.
A gente comprava, colocava o preço e vendia. Nosso forte sempre foi o
material básico - areia, pedra, ferro e bloco -, que é
responsável por 70% do faturamento, enquanto 20% é de miudezas
e 10% de material de acabamento. Tínhamos, claro, uma preocupação
com o atendimento e sempre fomos flexíveis em relação às
formas de pagamento. O sistema de caderneta foi adotado desde 1980 por minha
mãe, Dorothy Todescato Rodrigues da Cunha, que é fundadora e dá
o nome à razão social da firma.
Mas eu era contra, pois acreditava que isso só dava incomodação,
especialmente quando havia atraso no pagamento. Tive que aprender muito sobre
as funções empresariais aqui dentro. Assumi em 1988, deixando
o emprego na prefeitura de Mauá, onde trabalhava na minha especialidade,
que é a psicologia. Contatamos, então, a consultoria do SEBRAE/SP
para fazer um planejamento estratégico e, assim, neutralizar os problemas
gerados pela concorrência.
Numa pesquisa feita com os clientes aqui mesmo, dentro da loja, descobrimos
que fazíamos sucesso exatamente na forma educada de atender e no crédito
que oferecemos. Mas temos autocrítica: como o cliente é muito
carente, em geral é tratado muito mal no comércio, qualquer tipo
de atenção já é supervalorizada. Acredito que precisamos
melhorar bastante nosso nível e avançar em direção
a uma consultoria nas vendas, prestar uma orientação efetiva,
para que cada pessoa bem atendida vire um propagandista do nosso negócio."
É PRECISO TER UMA LINHA POPULAR
"A pesquisa mostrou que 60% dos nossos clientes são operários,
principalmente os da indústria metalúrgica, que estão na
faixa entre 4 e 10 salários mínimos. Temos apenas uma faixa pequena
acima de 10 salários mínimos. A recessão fez com que a
indústria reduzisse o nível de qualidade e dos padrões
de tamanho, que hoje são menores, exatamente para adequar-se à
carência dos consumidores. Hoje, não podemos ter uma linha só
de esquadrias de alumínio, por exemplo, é preciso ter uma linha
popular.
Estamos num bairro novo, onde o pessoal já levantou a estrutura, colocou
a laje e está trabalhando dentro da edificação. Daqui a
pouco, vai aumentar a demanda de material de acabamento. Por isso, estamos pensando
em investir em um auto-serviço aqui dentro, para atender a parte de material
hidráulico e elétrico, ferragens, material de pintura, utilidades
domésticas etc. O cliente poderá escolher e levar o material,
só que teremos que dar uma orientação também nesse
setor. É preciso um atendimento mais dirigido.
Vai longe o tempo em que o cliente levava apenas o que tinha em mente. É
preciso saber o que ele está fazendo, se construção ou
reforma, se não vai precisar de mais alguma coisa, qual a melhor solução
para determinado problema etc. Acho que a venda no nosso setor ainda é
superpassiva, e isso é reflexo do passado. Nunca nos preocupamos com
a queda das vendas e, agora, temos que pensar nisso. Portanto, agora é
preciso mudar tudo."
O POVO PRECISA CONSTRUIR
"Trabalhei no departamento de planejamento da prefeitura e fizemos lá
um mapeamento das favelas de Mauá. Fomos, então, em algumas favelas
pré-selecionadas e discutimos com a população a melhor
forma de construir as casas. Depois de um levantamento topográfico, demarcávamos
os locais de moradias e desenvolvíamos, então, um projeto de parcelamento
do solo, de comum acordo. O problema é que a ocupação do
solo geralmente é feita de maneira bastante caótica.
É preciso pensar em simplificar o acesso da população à
moradia, distribuindo projetos de arquitetura popular e estudando alternativas
de aquisição de material de construção. Devemos
estudar, juntamente com o poder público, linhas de financiamento subsidiadas,
pois o material está muito caro. É preciso haver colaboração
mútua entre os diversos segmentos no Brasil, inclusive entre os concorrentes.
Não podemos ficar num tipo de concorrência predatória, disputando
preço, item que gera menos fidelidade por parte do cliente. Existem coisas
mais importantes para disputar, como bom atendimento, rapidez na entrega, orientação
na hora da compra. É isso que deve ser levado em consideração."
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