A Arte de Salvar Empresas
A concordata preventiva pode ser uma saída, quando ela serve de instrumento
para uma gestão eficiente, que saiba administrar a crise em favor da recuperação
e, mais tarde, do crescimento. Por si só, não basta para evitar
uma falência. Para isso, é preciso ser do ramo, como o advogado falencista
Wolf Gruenberg, hoje acionista majoritário da Companhia Rio Guahyba,
que tem novecentos funcionários e um parque industrial de 36 mil metros
quadrados de construção, em Porto Alegre.
Não foi fácil tirar a empresa da concordata e fazê-la ocupar
70% do mercado nacional de produtos de lã. Wolf, com a ajuda do seu irmão
Jaime, também advogado e especialista em marketing, venceu todos os obstáculos,
numa aventura em que se foi envolvendo aos poucos. Em 1984, ele estava lecionando
Direito Civil na Faculdade de Bragança Paulista, quando foi convidado
para examinar a situação da Rio Guahyba. Descobriu alguns erros
básicos na gestão da concordata preventiva que tinha sido decretada
em 1983 e participou das negociações de uma possível venda
da empresa para clientes que, mais tarde, se desinteressaram do negócio.
Foi aí que uma experiência anterior de Wolf foi decisiva para o desfecho
do caso.
Ele já havia tirado duas empresas têxteis de grandes dificuldades
uma pertencente à família e outra que, mais tarde, foi incorporada
ao patrimônio familiar. Uma exportação mal conduzida acabou
colocando todo esse trabalho por água abaixo. Mas, dessa venda malsucedida,
restou um crédito retido, que serviu de capital para Wolf entrar como sócio
da Rio Guahyba. No depoimento a seguir, ele narra essa saga.
ARREGACEI AS MANGAS
"As dificuldades na empresa do meu pai foram provocadas por um mau gerenciamento
de custos. Ele fazia contabilidade com o lápis atrás da orelha.
Não se preocupava com capital de giro, custos financeiros e outros componentes.
Nem fazia idéia como havia chegado ao seu endividamento. Fui ao banco,
renegociei o passivo. Lá, perguntaram-me como seria resgatado aquilo, e
eu respondi que precisava de mais dinheiro, pois, sem isso, iria apenas fazer
mais dívida.
Ele me pediu um plano, e eu mostrei, provando que a empresa tinha um potencial
muito grande e uma série de bons clientes. Em 180 dias, a empresa estava
recuperada.
Daí por diante, só cresceu, mas, em 1976, foi consumida por um incêndio.
Logo depois, um primo do meu cunhado procurou-me, atraído pela minha experiência
de mais de trezentas falências no foro de São Paulo, para examinar
uma malharia que estava às vésperas de pedir concordata. Analisei
a empresa e disse que ela tinha salvação. Passei a dar orientação
para evitar os protestos e facilitar as composições com os credores,
mas ela não era seguida direito.
Então, arregacei as mangas e fui para dentro da empresa. Executei o plano
que havia criado e, usando uma série de estratégias jurídicas,
a pressão foi revertida, os credores passaram a procurar para fazer composições
e a indústria viabilizou-se, num prazo de noventa dias. Minha participação
era acionária, e meu irmão trabalhava comigo. Até que foi
feita uma venda de US$ 1 milhão para o exterior, que tinha sido contratada
pela Cobec e não foi honrada. Isso significou a desativação
da indústria que tínhamos recuperado."
O DINHEIRO NÃO VEIO
"Quando fui avaliar a Rio Guahyba, nunca imaginava que iria transformar-me
em acionista. Depois que os possíveis compradores se desinteressaram, recebi
a proposta de transferir o crédito que eu tinha na Cobec e assumir a empresa.
Eu acreditei. A coisa passava a ter outro molho. Mas eu não conhecia as
dificuldades do Rio Grande do Sul, do mundo da lã, nem tinha visto a companhia.
Meu pensamento era ser o acionista principal, sem ser seu executivo, viabilizar
a empresa, profissionalizando-a, abrindo seu capital.
Depois de tudo encaminhado, o dinheiro não veio. Fui correndo para Porto
Alegre. E, se havia imaginado um quadro ruim, quando cheguei lá constatei
que era muito pior. Era preciso um trabalho incessante, como um médico
na cabeceira de um paciente, na UTI. Resolvemos, eu e Jaime, renunciar a tudo
o que fazíamos em São Paulo. Antes de tudo, era preciso restaurar
o ânimo dos funcionários. Tivemos poucos dias de dezembro para criar
e colocar um plano em prática. Não havia certeza sobre a possibilidade
de pagar o décimo terceiro e não havia crédito para comprar
matéria-prima, já que estávamos sendo executados por 22 cooperativas
de lã.
Estava já vencendo um ano de concordata, e a gestão anterior não
se havia apercebido de que o credor está fora do processo, se tiver algum
privilégio. Era o caso das cooperativas, que tinham crédito rural.
Como não havia crédito junto a esse verdadeiro cartel, que era uma
federação, a Fecolã, fomos direto aos produtores. Ao mesmo
tempo, negociamos, em São Paulo, com outro credor, a Rhodia, oferecendo
garantias pessoais, como imóveis. A Rhodia acreditou na nova administração."
FAZER DO LIMÃO A LIMONADA
"Conseguimos levantar a concordata dois dias apenas antes do vencimento e
passamos a negociar com as cooperativas. Em 180 dias, liquidamos o passivo com
os principais fornecedores, pagando com linha de produtos ponchos, cobertores
etc. - que eles usam num negócio chamado parte de consumo, junto aos cooperados.
Voltamos, neste ponto, ao mercado de trocas, às origens do capitalismo.
Eu tinha de fazer do meu limão a limonada.
A última etapa foi a negociação das debêntures que
tínhamos iniciado em 40%, mas, com o fim da concordata e os sinais de recuperação,
elas acabaram em 55%, que liquidamos numa reunião histórica do Banco
Bozzano, Simonsen. Em 1986, as coisas correram bem melhor. Resolvemos agredir
o mercado, aproveitando o potencial da companhia, que foi fundada há oitenta
anos."
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