Batismo de Fogo da Indústria do Frio
O mercado de sorvete tem um potencial enorme no Brasil, mas é muito complicado.
Como enfrentar as armadilhas da sazonalidade, o prestígio dos grandes fabricantes,
os problemas da distribuição ou a concorrência de grandes
e pequenas empresas? Esse parece ser um desafio para gente calejada no ramo, mas
não é o que está acontecendo na Frescone Sorvetes e Polpas,
empresa fundada em 1989 e comprada em 1991 por dois economistas recém-formados,
Renato Pasmanik e Ettore J. Della Santa Jr.
Filhos de empresários bem-sucedidos, eles decidiram investir num negócio
próprio, não só para testar a capacidade de cada um mas também
para realmente tentar sobreviver através de um processo produtivo de longo
prazo. Mesmo reconhecendo a importância da formação universitária,
hoje eles concordam que a batalha decisiva é travada no "front"
do mercado, no qual tiveram que aprender tudo, desde as coisas mais básicas.
A partir do "feeling" inaugural, eles puderam montar uma estratégia
baseada na diversificação dos produtos - com destaque para
o segmento de polpa congelada de frutas -, na descoberta de nichos específicos
e na inovação de métodos. Na fábrica situada em Taboão
da Serra, na Grande São Paulo, e na sede instalada próxima aos principais
shoppings da cidade, no Butantã, Renato cuida das vendas e do marketing
e Ettore, da administração e da produção.
Aos 23 anos, eles procuram criar uma alternativa viável baseada na diferenciação
e na agilidade do atendimento, abrindo caminhos próprios entre grandes
e pequenos concorrentes. É o que eles contam a seguir, neste depoimento
exclusivo.
SENTINDO O NEGÓCIO NO PALADAR -
"Conhecíamos os produtos Frescone como consumidores. Eram sorvetes
artesanais, vendidos a domicílio, mas a fábrica enfrentava dificuldades
e foi posta à venda. O que realmente nos atraiu foi o segredo das receitas
exclusivas, que depois ampliamos, baseados, principalmente, no apuro do nosso
paladar.
Nosso crocante, por exemplo, é diferente, porque adicionamos coisas de
que gostamos, além de manter a honestidade da matéria-prima, como
a castanha, o chocolate etc.
No primeiro ano, apenas tomamos conhecimento e, só depois de nos convencermos
de que esse era o nosso negócio, foi que investimos numa nova fábrica,
comprando equipamentos mais modernos. Descobrimos a importância de uma nutricionista
para trabalhar como consultora, o papel de matérias-primas fundamentais
como o leite ou a variedade das essências, o esquema com os fornecedores,
as normas técnicas, a higienização.
Resolvemos não colocar todos os ovos numa só cesta e partimos para
a diversificação. Atendemos vários segmentos, como o das
cozinhas industriais, um ramo praticamente novo no Brasil, pois, só agora,
os empresários estão convencendo-se de que é preciso cuidar
da alimentação do trabalhador para aumentar a produtividade. Atendemos
grandes empresas, distribuindo sorvetes em copinhos lacrados e sobremesas de diferentes
tipos. Esse era um nicho pouco explorado pelos fabricantes de sorvetes, responsável,
hoje, por uma parte substantiva no faturamento."
SOLIDEZ É A PRIMEIRA META
"Nosso maquinário é o mais avançado do setor, e o know-how
foi desenvolvido graças à colaboração dos fornecedores,
que têm todo um esquema de apoio e desenvolvimento de procedimentos exclusivos
para as necessidades de cada fabricante do setor. É preciso saber usar
todo esse arsenal de conhecimento que nos é colocado à disposição.
Ao mesmo tempo, é fundamental aproveitar as oportunidades que o próprio
mercado oferece. Por exemplo: éramos, no início, distribuidores
de polpa congelada de frutas de um grande fabricante e, quando não quiseram
mais nossa colaboração, resolvemos também entrar nesse nicho.
Fomos para o Nordeste, fizemos contatos e hoje somos responsáveis pelo
saquinho de 100 mililitros de frutas diversas: basta abrir e colocar no liqüidificador,
adicionar água e açúcar e você tem sucos de todos os
sabores. Esse segmento é poderoso e não fica restrito às
frutas, mas também a outros produtos, facilitando a vida das pessoas na
rotina do processamento caseiro de alimentos. Nossa polpa é colocada no
mercado num esquema bem pulverizado, com minidistribuidores que levam para clientes
diversos.
Existe nesse setor uma concorrência prostituída, pois muita gente
pode fazer polpa sem nenhuma higienização, de maneira artesanal.
É preciso dar atenção ao consumidor, que hoje pede qualidade
e segurança. Assim que pudermos investir mais, vamos avançar nesse
tipo de operação, já que esse mercado é muito carente.
Estamos, inclusive, fazendo contatos para exportação em breve.
Não estamos ainda sólidos no mercado, mas caminhamos para isso e
vamos atingir essa meta a médio prazo. Temos tempo e, por enquanto, estamos
soltando a corda para ver para onde ela vai puxar. Só depois vamo-nos direcionar
de maneira mais efetiva, definir melhor a estratégia, se o crescimento
será nos pontos de distribuição ou não. Aprendemos
tudo na prática, e o mercado é bem diferente das teorias discutidas
na faculdade. Ocupar espaços é uma tarefa pesada que exige dedicação
exclusiva.
Nessa luta contamos com o apoio do SEBRAE/SP, principalmente na hora de expor
os produtos nas feiras, onde fazemos excelentes contatos."
A FRANQUIA DO SPAGHETTI GELADO
"Só depois de comprarmos a fábrica, fomos entender o que se
passava no mercado, que envolve a indústria do frio, a manutenção
do sorvete depois de pronto. Quando você vê um freezer da Kibon em
cada padaria, consegue entender que essa é a parte mais cara do setor.
Resolvemos não bater de frente com os grandes fornecedores e estamos criando
atalhos próprios. Procuramos ganhar no volume, com uma margem menor de
lucro, o que não é um hábito muito difundido entre o empresariado
brasileiro.
Através de um sistema de franchising, as lojas Spaghetti Ice, abrimos uma
frente no varejo. Entramos, depois, na linha de hotéis, bares e restaurantes,
na qual conseguimos sucesso através das nossas receitas exclusivas. E agora
estamos entrando nos supermercados, através dos potes de sorvetes de 2
litros, onde vamos concorrer primeiro com os sabores básicos, como creme
e chocolate.
Nas lanchonetes e nas padarias, é mais difícil entrar, pois fabricantes
tradicionais costumam dar todas as condições de preço e volume
de produção para esses pontos-de-venda. Mas, num restaurante, se
ele pede para o mesmo dia, a gente entrega e, quando dá, seguramos o preço
até o fim do mês. Então, procuramos conquistar a clientela
através desse tratamento personalizado. Além disso, oferecemos sabores
como cajá, acerola, framboesa."
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