Com os Pés no Chão, nas Mãos de Deus
O empresário da crise - foco principal desta série de depoimentos
- manifesta sua criatividade a partir de experiências traumáticas.
A ameaça ao patrimônio, à sobrevivência e ao próprio
empreendimento gerou, em primeira instância, ansiedade, medo e frustração,
mas essa fase já passou. Hoje, acontece um fenômeno ainda pouco
estudado pelos especialistas em administração: escaldado pelas
dificuldades, o empresário brasileiro criou um modelo estratégico
próprio, adequado aos problemas do País, aos caprichos do mercado
e ao tamanho real das suas pernas.
E o que é mais importante: ele sistematiza, empiricamente, um universo
conceitual, que é verdadeiro maná de sugestões para os
teóricos profissionais. Samir Nakad, proprietário da Sameka Modas Ltda. - www.sameka.com.br -, por exemplo, jamais sonhou em se transformar em objeto de estudo,
já que possui uma pequena empresa têxtil, com apenas cinqüenta
funcionários, escondida na pequena Birigüi, interior de São
Paulo.
Mas, apesar de suas limitações físicas, ele pode revelar,
com lucidez, o que está acontecendo no Brasil real. Membro de uma família
tradicionalmente envolvida com o setor têxtil, ele assumiu a empresa aos
19 anos, em 1983, e seu desenvolvimento como empresário coincidiu com
seu processo de amadurecimento pessoal. Aprendeu a verticalizar, terceirizando,
por exemplo, uma solução que ele explica neste depoimento exclusivo.
Também aprendeu outras coisas, como preferir clientes pequenos aos grandes
magazines, explorar mercados no interior dos estados, produzir mais com menos
gente, escolher chefes que coloquem a mão na massa, contratar com parcimônia,
ganhar menos, mas sempre. E crescer com os pés no chão, mas colocando
seu empreendimento nas mãos do Altíssimo, como ele gosta de se
referir à entidade que o salvou de um enfarte, no auge da crise.
SAÍDA PELA DIAGONAL
"Para conseguir qualidade de forma homogênea nos produtos que fabrico
- malhas infantis, principalmente, entre outros itens -, decidi verticalizar,
mas trabalhando com terceiros, já que não tenho capital nem consumo
para verticalizar do começo ao fim. Agora, compramos os fios dentro das
especificações, mandamos confeccionar e tingir os tecidos dentro
das nossas especificações e padrões. O resto - corte,
estamparia e costura - a gente faz internamente.
Isso dá garantias para os comerciantes, que conseguem sempre comprar
exatamente o que está exposto no nosso mostruário. E também
nos dá equilíbrio nos custos e na qualidade que oferecemos no
mercado. O objetivo é conseguir o ponto certo da balança, em que
o consumidor fica satisfeito com o produto e consegue pagar um preço
justo. Nossa escala de produção é baixa, e o preço
não é tão favorável como o das grandes manufaturas,
mas sobrevivemos, porque vendemos peças exclusivas para poucos clientes.
Como trabalho dentro da realidade do mercado, acredito que estou praticando
preços corretos. Nossos clientes ganham dinheiro vendendo nossos produtos
e costumam ser fiéis na reposição das peças. Acho
que o maior atrativo é que oferecemos peças com uma beleza singular,
o que agrada o representante e o lojista, e isso faz com que a gente vá
ganhando mais mercado."
MAIS CLIENTES, MENOS RISCOS
"Já atendi grandes empresas, mas, honestamente, não tenho
interesse. Sinto que o grande não me traz o retorno constante do pequeno.
Mesmo quando há uma retração, o pequeno ainda compra um
pouco, mantém um relacionamento com o representante, pois sabe que ele
e a empresa fornecedora precisam sobreviver. O grande pode, de repente, cortar
os pedidos, além de pressionar muito por preços e prazos.
Os grandes, agora, estão comportando-se de maneira diferente, estão
descentralizando as compras, criando etiquetas e departamentos específicos,
entrando em nichos do pequeno lojista, o que tem aumentado a concorrência.
Mas minha preferência é pelos pequenos, que se encaixam na minha
produção de 350 a 400 conjuntos por dia. Quando pulverizamos as
vendas, corremos menos riscos de inadimplência, é possível
ficar de pé e trabalhar.
Outra vantagem é que você não sofre uma pressão tão
grande por ser um pedido muito alto. E existe o fator atendimento: grande empresa
não consegue tratar o cliente de maneira diferenciada e próxima.
Quem quiser falar diretamente comigo tem acesso à minha agenda, e isso
não acontece nas grandes estruturas.
Com uma produção menor, você vive mais tranqüilo e
pode atender mercados menos congestionados, como o interior de Minas Gerais,
Bahia, Rio de Janeiro, Mato Grosso do Sul, Mato Grosso e até mesmo cidades
do interior de São Paulo. Curiosamente, vendemos bastante para Fortaleza,
que é um centro distribuidor para as pequenas cidades do interior do
Nordeste."
ESTAMOS NAS MÃOS DOS CONSUMIDORES "Com as crises sucessivas, houve uma espécie de seleção
natural do nosso setor. A gente sente que as pessoas que levam mesmo jeito para
o comércio continuam aí, trabalhando. Elas conseguiram enquadrar-se,
comprando o que podem vender, sem excessos, e não estão mais preocupadas
com lucros, fazendo grandes estoques. Mas acredito que mais importante do que
a mudança de mentalidade do empresário é a necessidade
de uma nova postura do consumidor.
Feliz ou infelizmente, estamos nas mãos dos consumidores. Eles precisam
conscientizar-se de que o melhor caminho é comprar apenas o necessário,
exigindo mais qualidade e durabilidade dos produtos. Eles precisam saber como
se conduzir no orçamento mensal. Se for criada essa cultura no público,
poderemos crescer com mais segurança. Assim, os consumidores poderiam
ajudar a manter a atividade empresarial de forma tranqüila, adequada à
realidade. A crise ensina-nos a ter mais produtividade. Hoje, estou produzindo
70% do que produzia há dois anos, mas com 50% dos recursos utilizados.
Aprendi a não trabalhar mais com expectativas, apenas com a realidade.
Agora, procuramos atender o mais rápido possível o que o mercado
nos impõe de imediato."
UMA FORÇA VINDA DO ALTO
"Quando você reduz sua empresa, os custos fixos passam a representar
mais, e isso pesa na rentabilidade. Mesmo assim, considero um bom sinal a gente
poder aumentar a produtividade mantendo a produção, pois isso
pode trazer mais resultados para a empresa.
Aprendi, com as dificuldades, a administrar de maneira diferente, pois o empresário
só obtém sucesso se fizer o funcionário participar das
decisões. Ele também aprendeu que é melhor ganhar um pouco
menos, mas de maneira constante. E a mudar seus hábitos. Hoje, procuramos
aproximar as equipes, com os chefes fazendo muitas vezes o serviço do
subalterno, e este desempenhando algumas funções do chefe.
No auge da crise, quando as coisas estavam muito difíceis, consagrei
a empresa a Deus. Falei que eu era apenas um administrador, estava procurando
fazer o melhor possível e que precisava de uma força para continuar
o trabalho iniciado há tanto tempo. Pedi ajuda não para mim, mas
para poder manter o empreendimento. A partir daí, deu tudo certo."
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