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« Memória Empresarial • ANO XXVIII - Ed. 27 (20/07/1988)

Em Busca do Modelo Brasileiro de Administração

Todas as experiências administrativas aplicadas no Brasil têm um ponto em comum: são importadas. Por isso, é raro encontrar um empresário que assuma explicitamente a tarefa de estar participando da criação de um modelo brasileiro de administração. Essa resistência não se justifica, pois a cultura do País já deu mostras da sua criatividade ao elaborar produtos próprios a partir da experiência alheia adaptada às condições locais. Além disso, a criação de um modelo brasileiro de administração já está ocorrendo na prática, mesmo que pouca gente reconheça isso.
O presidente do Mangels, Peter Mangels, faz questão de dizer que a ambição da empresa no domínio da tecnologia e na democratização interna tem por objetivo estabelecer um modelo próprio de administrar negócios. Esse modelo, tipicamente brasileiro no seu entender, deve sustentar-se no estímulo à criatividade do trabalhador local e na sua permanente motivação.
A Mangels começou, há sessenta anos, produzindo baldes de latão. Hoje, é um conglomerado que abriga seis empresas do setor mecânico e de transformação de aço, produzindo recipientes criogênicos, rodas de ligas de aço, laminados de aço de alto carbono e máquinas controladas por comando numérico, entre outros itens. Para dar esse salto, aprendeu com as montadoras de automóvel o poder da tecnologia e com os japoneses a importância da participação dos seus 4 mil funcionários. A seguir, ele explica essa estratégia de transformação.

O PODER DA TECNOLOGIA
"O contato com as montadoras foi um negócio muito interessante. Produzíamos muito e ganhávamos quase nada. A diretoria lutava feito doida para manter uma empresa enxuta e eficiente, para fornecer a clientes extremamente desorganizados na administração e que sempre impunham preço. Foi a nossa grande lição. Percebemos que as montadoras tinham um produto de tecnologia e que, com o poder da tecnologia, até a ineficiência administrativa poderia ser coberta.
Mas tecnologia não é um predicado especial da indústria automobilística, é a grande arma na selva do capitalismo, onde vence quem tem mais poder. Começamos, então, a abrir um novo canal para as rodas que fabricávamos junto ao comércio de reposição. Cientes de que sem a força do produto sofisticado não se consegue sobreviver bem no mercado, estabelecemos o projeto de transformar a Mangels na griffe das rodas, com modelos de alto valor agregado.
Com o crescente sucesso no mercado de reposição e, mais tarde, com a abertura das exportações, fomos lentamente abandonando as entregas às montadoras. Atualmente, não produzimos nenhuma roda para esses clientes. Nosso projeto de exportações de rodas começou, logicamente, pelos Estados Unidos, que faziam exigências técnicas sérias e tinham um processo de aprovação de modelos muito severo. Nossa primeira exportação levou três anos para ser aprovada, mas, hoje, os novos modelos de rodas da Mangels não demoram nem três meses nesse processo."

BARRIGADA COMERCIAL
"Dentro da estratégia de conseguir poder de barganha com produtos sofisticados, resolvemos investir firme na laminação de aços especiais, importando, em 1969, um laminador supersofisticado de alta capacidade de produção e precisão. Essa atenção especial aos produtos de maior valor agregado fez com que nossa produção de aços passasse de 15 mil toneladas em 1975 para 20 mil toneladas em 1988, enquanto o nosso faturamento dobrou.
Mas é preciso ficar atento à adequação da tecnologia com o produto. Logo que entrei na Mangels, dei uma grande barrigada comercial. Estava meio chateado com a qualidade dos baldes então existentes - feios, incômodos e barulhentos - e resolvi lançar um balde muito bacana, colorido, oval para não bater nas pernas, contornado por anéis de borracha para não fazer barulho e com graduação de litros. Só que o meu produto foi o maior fracasso de vendas. No mercado de baldes, ninguém paga o dobro só para ter qualidade. Foi um caso típico de tecnologia empregada no produto errado."

ESCOLA DE SAMBA

"Em 1975, uma pequena crise no faturamento justificou a introdução de um programa de administração participativa. Contratamos uma ampla consultoria da Nederland Pedagogisch Institute - um instituto holandês que tem visão bastante humanística da integração do homem ao trabalho - e do Stating Reserve Institute - um centro de estudos norte-americano com visão mais econômica da administração participativa. Podemos dizer que nosso modelo nasceu de um cruzamento das duas visões, e esse produto foi lentamente absorvido e moldado à forma de ser da Mangels.
Procuramos, também, a consultoria de eméritos carnavalescos. Numa escola de samba está a prova de quanto o brasileiro pode ser organizado e disciplinado. O único poder dentro de uma escola de samba é a motivação, a integração de cada um dos seus milhares de membros aos objetivos determinados pelo grupo. Esse compromisso do indivíduo com o objetivo coletivo, a flexibilidade e a criatividade existentes numa escola de samba podem ter bons paralelos dentro de uma empresa.
O planejamento empresarial e o poder de decisão estão na mão do nosso conselho diretor. No entanto, esse poder superior é aberto à interferência de todo o conjunto de funcionários, e é aí que se sustenta o nosso projeto de integração e participação. Temos dois caminhos: no nível decisório, os planos saem do conselho, descem para as diretorias de divisão e gerência e voltam discutidos, revistos, modificados e, às vezes, enterrados; no nível operacional, a intervenção dos funcionários chega até a linha de produção e, através dos Círculos Mangels de Qualidade, o mais simples peão pode propor alterações radicais. Esse compromisso do trabalhador com o aperfeiçoamento do que está fazendo já rendeu até duas patentes técnicas para nossos funcionários.
O cerne do sucesso de um programa participativo é, antes de tudo, uma questão de educação: é necessário que os chefes vejam as pessoas como seus colaboradores, e não como subordinados. Não existe gente mais criativa e motivável do que o brasileiro. Só que o nosso povo parece um esplêndido foguete com baixíssima autonomia de vôo: se não for permanentemente realimentado com o combustível da motivação, despenca.
O importante é que o empresário esteja exposto e disposto às novas alternativas. Assim, ele poderá misturar a massa e fazer o seu bolo. Certamente um bolo melhor do que o pão dormido tradicional."


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