Armadilhas Desafiam as Boas Intenções
Talvez a maior
frustração do empresário brasileiro, hoje, seja a diferença
entre a realidade e as propostas para melhorar o mundo dos negócios.
Como colocar em prática novos hábitos e sobreviver diante das
numerosas armadilhas do mercado? Como trabalhar com fornecedores que entregam
matéria-prima adulterada ou vendem equipamentos e depois não se
responsabilizam pela instalação, funcionamento e manutenção
do que fabricam? Como conviver com a inveja profissional dentro e fora do empreendimento?
Falando sobre seu negócio, esse tema - o fosso entre modernidade e barbárie
no Brasil dos anos 90 - acaba emergindo no depoimento a seguir, da empresária
Analucia Jardim, da Boulangerie Violette - tel.: (011) 575-5199. Lidando
com um produto que é símbolo da pureza, o pão, ela luta
para definir uma série de situações empresariais. Primeiro,
a importância de resgatar o objetivo essencial da padaria, que é
vender pão sem querer competir com o supermercado. Segundo, tentar impor-se
num universo profissional - a panificação - dominado pelos homens.
Terceiro, consolidar um cenário de associativismo com empresários
que pensam como ela. E, quarto, praticar a cartilha do empreendimento bem-sucedido,
que é arriscar todo o patrimônio numa idéia e agir estrategicamente,
planejando tudo.
A TENTAÇÃO DOS ALIMENTOS
"Vim de uma formação humanista, cursei Filosofia em Uberaba,
Minas Gerais, lá trabalhei num projeto educacional e vim para São
Paulo tentar novas oportunidades. A experiência na área de marketing
de uma grande multinacional japonesa despertou-me o gosto e a vocação
para administrar. Foi quando começou a pulsar uma grande vontade de ser
dona do próprio negócio. Depois de ser tentada a entrar em vários
nichos, constatei que é no setor alimentício que as pessoas costumam
vencer.
Eu me propus a ser uma vencedora nessa área, mesmo desconhecendo totalmente
o mercado e os métodos de fabricação. Habilidade natural
e formação humanista foram fundamentais para o sucesso, pois,
se não sei fazer pão, posso administrar quem sabe fazer. Como
respeito a pessoa humana, respeito meu cliente, fornecedor, funcionário
ou colaborador. O que parece uma tarefa simples se torna de muito difícil
execução na prática.
Investi US$ 200 mil acumulados em 23 anos de vida: vendi apartamento, automóveis,
linhas telefônicas. E tudo o que foi ganho na empresa foi reinvestido
aqui mesmo. Todo o investimento está na capitalização e
na valorização do negócio. Temos trinta funcionários
registrados, que nos desafiam a fazer um trabalho motivacional, já que
não estamos aqui para dar ordens. Esse relacionamento é bastante
difícil, mas aprendemos a lidar com essa realidade, depois de muito esforço."
PADARIA NÃO É SUPERMERCADO -
"A idéia é inspirada nas boulangeries francesas. Lá,
eles não vendem pilhas de lanterna ou bolas de pingue-pongue, só
pão. Na nossa boulangerie, não vendemos cigarros nem bebidas alcoólicas.
Aqui, as mulheres tomam café no balcão e temos um salão
de chá no piso superior da loja. Procuramos destacar essa diferenciação
num setor que é essencialmente dirigido pelos homens. Mas é sempre
bom lembrar que o forno é uma invenção feminina.
Cuidamos também da manutenção da qualidade do nosso produto.
Negociamos com o fornecedor para entregar um produto puro, sem mistura. Queremos
resgatar a dignidade do pão, com farinha pura, água filtrada,
sal marinho, fermentação mais natural. Graças ao programa
Empretec, do SEBRAE/SP, conseguimos fazer contato com uma empresa especializada,
que vai cuidar de toda a nossa formatação de receitas.
Estamos, também, lançando produtos novos, como o Baguepizza, que
já é uma marca registrada no INPI. Nossas receitas são
básicas, o que faz a diferenciação é a responsabilidade
e o nosso comprometimento com a qualidade. Muitas vezes, as pessoas querem ganhar
no preço final, comprando matérias-primas sem qualidade, e aí
tudo começa a tomar um sentido prejudicial ao consumidor e à própria
empresa, e isso nós não admitimos."
SOBREVIVÊNCIA EMOCIONAL
"A qualificação profissional do setor é inexistente,
e nós, empreendedores, temos que cuidar de tudo. Faltam, inclusive, noções
básicas de higiene e alfabetização para a mão-de-obra
que existe disponível no mercado. É preciso ser um grande ator,
um artista e um equilibrista para poder sobrepor-se às dificuldades.
É fundamental ter um horizonte amplo, enxergar a longo prazo.
Participando do Empretec, descobri que, metodologicamente, faço parte
de um grupo diferenciado de empreendedores. Até então, eu estava
navegando para uma sobrevivência, mas vi que é preciso atentar
não só para o aspecto econômico mas também psicológico,
emocional e afetivo de todo o processo administrativo que envolve uma empresa
inteligente. Faço parte de um grupo que está interessado num mundo
melhor.
Acho que estão faltando líderes empresariais no Brasil que provem
que a busca do bem comum é possível. Mas acho que, devido às
circunstâncias mundiais que estamos vivendo, esses líderes vão
começar a surgir. Em todos os segmentos, há necessidade de investimentos,
para que se busque a sobrevivência com qualidade de vida."
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