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« Memória Empresarial • ANO XXVIII - Ed. 5 (09/07/1987)

O Homem que Tentou Comprar a Light

Existe uma idéia equivocada no Brasil de que o empresário precisa ficar sempre dependendo do governo, sem condições suficientes para alçar vôo sozinho, tendo lucro, crescendo e gerando emprego. Mas tem gente que pensa de modo diferente. O mineiro Ivan Muller Botelho, presidente do Conselho de Administração do grupo Cataguazes-Leopoldina, já fez de tudo para contrariar essa regra, defendendo a idéia de que o empresário e o povo precisam ser fortes, enquanto o Estado deve deixar de ser arrogante e autoritário.
Herdeiro e dinamizador de um grupo que foi fundado pelo seu tio-avô, o senador Ribeiro Junqueira, em Cataguazes, interior de Minas, em 1905, ele já passou por experiências significativas nesse duelo permanente contra a mentalidade estatizante. Na década de 70, por exemplo, ele decidiu comprar a Light, mas o governo impediu e acabou, um mês depois, encampando a empresa por US$ 100 milhões mais do que ele tinha oferecido. Mais tarde, tentou comprar uma empresa mineira de energia elétrica, que também acabou virando outra estatal.
Mas, em junho deste ano, ele saboreou uma revanche e conseguiu comprar em leilão a Nova América, tradicional empresa têxtil que estava nas mãos do governo. Do alto de um patrimônio de US$ 300 milhões, envolvendo treze empresas nas áreas de energia, têxtil, telecomunicações e informática, Ivan define-se como um "alcoólatra do trabalho" e conta, no depoimento a seguir, os detalhes da sua estratégia.

BATISMO DE HUMILDADE

"Quando eu me formei, fui trabalhar numa empresa americana. Cheguei lá todo metido, porque era engenheiro formado em cursos da Inglaterra e dos Estados Unidos. Então, eles me mandaram subir num poste. Retruquei, mas eles insistiram, e eu subi, caí, subi e depois desci. Eles disseram: 'Isso é para você aprender que não sabe tudo, você não sabe subir em poste'. Aquilo foi uma lição.
Isso me valeu muito, porque, quando cheguei aqui, em 1957, fiz a mesma coisa e acho que, assim, acabei ganhando respeito dos meus funcionários. O engenheiro não é aquele que fica no escritório fazendo cálculos e dando ordens, mas é aquele que também age e procura saber dos seus funcionários ou dos consumidores o que está acontecendo. Essa mentalidade não havia no Brasil, porque a empresa era autoritária e o Estado mais autoritário ainda. O conceito de oferecer um serviço não existia, assim como não existe plenamente hoje. Houve uma revolução.
Pude ver muita coisa na Europa e nos Estados Unidos que me impressionou, como, por exemplo, a forma como as pessoas reduzem as palavras e fazem as coisas ficarem mais simples. Acho que o estilo latino complica muito, a gente fala demais. É preciso ser mais pragmáticos, agir mais. Na administração empresarial, a gente faz discussões muito longas antes de chegar ao ponto."

UMA OFERTA FRUSTRADA
"O germe da nossa estratégia empresarial está lá em Cataguazes. A implantação da primeira hidrelétrica, a Usina Maurício, pelo meu tio-avô, foi um ato de pioneirismo. Na mesma época em que se iniciava a implantação da Light no Brasil, nós já pensávamos em trazer esse grande benefício ao povo. Hoje, posso dizer que a Cataguazes, que tem 125 mil consumidores, é um paradigma no setor de energia elétrica. Nossos índices de eficiência e de custos são os melhores.
Em 1964, com o reconhecimento da inflação, foi dado às empresas do setor o direito de reavaliar seus ativos de acordo com os índices inflacionários. Isso permitiu o crescimento das empresas. Desde 1957, tínhamos feito mais duas hidrelétricas e aumentado nosso potencial dez vezes. Despertou-nos a centelha de que estaríamos confinados, porque crescia cada vez mais o Estado autoritário, principalmente o Estado arrogante, que não ouvia o povo. O Estado só dava ordens, e isso nos preocupava muito.
Percebi que não íamos ter a oportunidade de crescer, então, fiz uma oferta para comprar a Light. Fui aos Estados Unidos, procurei vários banqueiros, fui à França, falei com o sheik Abdu Lazis, que se comprometeu a entrar com US$ 50 milhões num 'pool' e o American Express entraria com outra parte. Mas, aí, começaram as frustrações. O Estado nem respondeu a minha carta. O argumento era de que haveria abuso do empresário em querer comprar algo num setor de segurança nacional. Isso foi só uma desculpa para dizer que não se quer o empresário forte."

REVANCHE NA ÁREA TÊXTIL

"Depois dessa frustração, ainda tentei outra, porque a gente bate a cabeça e não aprende. Fiz uma oferta pública para a compra da Companhia Mineira de Eletricidade, que tinha ações pulverizadas na Bolsa e era comandada por vários grupos. Mas o Estado fez uma contra-oferta, encampou a empresa e acabou surgindo mais uma estatal.
No início dos anos 70, achei que deveríamos diversificar. A família tinha uma tradição na área têxtil, com uma indústria não ligada à Cataguazes. Como tínhamos know-how, achamos que seria interessante investir, mas de tal forma que houvesse absorção do nosso potencial elétrico. Compramos uma empresa falida, a Multitêxtil, e em quinze anos quintuplicamos sua produção. A área têxtil estava expandindo-se, e achei que deveria comprar algo do governo, pois já estava ficando nervoso com essa história de o Estado ter tirado o pão da minha boca por duas vezes. Em 1981, foi aberta a concorrência da primeira privatização e compramos a América Fabril, que tinha sido fundada em 1887. Nesse ano, compramos, também, a Nova América, antiga dissensão da América Fabril.
Não sou um colecionador de empresas. Eu quero dar lucro. Sou o que os americanos chamam de 'alcoólatra do trabalho'. Sinto-me bem vendo algo crescer, aparecer."


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