Livro Brasileiro faz Carreira na América
O mercado livreiro
no Brasil sofre de uma sinistrose permanente, alimentada por quem mais fatura
com ele. Pintar um quadro tenebroso de uma atividade que os números sempre
se encarregam de desmentir é um velho expediente para encobrir a concentração
de riqueza na mão de poucos e afastar a concorrência. Se esta existisse
de fato, o que seriam dos preços abusivos, das cômodas tiragens
limitadas, do horror às edições populares? De que viveriam
os privilegiados, que, evitando a democratização da cultura, usufruem
do estreitamento das oportunidades e dos negócios?
O incrível é que o potencial de vendas do setor não se
limita às nossas fronteiras. Fora daqui existe razoável demanda
- por parte de colônias de brasileiros e portugueses que tentam a vida
no exterior -, que está sendo explorada de maneira precária, devido
ao excesso de problemas gerados por essa interminável "crise" fictícia.
Quem é do ramo sabe do que se trata. Rubens Antônio Valério,
por exemplo, ao fundar com um sócio americano a Books International
Comércio Exterior Ltda. - tel.: (011) 283-5840 -, descobriu a real
dimensão dos entraves a um mercado que tem tudo para deslanchar.
Mas o excesso de burocracia não assusta Rubens, que, nos anos 80, viajou
para os Estados Unidos em busca de trabalho e, hoje, vive no Brasil. Ele acredita
que a abertura comercial é irreversível e, com a ajuda do SEBRAE/SP,
seu negócio - importar livros técnicos em inglês e
exportar livros brasileiros, principalmente de literatura - tem futuro,
como conta no depoimento a seguir.
FRETE PESA NO CUSTO
"Trabalhei como gerente de uma firma de extração de areia
e, em 1985, resolvi ir para os Estados Unidos, na base da aventura, sem saber
a língua. Mas dei sorte, fui contratado por um supermercado e mais tarde
acabei conhecendo uma pessoa que, há dezessete anos, importa livros daqui
e de Portugual, distribuindo, principalmente, para as universidades e para a
colônia brasileira. Ele estava com problemas de importação
do Brasil, principalmente devido ao alto custo do frete, pois comprava uma quantidade
pequena de editoras separadas e o negócio começou a ficar quase
inviável.
Minha idéia era abrir a firma sozinho, mas ele propôs sociedade
e, assim, a gente está trabalhando em conjunto, importando livros de
lá e exportando os nossos, na base de 1,2 mil unidades por mês,
em média. A parte de importação ainda está um pouco
mais lenta, pois só agora estamos abrindo esse mercado. Como compro pequenas
quantidades, também estou tendo problemas com o frete e a demora da entrega.
Tem livro que eu recebo em dez dias e outros que demoram uns dois meses, pois
o correio não tem controle do transporte.
Não sabíamos de todas as dificuldades que existiam antes de entrar
no negócio. Descobrimos que o processo é idêntico tanto
para a pequena quanto para a grande empresa. Isso aumenta nossos custos."
REAL PREJUDICA O LUCRO
"A maior parte do que eu vendo é de literatura, como Jorge Amado,
Machado de Assis, Clarice Lispector, José Lins do Rego, José de
Alencar, Guimarães Rosa e alguns best-sellers atuais, como Paulo Coelho.
As novidades vendem bem para os brasileiros, enquanto os clássicos são
consumidos mais pelos americanos que estudam português. O estudo da língua,
nos Estados Unidos, não se limita à conversação
e à leitura, eles querem entender a cultura do País. Então,
por exemplo, a classe inteira compra Gabriela, Cravo e Canela e vai estudar.
Mas existe um problema: o preço final. As pessoas pensam que, como o
americano tem muito dinheiro, vai pagar qualquer coisa por qualquer produto.
Isso não é verdade. O americano vai pesar muito bem se vale o
que ele está pagando. Os Estados Unidos são o maior mercado do
mundo, mas é também onde se compram as coisas mais baratas. Lá,
com US$ 15, compra-se um livro encadernado. Um livro como o Gabriela, por exemplo,
sai na editora por R$ 18, que equivale a pouco mais de US$ 20. Mas o frete e
outras despesas, como embalagens, acabam elevando o preço para US$ 25.
As tiragens, aqui, são muito pequenas - no máximo 20 mil
exemplares, em média - em relação às dos Estados
Unidos, que são de 100 mil. Isso ajuda a encarecer o custo, com a agravante
de que, com o Real, os preços em dólar aumentaram bastante, pois
quase dobraram. Isso ajudou a diminuir as margens de lucro."
ABERTURA X CORPORATIVISMO
"Não recomendo mais emigrar para os Estados Unidos, por três
motivos. Primeiro, as leis estão mais rígidas - a empresa
que empregar os ilegais estão sendo punidas agora, por exemplo. Em segundo
lugar, a recessão pegou por lá, diminuindo as ofertas de emprego.
E, em terceiro, o dólar não tem mais o mesmo poder de compra dos
anos anteriores. Existem vantagens de ficar no Brasil, mas muita coisa precisa
mudar.
A abertura comercial obriga o empresário brasileiro a investir em qualidade
para diminuir o preço final dos seus produtos. Como acho que a abertura
veio para ficar, essa é uma tendência obrigatória. Mas,
antes, é preciso também eliminar absurdos, como os entraves corporativos,
que exercem rígidos controles em portos e aeroportos, multiplicando as
despesas para despachar as mercadorias. A abertura terá que mexer com
tudo isso aí."
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