Três Pedidos Para Salvar o Dia
Aquele vendedor não estava numa fase favorável. Não conseguia
vender nada, nem para seus clientes mais antigos e fiéis. Mas ainda restava
a última esperança: a sala de espera de um grande comprador. A secretária,
porém, foi logo avisando:
- O chefe mandou dizer que não quer nada hoje.
- Como não? Diga que preciso ser recebido de qualquer jeito.
Foi atendido, mas também não conseguiu nenhuma encomenda.
Desesperado, ele saiu para a rua, praticamente chutando pedra, pensando no que
iria dizer para seu patrão e como fechar seu próprio faturamento
naquele mês. Foi quando, num chute a esmo, uma garrafa voou, quebrou e de
dentro saiu um Gênio, todo envolto em fumaça colorida:
- O senhor agora é meu dono, disse o Gênio. Tem direito a três
pedidos.
- Espere um pouco, gritou o vendedor, entusiasmado. Deixa eu pegar meu talão
para preencher os dados.
Antonio Emanuel do Vale Leitão e Anselmo Soares, dois dos quatro
sócios da Indústria de Cosméticos Naturais Calantari Ltda.,
gostam de contar essa piada para explicar o perfil da empresa, situada no município
paulista de Diadema. "Somos essencialmente vendedores", diz Anselmo. "É
por isso que nossos produtos são encontrados desde a pequena farmácia
até o grande supermercado."
Não foi fácil para eles conseguirem conquistar clientes num setor
dominado pelos grandes fabricantes. Foi preciso colocar na roda a experiência
adquirida em bem-sucedidas carreiras na Gillette, onde aprenderam a ter e a exigir
desempenho de multinacional. Neste depoimento exclusivo, os nordestinos Anselmo
e Emanuel explicam como conseguiram coragem para pedir demissão, montar
um negócio de representação e, a partir do capital levantado,
investir na Calantari. Tudo isso sem ajuda de nenhum Gênio.
COMO DESMONTAR UMA FUNDAÇÃO
"Hoje somos especializados em desodorantes do tipo spray e creme, colônias,
perfumes e lavandas e nos apresentamos no mercado principalmente através
da marca Aromatíssimo. Mas nem sempre foi assim. Tivemos que definir nossa
linha de atuação logo que assumimos a empresa, em 1989, quatro anos
depois da sua fundação. Existiam sete sócios, todos com outras
atividades, e ninguém com disposição de dedicar-se a ela
em tempo integral.
Parecia até uma fundação, com os envolvidos trabalhando apenas
à noite ou nos feriados e fins de semana. Eram profissionais que queriam
ser empresários, mas não tinham o sangue dos empreendedores. Isso
não nos servia. Era muito cacique para nenhum índio e, o que é
pior, cacique sem vontade de assumir o comando. Resolvemos, então, colocar
as cartas na mesa: quem estava disposto a trabalhar na firma ficava, senão
caía fora. Ou, então, nem nos interessava entrar no negócio.
Depois de resolver o problema societário, tivemos que irrigar um pouco
a empresa, pagar alguns débitos e torná-la apta para começar
a deslanchar. E, finalmente, partimos para o desenvolvimento de novos produtos
- hoje, temos quatro linhas de atuação - com novas embalagens
e uma política agressiva de vendas. Produzimos 160 mil unidades por mês,
com a colaboração de 24 funcionários."
VENDEDOR TEM VOCAÇÃO DE ARTISTA
"Nossa publicidade é o vendedor quem faz, no 'front' do
mercado, no próprio ponto-de-venda. Ninguém vira vendedor, o sujeito
nasce com a vocação. Ele é um verdadeiro ator, precisa transformar-se
em cada ato da sua visita, pois existe um palco diferente em cada situação.
Tem cliente que gosta de falar sobre esporte, outro sobre política, então,
o profissional precisa participar, estar atualizado sobre tudo, entrar na conversa
para poder tirar o pedido.
Conseguimos implantar-nos no mercado graças às novas tendências.
A abertura do mercado para os produtos internacionais de perfumaria abriu ainda
mais os olhos dos consumidores brasileiros para grandes variedades de essências
existentes. O problema é que o preço desses produtos normalmente
são proibitivos, por isso criamos alternativas mais baratas para atender
essa demanda, que foi ampliada com a importação. A qualidade, é
claro, não é idêntica, mas oferecemos produtos honestos a
preços dez vezes mais baixos do que os similares estrangeiros.
Descobrimos, também, que existia a oportunidade para produtos populares,
principalmente no mercado consumidor do Norte e Nordeste, onde o clima favorece
o consumo de cosméticos. Lançamos uma linha com uma variedade de
quatro fragrâncias refrescantes. São perfumes tropicais que estão
tendo grande aceitação lá e agora começam a ser vendidos
também por aqui, na região Sudeste."
O EMPRESÁRIO BRASILEIRO QUER MUITA MORDOMIA -
"Antes
da crise, quem abria uma empresa no Brasil já queria estar, no dia seguinte,
de posse de um carro zero quilômetro, um apartamento à beira-mar,
uma fazenda em Mato Grosso e uma lancha de luxo na represa. Hoje, ainda existe
esse tipo de mentalidade, mas os déficits, os problemas de caixa não
permitem mais sonhos mirabolantes.
Felizmente, nossa formação foi numa multinacional, onde os dirigentes
pensam de outra maneira. Eles prevêem um crescimento gradativo, um acompanhamento
rígido dos funcionários e um treinamento constante para que eles
possam estar atualizados e oferecer serviços diferenciados. Eles investem
tanto que nem compensa mais demitir as pessoas. Conosco aconteceu o mesmo.
Anselmo, por exemplo, chegou a ser gerente de vendas, mas não estava satisfeito,
pois seria reconhecido sempre pelo nome da empresa e não pelo seu próprio
nome. Resolvemos, então, partir para uma firma de representação,
onde conseguimos abrir caminho para vários tipos de produto. Só
que cansamos de ser recompensados com uma dispensa, pois as empresas beneficiadas
pelo nosso trabalho resolviam montar sua própria equipe de vendas, o que
saía bem mais em conta para eles. Precisávamos de produtos próprios,
de uma empresa nossa."
O NORDESTE TEM PIQUE EMPREENDEDOR
"Graças a essa mentalidade aberta, adquirida numa multinacional, pudemos
amoldar o pessoal interno a uma filosofia de atuação mais dinâmica
e conseqüente. Temos, inclusive, acompanhamento de um consultor do SEBRAE/SP,
que vem aqui e passa tarefa para todos e depois cobra resultados, o que tem sido
muito bom para modificar hábitos e aumentar a produtividade. Esse trabalho
de conscientização tem sido altamente positivo, pois damos provas
de que, aqui, todos podem crescer junto com a empresa.
Vimos como funciona o preconceito no nosso trabalho anterior. Muitas vezes, apesar
de existir no Nordeste gente qualificada para promoções, esses cargos
eram preenchidos normalmente por pessoas que estavam em São Paulo ou no
Rio, mais próximas da diretoria. Quando alguém é transferido
para o Nordeste, costuma ficar desesperado, esquecendo que temos grandes centros
urbanos e numerosos exemplos de empresas bem-sucedidas.
Hoje, temos também uma firma no Recife, só que não é
mais de representação, e sim de distribuição. A vantagem
de ser pequeno é que não dependemos da opinião da matriz
no exterior, decidimos na hora, no momento certo, o que nos dá muita agilidade."
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