Ética e Cultura no Guarda-Roupa
Por muito tempo, comprar roupas no Brasil era um desafio difícil de ser
vencido de maneira satisfatória. Estávamos numa situação
original: confinados ao tecido nacional, compensávamos esse isolamento
copiando a moda européia, como se isso fosse alguma lei imutável.
Felizmente, a situação está invertendo-se: com o acesso à
matéria-prima vinda de fora, as confecções estão cada
vez mais preocupando-se em encontrar caminhos adequados às necessidades
do público, já que dispõem, agora, de opções
mais variadas, mais baratas e, muitas vezes, de melhor qualidade oferecidas pelo
mercado internacional.
Mas roupa não é uma questão apenas de corte e costura mas
também de atendimento. Ainda hoje, podem acontecer pequenas tragédias
no comércio. Se, por exemplo, uma vendedora de butique farejar falta de
status na cliente que se aproxima, a discriminação é servida
na hora. Isso ainda é reflexo do tempo em que não existiam muitas
possibilidades de escolha e todos se rendiam à ditadura da padronização
e da imitação pura e simples.
Conhecendo esses problemas como consumidora, Vivian de Cerqueira Leite resolveu
fazer da sua Família Trapo - microempresa de confecções
situada no bairro do Itaim, em São Paulo - uma solução para
quem quiser vestir-se com criatividade e conforto. Sua receita é simples:
contato intenso e permanente com os clientes, oferta semanal de novos modelos,
ampla variedade de tecidos e sinceridade na hora de vender.
Especializada em roupa feminina, ela começou com um hobby que, a pedido
das amigas, virou um empreendimento que procura atender as pessoas, oferecendo
uma linha clássica, mas moderna, roupas sóbrias, mas criativas.
É a invenção de uma griffe adequada aos anos 90 e sem os
erros tradicionais do setor, como ela conta a seguir neste depoimento.
NÃO HÁ TEMPO PARA IR AO SHOPPING
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"Quando precisava comprar roupa, não encontrava
o que eu queria, nem me conformava com os preços. Isso acontecia também
com minhas amigas. Comecei a confeccionar minhas roupas, a aceitar encomendas
e fui, então, crescendo. Mas precisava definir-me, deixar de ser publicitária
para montar um ponto exclusivo, que estivesse situado perto de quem eu deveria
atender.
Meu público é formado por mulheres entre 18 e 40 anos. Muitas são
executivas que trabalham o dia inteiro e não têm tempo de ir ao shopping.
São bem sucedidas, muito práticas e precisam estar bem arrumadas
no trabalho, de maneira discreta, simples e elegante, sem cair no exagero, no
dourado.
Faço o que gosto de vestir e encarrego-me de criar e desenhar tudo. Claro
que é preciso ter referências em revistas, viagens e desfiles, mas
não me entrego à moda. O objetivo é fazer uma roupa criativa
e superbem acabada. Acho que, no geral, o consumidor brasileiro ainda está
muito ligado à aparência, à marca. A nossa diferença
cultural em relação à Europa é que deve orientar as
confecções.
Presto muita atenção como as outras pessoas são atendidas
nas lojas. Quem está mal-vestido, ou não for cliente, é discriminado.
É por isso que escolho a dedo as vendedoras. É preciso ser sincera
com a cliente, insistir para a pessoa experimentar a roupa quando você acha
que existe adequação à personalidade dela. E, quando for
necessário, convencê-la do contrário.
O público tem que se convencer de que pode criar novas opções,
combinando peças, escolhendo certo. Mas, para isso, é preciso que
haja esse vínculo de confiança, pois é importante que a pessoa
se sinta bem, com uma roupa diferenciada, exclusiva e com um preço menor
em relação aos shoppings."
DA SEDA PARA O CREPE
"Os vendedores de tecido estrangeiro procuram-nos e oferecem muita coisa
vinda da Austrália, da Coréia, da Índia, do Japão
e da Alemanha. Tem também muita coisa ruim vinda de fora, por isso, é
preciso estar atento e não cair nas armadilhas. O tecido nacional tem pouca
variedade e qualidade e, quando são tingidos, costumam até desbotar.
Quando começamos, usávamos só seda, depois diversificamos
e deu certo, pois havia muita limitação. Hoje, tem de tudo e de
todos os preços, até o crepe, que é mais acessível.
Mas oferecemos também malhas, camisetas, bolsas, sapatos, shorts, biquínis,
produtos que compramos prontos para fazer as combinações, sugerir
para as clientes e evitar que elas tenham, ainda, que ir a outro lugar para complementar
o guarda-roupa.
Também trabalhamos os detalhes desses acessórios, colocando, assim,
a nossa marca. Tudo isso ajuda nossa roupa a fazer sucesso. Uma cliente acaba
trazendo a outra, e nosso marketing funciona muito no boca-a-boca. Mas, apesar
de sermos artesanais e trabalharmos com poucos clientes, temos o maior cuidado
de ter uma estrutura bem profissional, informatizada, com gente especializada
em cada área.
Tenho recebido orientação valiosa do SEBRAE/SP nessa configuração,
pois quero ter tudo bem controlado, para não perder o rumo. Desde o início,
nosso controle tem sido rígido, mas, agora, com novas ferramentas, sinto-me
mais segura. Graças a um novo sistema de cálculo e de custo, sabemos
quanto ganhamos ou perdemos. A nova estruturação ajuda-nos a crescer
sem perder a identidade, o diferencial de mercado."
A VOCAÇÃO ARTÍSTICA DO GERENCIAMENTO
"Eu me sinto realizada com esse empreendimento. Foi uma opção,
pois nunca tive problemas em ser funcionária. Sempre me dei muito bem com
meus chefes. Foi apenas uma maneira de desenvolver minha arte, pois acredito que,
dependendo do caso, montar uma empresa tem muito a ver com a vocação
artística. Fazer o que você gosta, com determinação
e vontade, faz parte da estratégia do sucesso. Mas, no começo, custei
a convencer-me de que tudo ia dar certo.
Reconheço que sou ainda muito centralizadora e nunca me dei bem com trabalhos
feitos por terceiros. É por isso que montei todo o processo aqui dentro,
tendo que administrar competências diversas, o que é bastante complicado.
Mas todos estão crescendo junto com a empresa.
A diferenciação é fundamental, pois o ramo de confecções
é muito complicado, existe um ponto em cada esquina. É preciso reconhecer
o lugar em que o mercado falha e preencher esse nicho. Acredito que existe espaço
para todas as empresas que oferecem qualidade. Ainda não estou sensibilizada
com a perspectiva de virar uma franquia, pois eu teria que estar presente em todos
os lugares para cuidar dos detalhes, e isso é impossível."
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