Administração Errada pode Escravizar
A autocrítica
é rara entre os brasileiros. Mas, às vezes, encontram-se pessoas
que fazem da autocrítica quase uma obsessão, para poder atingir
um nível mais elevado de realização pessoal e profissional.
Esta seção teve o privilégio de entrar em contato com uma
dessas pessoas, num momento riquíssimo de reflexão. Trata-se de
Irene Araújo de Melo Bento, da Amor em Flor Floricultura Ltda.
- tel.: (011) 511-9320 -, de São Paulo. Ex-funcionária pública,
ela abriu a empresa, em 1989, cheia de planos, mas, aos poucos, teve que se
adaptar à realidade do seu segmento.
Apesar de seu estabelecimento ser um modelo de organização, atendimento
e limpeza, ela não está satisfeita com o recuo a que foi obrigada,
diante de numerosas dificuldades. Ela sabe que está envolvida demais
na operacionalidade da empresa, o que acaba travando atividades mais adequadas
à sua função de empresária.
Por isso, no depoimento a seguir, ela relata essa experiência, ciente
de que sua análise realista servirá para eliminar alguns impasses
e encontrar soluções a longo prazo para sobreviver com menos sufoco
e até mesmo crescer, apesar do desaquecimento do mercado.
FALTAM PLANEJAMENTO E MARKETING
"Eu era digitadora da Prodesp e, enquanto trabalhava, cursei Administração
de Empresas e alimentei o sonho de montar meu próprio negócio.
Quando inaugurei esta loja, coloquei nas Páginas Amarelas a parte de
jardinagem e paisagismo, pois a minha intenção era abrir todas
as portas e experimentar tudo no mesmo nível. Mas o estabelecimento não
tem espaço para uma exposição de plantas e a região
em que trabalho não está muito ligada em jardinagem. Minha idéia
era entrar fundo na parte de decoração, mas ficamos restritos
pelo local e por falta de um bom vendedor que faça um trabalho em regiões
vizinhas.
Esse é um trabalho bruto, no qual é preciso dar duro. Não
basta vender, é preciso lavar, limpar, molhar as plantas, fazer a manutenção,
carregar até o cliente. É difícil encontrar pessoas que
assumam para valer. Também não conseguimos conquistar a clientela
das igrejas, por exemplo, pois existe uma barreira, e padres e noivos acabam
resolvendo as coisas entre si, sem nossa participação. Estamos
muito limitados à nossa clientela, e está faltando um trabalho
mais apropriado de marketing e venda. No fundo, falta um planejamento adequado,
pois você entra demais no ritmo do dia-a-dia. Reconhecemos essa falha,
que nos causa prejuízos."
EMPRESÁRIO VIRA EMPREGADO
"O empresário com problemas de administração acaba
sendo empregado do seu próprio negócio e, pior, um empregado mal
pago. Nosso faturamento serve para pagar o que é possível para
sobrar alguma coisa. Com isso, a estrutura que temos acaba ficando muito simples.
A gente paga o florista, a balconista, mais uma pessoa para dividir a minha
parte, que é de atendimento. Estou precisando de um motorista, pois o
que tinha saiu. Acabei contratando um rapaz, que bateu o carro. Por enquanto,
tenho que fazer as entregas, e isso me toma muito tempo.
O florista também faz parte de uma mão-de-obra com algumas complicações.
É difícil mudar seus hábitos, acham que sabem tudo, e ficamos
na mão deles nas épocas de pico de vendas, que são o Dia
das Mães, Namorados e final de ano. Fico bastante desestimulada de pescar
funcionário no mercado e acabo fechando-me.
Estou limitada ao mercado que eu tenho, que são arranjos simples, bons
e baratos. Não há espaço para trabalhos de ikebana, por
exemplo, que exigem mais material, são mais sofisticados e levam pouca
flor. Cheguei a iniciar um curso sobre ikebana, mas não tive tempo de
continuar."
PACTO COM FORNECEDORES
"Devido a essa falta de tempo, não usei o SEBRAE como deveria. Assim
mesmo, consegui uma boa orientação para direcionar meu trabalho,
pois, no início, eu queria fazer tudo e não conseguia fazer nada.
Hoje, já tenho um programa de computador em que lanço tudo, entrada,
saída, despesas etc. Estou levando bastante fé na Associação
Central de Produtores de Flores e Plantas (ACPF), que está vindo com
bastante boa vontade, num momento duro para todo mundo. Eles têm um projeto
ótimo para cuidar da qualidade de quem produz ou vende, para treinar
funcionários e orientar empresários do setor.
Temos um pacto com os fornecedores: compramos determinada cota e lutamos para
vender aquela quantidade, mas, na hora do pico, eles não nos deixam na
mão. Muitas vezes, os grandes produtores acabam colocando o preço
lá embaixo e prejudicam bastante os pequenos. Existe, também,
a concorrência predatória entre os pequenos floricultores, que
não formam uma classe muito unida. Tem gente que vem aqui, observa e
acaba montando uma loja perto da minha. Mas só que eles não sabem
o poder escravizador desse negócio. Tem que ficar o tempo todo disponível,
inclusive domingos e feriados. E existe um relacionamento difícil com
o cliente. Esse produto implica emoção. Quando você se abre,
acaba abrindo-se, também, para pessoas que o agridem. Então, a
gente acaba optando por uma relacionamento mais seco.
Eu já devia ter deslanchado aqui, na loja. Talvez, se meu senso autocrítico
não fosse tão forte, eu tivesse avançado. Assim mesmo,
conseguimos boas vitórias. Hoje, a Amor em Flor é respeitada,
devido à qualidade do nosso serviço."
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