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« Memória Empresarial • ANO XXVIII - Ed. 4 (18/06/1987)

Surpresa e Sigilo Desafiam Montadoras

As multinacionais de automóveis são como boxeadores pesados que lutam dentro das mesmas regras do jogo. Um empresário pequeno que quiser conquistar alguma coisa nesse campo minado terá que mudar de paradigma. Entrar, por exemplo, lutando karatê, que é cheio de lances imprevisíveis para os boxeadores. Essa metáfora é usada por João Augusto Conrado do Amaral Gurgel para definir sua atuação na indústria automobilística. Desde 1969 dono da Gurgel, situada em Rio Claro, ele tem o perfil do empreendedor brasileiro capaz de cometer loucuras para realizar o sonho que o perseguia desde a infância. Tendo trabalhado como executivo de grandes montadoras, como a Ford e a General Motors, começou praticamente do nada - ou seja, com apenas US$ 10 mil e alguns sócios que aceitaram embarcar na aventura. Hoje, ele emprega 650 funcionários e centra sua produção nos utilitários, procurando preencher nichos que os fabricantes tradicionais não atendem com eficiência. Sua meta é conquistar 5% do mercado repartido pelas multinacionais, com as quais mantém um relacionamento de proximidade e desconfiança. No depoimento a seguir, Gurgel explica como desenvolveu sua estratégia, baseada no sigilo industrial e nos ataques de surpresa.

MEU CHEFE ME CHAMOU DE LOUCO

"Desde criança, queria fabricar veículos. Costumava consertar carrinhos e bicicletas, e isso já indicava certa aptidão para o negócio. Quando cursei a Escola Politécnica, cheguei a desenhar um automóvel, que conceitualmente era o mesmo Cena - Carro Econômico Nacional que estamos lançando, um pequeno veículo de dois cilindros. Para aprender mais, trabalhei na Cobrasma e na General Motors, onde consegui uma bolsa de estudos de especialização nos Estados Unidos. Lá, trabalhei dois anos na Buick Motor Company. Voltei para o Brasil, trabalhei na Ford e resolvi partir para a fabricação de automóveis. Meu chefe me chamou de louco. No início do empreendimento, ninguém nos queria vender motores, então resolvemos produzir o Gurgel Junior, que era um carro para crianças com motores estacionários, e mais tarde passamos a fabricar karts de competição. Em 1965, convenci o presidente da Volkswagen a me ceder o chassi. Ele aceitou só depois de ver e gostar do projeto do carro. Pediu, então, para construir um protótipo, que foi batizado de Ipanema e apresentado no Salão do Automóvel daquele ano. Foram feitos duzentos pedidos na feira, mas não consegui convencer os sócios a entrar na aventura. Na época, sobrevivíamos fazendo luminosos plásticos e o setor de carros era quase um hobby."

UM JIPE CONFORTÁVEL

"Fundamos a Gurgel em 1º de setembro de 1969. No início, fazíamos um carro Ipanema por semana. Naturalmente, existia uma revenda que mantinha essa pequena fábrica funcionando. Assim mesmo, costumávamos ficar com o pátio cheio. Passamos a vender através da Volkswagen, depois que o carro foi devidamente inspecionado. Descobrimos numa pesquisa que o Ipanema estava sendo utilizado em fazendas como substituto do jipe. Resolvi investigar esse mercado. Conhecendo bem a filosofia da Ford, concluí que o jipe Willys só era economicamente viável a partir de mais de trezentos carros por mês. Naquele tempo, a Ford estava fazendo 340 por mês. Achei que poderia dividir esse mercado, pois nosso custo industrial era muito baixo. O conceito de jipe estava errado: era um carro muito duro, feito para a guerra. Transformamos o Ipanema e demos ênfase ao conforto e à anatomia dos bancos, desenhados com o auxílio do Hospital Godoy Moreira, especialista em coluna. Desenvolvi suspensão com mola espiral e começamos a vender a idéia. Provamos ao Ministério da Agricultura e a várias empresas que o produto mais importante é o homem, que estava sendo destruído por um veículo projetado para a guerra. Fomos introduzindo nosso carro e, em 1983, quando atingimos a produção de 160 carros mensais, dividindo o mercado de jipes, a Ford parou a fabricação, como estava previsto."

DRIBLE NA CONCORRÊNCIA

"A Gurgel continua desenvolvendo utilitários, mantendo as mesmas características do primeiro jipe, o Gurgel X-12. Passamos pelo X-20, X-15 e chegamos à linha Carajás, muito avançada. Fizemos uma picape e lançamos em 1982 um carrinho pequeno chamado Xef, de três lugares, esportivo, que produzíamos em pequena escala. Numa grande montadora, quando se define uma estratégia, é praticamente impossível evitar o vazamento de idéias. Na nossa empresa conseguimos fazer sigilo. Mantemos, às vezes, duas linhas de produto. No caso do Cena, chegamos a fazer um filme mostrando o motor que não iríamos fabricar. Nosso grande problema hoje é a transição de pequena para grande empresa. Para crescer, posso até perder o controle no futuro. Foi um grande passo ter aberto o capital da Gurgel. Passamos de 350 para 650 funcionários recentemente. E estamo-nos preparando para mais. É preciso desvencilhar-se da burocracia para poder criar uma sinergia dentro da empresa. Qualquer decisão deve ser tomada em grupo, para que não se cometam erros. Ao mesmo tempo, não pode haver excesso de gente decidindo. Tudo isso não deve impedir as improvisações necessárias. Às vezes, visto o macacão e trabalho com os funcionários. Porque há momentos em que um produto tem que sair de acordo com aquilo que eu quero. Se não estiver, esquece, joga fora."


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